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O apoio da alta patente militar ao governo de Jair Bolsonaro passou por um pacto decisivo, entre 2018 e 2019, durante a intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro e as apurações sobre o assassinato de Marielle Franco.
Para compreender o escudo militar ao governo da ultradireita, no caso do Brasil, faz-se necessário, antes, destrinchar as peças daquele fatídico episódio.
Essas peças foram abordadas pela primeira vez no “Xadrez do caso Marielle e da luta pelo poder com Bolsonaro“.
Nesta segunda análise, o “Xadrez da hipótese mais provável da morte de Marielle” publicado em abril deste ano traz acréscimos com o cenário internacional, o contexto do Brasil e um maior detalhamento.
Peça 1 – o Google de Ronnie Lessa
Quando identificado como o executor de Marielle Franco, houve busca e apreensão na casa de Ronnie Lessa, vizinho de Jair Bolsonaro.
Na primeira vistoria em seu notebook, os policiais chegaram ao mote do crime.
Havia um histórico de pesquisas no Google buscando políticos que eram contra a intervenção militar no Rio de Janeiro.
As buscas foram dar em vários mas, especialmente, em Marielle Franco, a maior crítica.
A chave do mistério estava aí.
A troco de quê milicianos se interessariam por política, a ponto de investigar políticos que eram contra a intervenção?
Peça 2 – o pacto Temer-Forças Armadas
Com a posse de Michel Temer, houve uma aproximação com os militares coordenada por Raul Jungman e Alexandre de Moraes.
Na época, houve um pacto com Forças Armadas, Supremo e tudo visando garantir eleições – com Lula preso. A maneira de introduzir as FFAAs no jogo político foi através da Operação Garantia de Lei e Ordem no Rio de Janeiro, com o comando sendo exercido pelo general Braga Netto.
Não havia nenhuma justificativa para dois pontos centrais.
Primeiro, o álibi da segurança nacional.
Por mais que o Rio estivesse imerso em caos, nem de longe se poderia falar em ameaça à segurança nacional.
Segundo, o fato do comando ter sido entregue a um general, afrontando a própria Constituição – que determinava claramente que o comando de qualquer GLO deveria ser civil.
Peça 3 – os que eram contra as eleições
Em setembro de 2017, o então presidente do Clube Militar, general da reserva Hamilton Mourão, mostrou-se contra as eleições e defendeu intervenção militar.
Em palestra na Loja Maçônica, Mourão ameaçou: “Ou as instituições solucionam o problema político”, retirando da vida pública políticos envolvidos em corrupção, ou então o Exército terá que impor isso”.
Disse mais: “Então no presente momento, o que que nós vislumbramos, os Poderes terão que buscar a solução. Se não conseguirem, né, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará problemas, podem ter certeza disso aí”.
O então deputado Jair Bolsonaro foi mais enfático.
Disse que o modelo de intervenção federal determinada por Michel Temer se presta a “servir esse bando de vagabundos” – ou seja, aos membros do governo. Disse que a decisão foi tomada “dentro de um gabinete” e não consultou as Forças Armadas. “Nosso lado não está satisfeito. Estamos aqui para servir à pátria, não para servir esse bando de vagabundos”
Disse mais: “É uma intervenção política que ele [Temer] está fazendo. Ele, agora, está sentado, tranquilo, deitado. Se der certo – vou torcer para que dê certo –, [mérito] dele. Se der errado, joga no colo das Forças Armadas”.
Ou seja, ambos eram vigorosamente contra a GLO, a intervenção no Rio de Janeiro, por entender que era uma maneira de cooptar as Forças Armadas para garantir o grupo de Temer, em eleições sem Lula.
Peça 4 – o caso Riocentro
Conforme amplamente documentado, o caso Riocentro foi uma articulação de uma ultra-direita firmemente entronizada nas Forças Armadas. Há evidências de que o próprio presidente da República, general João Baptista Figueiredo, foi informado um mês e meio antes do evento.
