domingo, 10 de julho de 2022

Os generais e o golpismo

Charge: Thiago
Por Jorge Branco, no jornal Brasil de Fato:

Meu artigo anterior, “O guarda da esquina e o golpismo”, suscitou um debate sobre as condições para uma ruptura do sistema democrático liberal no Brasil. Meu argumento é de que se vive uma situação golpista. Ou seja, há um movimento político de extrema direita que tem agido para estabelecer a pauta antidemocrática. O centro político deste movimento é o governo Bolsonaro que forma uma aliança golpista com setores empresariais com frações ultradireitistas dos oficiais generais, a partir da ocupação de espações de governo e de Estado. Este bloco no poder organiza uma base popular a partir do apoio de lideranças religiosas ultraconservadoras e militares e policiais de baixa patente que se mobilizam em torno de pautas ideológicas de caráter antidemocrático e anticomunista.

O anticomunismo continua sendo um fator ideológico decisivo para a cooptação de setores populares uma vez que a longa batalha contra os direitos dos trabalhadores se mantém atual para o neoliberalismo e, surpreendentemente para alguns desavisados, forte. Décadas de pregação moral contra ideias socialistas, igualdade e revoluções não seriam apagadas em um Brasil tão complexo e conservador. A grande operação regressiva contra os direitos trabalhistas e os direitos sociais e protetivos do período utilizou-se fartamente deste expediente.

Por isso e por outros elementos, que podemos falar em situação golpista. Um quadro onde há um conjunto relevante de sujeitos com a vontade política de realizá-lo, mas não há condições suficientes para materializá-los. Para que se possa obstaculizar a construção das condições suficientes para o autoritarismo e golpismo é que passa a ser necessário interromper o governo Bolsonaro. O agente organizador do golpismo.

A crescente pregação golpista está ancorada no bloco no poder que dirige o governo e constrói as relações entre as várias frações que o compõem. Entre eles grande parte da elite de oficiais generais das Forças Armadas. Ancorado na forte relação própria da hierarquia das relações de instituição total essa elite militar cumpre um papel de testagem de ameaças, cuja a força está na presunção não infundada que as Forças Armadas não possuem doutrina democrática, tendo uma notória tradição autoritária.

Deste ponto que essa elite militar desenvolve uma estratégia política de desestabilização do quadro eleitoral. Ainda que haja fortes evidências que esses atores políticos não tenham relação direta com a maioria da população. Segundo o jornal O Globo, pesquisadores da UFRJ e da UFF acompanharam a atuação de vários oficiais generais das Forças Armadas nas redes sociais e chegaram a conclusão que estes militares tem grande influência em “bolhas de extrema direita” e com relação direta com o Bolsonarismo.

São seguidos fortemente por parlamentares, influenciadores, comunicadores, militares e policiais de baixa patente e membros do governo Bolsonaro. Sua influência se dá, portanto, sobre outros formadores de opinião que popularizam as ideias de extrema direita. Como podemos acompanhar nas redes, a pauta, ofensiva e abertamente, tem a intenção de criar um ambiente instável para as eleições presidenciais e contaminar a sustentação do provável governo Lula, segundo todas as pesquisas de intenção de voto publicadas em 2022.

O roteiro da agenda de desestabilização da democracia envolve a consagração da existência de uma operação, tipo complô entre o Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Lula (PT), a esquerda, os globalistas (sic) e a grande mídia empresarial. Segue pelo desacreditamento do processo eleitoral e da urna eletrônica em especial, permitindo que as Forças Armadas ocupem um “espaço político” inacreditável na validação das eleições. Algo do que o TSE e o STF poderão se arrepender fortemente.

O terceiro ponto desta agenda é a reconstrução da narrativa sobre o golpe de Estado de 1964 e a Ditadura Militar que se seguiu. Difundindo uma ideia de que o autoritarismo havia livrado o Brasil de vários males, como a corrupção e a desordem, que a democracia e seu agente do mal, a esquerda, reestabeleceram no Brasil.

Se as ações de rua e de debate aberto nas redes sociais, fica a cargo de um contingente de ‘guardas da esquina” do golpismo, a direção política desse movimento golpista fica a cargo dessa elite militar em associação com outras frações dirigentes da extrema direita.

A derrota eleitoral de Bolsonaro, portanto, é decisivo para negar à essa direção política da extrema direita os meios de governo que hoje lhes confere capacidade de ação política. A derrota política da extrema direita, contudo, não virá apenas do resultado eleitoral. Será preciso entender a oposição ao provável governo democrático de Lula será de desestabilização e sabotagem. Ao lado de políticas econômicas de retomada do crescimento e do emprego, será preciso um novo impulso, fora do aparelho de Estado, de vitalização dos movimentos sociais e organizações populares para uma batalha de ideias e valores. As lições dos golpes deste século e das viradas políticas como no Chile, Bolívia e Colômbia estão aí para serem apreendidas.

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