A lógica era óbvia: um atentado terrorista, que seria atribuído à esquerda, e impediria o avanço da redemocratização.
O crime foi abafado sucessivamente pelo Superior Tribunal de Justiça, numa sucessão em que a última medida de acobertamento partiu do Ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal de Justiça.
Tinha-se, então, um militar egresso dos porões da ditadura, Jair Bolsonaro, admirador de um grupo cujo modo de ação consistia em atentados visando comprometer a ordem democrática.
Àquela altura, Marielle Franco se tornara a maior crítica da intervenção.
Sua morte comprometeria agudamente a intervenção militar – como de fato ocorreu.
Nos meses seguintes, o interventor general Braga Netto foi desafiado a desvendar o crime. Chegou a anunciar, algumas vezes, que estaria próximo do desfecho.
No artigo Xadrez do caso Marielle e da luta pelo poder com Bolsonaro conto como Marielle tornou-se peça essencial no pacto selado entre Bolsonaro e o general Villas Boas, que resultou na ascensão de Braga Netto para Ministro-Chefe da Casa Civil de Bolsonaro.
Peça 5 – as peças se encaixando
Tem-se, então, as seguintes questões à procura de uma teoria do fato – isto é, uma narrativa que junte todas as peças.
O assassino de Marielle pesquisando vereadores contrários à intervenção no Rio.
O assassino morando vizinho do principal crítico da intervenção, o deputado Jair Bolsonaro.
Aliás, saindo de lá para executar a vereadora.
O fato de que a morte de Marielle colocaria em xeque a intervenção militar e os antecedentes do Riocentro – envolvendo os mesmos grupos militares aos quais se filiava Bolsonaro.
As afirmações do então Ministro Raul Jungman, sobre forças influentes que impediam o avanço das investigações.
O pacto entre o general Villas Boas e Bolsonaro, que resultou na ascensão de Braga Netto.
A teoria do fato mais lógica é a seguinte:
Com a desmoralização da política, as Forças Armadas decidiriam entrar no jogo.
Havia dois caminhos. Do lado de Mourão e Bolsonaro, o golpe puro e simples. Do lado de Villas Boas, o avanço em etapas. Por isso, selou um acordo com Temer e o Supremo visando garantir as eleições de 2018 com Lula fora do jogo.
O acordo foi sedimentado com a intervenção no Rio de Janeiro, comandada por um general ligado a Villas.
Esse acordo foi interpretado como uma cooptação das FFAAs pelo governo Temer, suscitando enorme resistência de Mourão e Bolsonaro.
Coincidência ou não, o atentado que vitimou Marielle tinha por objetivo central o comprometimento da intervenção.
No meio do caminho, no entanto, Bolsonaro vai gradativamente se tornando uma alternativa viável para as eleições.
É celebrado, então, o pacto entre os dois grupos, que torna Braga Netto Ministro-Chefe da Casa Civil.
Na sua despedida do cargo de comandante das Forças Armadas, Villas Boas dá a senha do pacto.
“Dois mil e dezoito foi um ano rico em acontecimentos desafiadores para as instituições e até mesmo para a identidade nacional. Nele, três personalidades destacaram-se para que o “Rio da História” voltasse ao seu curso normal. O Brasil muito lhes deve. Refiro-me ao próprio presidente Bolsonaro, que fez com que se liberassem novas energias, um forte entusiasmo e um sentimento patriótico há muito tempo adormecido. Ao ministro Sergio Moro, protagonista da cruzada contra a corrupção, e ao general Braga Netto, pela forma exitosa com que conduziu a intervenção federal no Rio de Janeiro.”
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Essa reportagem faz parte da investigação do projeto Xadrez da ultradireita mundial à ameaça eleitoral, uma campanha do Catarse para produzir um documentário sobre o avanço da ultradireita mundial e a ameaça ao processo eleitoral. Colabore!
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