domingo, 18 de setembro de 2022

Agro pagará caro pelo apoio a Bolsonaro

Charge: Ribs
Por Marcelo Zero, no site Viomundo:

A recente e rigorosa decisão do Parlamento Europeu de proibir importações de produtos provenientes de áreas desmatadas ou degradadas é, em boa parte, fruto da desastrada política antiambiental do governo Bolsonaro.

Com efeito, mesmo antes de chegar ao poder, Bolsonaro deixou muito claro que se opunha à proteção ambiental e ao respeito aos direitos de nossos povos originários. Fez campanha defendendo os interesses mais retrógrados do agronegócio e recebeu forte apoio do setor.

Chegando ao Planalto, Bolsonaro e seu famigerado ministro antiambientalista, Ricardo Salles, “abriram a porteira para a boiada passar”, metafórica e literalmente.

Com efeito, em poucos meses, o governo Bolsonaro:

a) enfraqueceu o Ministério do Meio Ambiente, deslocando a Agência Nacional de Águas para o Ministério do Desenvolvimento Regional e o Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura;

b) anunciou a revisão de todas 334 Unidades de Conservação brasileiras, ameaçando-as de redução ou extinção;

c) colocou um freio na fiscalização ambiental, o que provocou uma queda de 34% no número de multas aplicadas pelo Ibama;

d) iniciou o desmantelamento da Política Climática, com seguidas declarações contra essa política global, inclusive do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que definiu o tema como “acadêmico” e “não prioritário”;

e) atacou o Fundo Amazônia e seus principais financiadores, como Alemanha e Noruega, recorrendo, inclusive, a acusações falsas;

f) atacou e enfraqueceu os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMBio, bem como questionou os dados de monitoramento do INPE, o que resultou na demissão de seu responsável;

g) esvaziou a Funai, deslocando a função de demarcar terras indígenas para o Ministério da Agricultura; e

h) recusou-se a sediar a COP-25.

Essas ações, entre muitas outras, fizeram o desmatamento subir 57%, nos primeiros três anos do governo Bolsonaro.

Somente na Amazônia, entre janeiro de 2019 a julho de 2022, foram desmatados, segundo o Inpe, 31 mil quilômetros quadrados de florestas, o equivalente ao território da Bélgica.

As imagens dessa devastação ambiental percorreram o planeta e causaram grande impacto na opinião pública mundial, especialmente na opinião pública europeia.

As violações sistemáticas dos direitos dos povos indígenas e o recente assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips também contribuíram para conformar um quadro dantesco de destruição ambiental, combinada com grosseiras agressões aos direitos humanos de populações fragilizadas e desprotegidas.

Dessa maneira, o Brasil passou de exemplo de comprometimento com o combate às mudanças climáticas entre os países em desenvolvimento, nos governos do PT, a grande vilão ambiental do planeta, no governo Bolsonaro.

Os espertinhos piromaníacos talvez tenham achado que tudo isso não teria consequência e que bastariam bravatas xenófobas para rebater as críticas. Se enganaram.

A decisão do Parlamento Europeu, se aprovada pelos parlamentos nacionais da UE e convertida em lei, poderá impor restrições e custos significativos às nossas exportações.

Além da soja e da carne, a decisão também inclui couro, madeira, cacau, borracha, milho e dendê.

A inclusão da madeira poderá incidir nas indústrias de móveis e papel, por exemplo. Já a inclusão do cacau poderá gerar efeitos na indústria dos chocolates.

Não se trata, portanto, apenas dos interesses do agronegócio, mas de tudo aquilo que, mesmo que indiretamente, possa conter algum material proveniente de áreas desmatadas ou degradadas.

Observe-se, ademais, que a decisão não se circunscreve, potencialmente, somente às florestas da Amazônia.

A inclusão, no texto, do combate, não apenas ao desmatamento, mas também à conversão de biomas para uso agrícola, abre a possibilidade para que outros biomas não-florestais, como o Cerrado e o Pantanal, também sejam protegidos pela resolução.

E a decisão não faz distinção entre desmatamento legal e ilegal.

É bom lembrar, além disso, que, no ano passado, exportamos quase US$ 18 bilhões em produtos agropecuários para UE. Por conseguinte, o dano potencial é muito grande.

Claro está que essa resolução do Parlamento Europeu tem aspectos questionáveis.

O primeiro e mais óbvio tange ao seu caráter unilateral. Idealmente, uma decisão de tal envergadura, que produzirá efeitos significativos no comércio internacional, teria de ser debatida e aprovada, no âmbito da OMC. Tal como foi feito no caso da propriedade intelectual, teríamos de ter um acordo vinculante sobre temas ambientais relacionados ao comércio, que equilibrasse os interesses de países desenvolvidos e em desenvolvimento, que previsse prazos de adaptação às novas regras etc.

O segundo aspecto potencialmente negativo se refere à incidência desproporcional das medidas nos países em desenvolvimento, onde se localizam os principais biomas florestais do mundo. São países que não têm, em geral, recursos e tecnologia para colocar em prática uma produção “limpa e verde”.

Em contraste, a UE possui uma agricultura intensiva em tecnologia e altamente subsidiada. Acrescente-se que o próprio texto da decisão reconhece que a área das florestas naturais europeias representa menos de 5% do território da UE.

O terceiro aspecto é o relativo ao possível aumento dos custos de alguns alimentos. A decisão impõe que os importadores europeus realizem investigações detalhadas para rastrear todos os produtos, de modo a assegurar que não proveem de áreas desmatadas ou degradadas.

Obviamente, isso poderá encarecer as trocas comerciais. Num contexto mundial de grande aumento da fome e de inflação dos preços dos alimentos, essa não é precisamente uma boa notícia.

O quarto e mais ameaçador aspecto se relaciona a uma potencial emulação dessas medidas por parte de outros países, com os EUA, por exemplo, que têm um governo muito comprometido com as causas ambientais. Seria um sério agravante.

Não obstante esses questionamentos, a decisão do parlamento da UE indica que as empresas, os governos e os consumidores europeus não tolerarão mais agressões ao meio ambiente ou aos direitos dos povos indígenas, e que o Brasil terá de trabalhar muito para “limpar a sua imagem” e voltar a ter credibilidade no cenário mundial, após o desastre do governo Bolsonaro, apoiado pelo agronegócio.

É inacreditável que tenhamos descido tão baixo em nossa imagem internacional relativa às mudanças climáticas e à proteção do meio ambiente. Logo o Brasil, que tem tudo para ser uma grande potência ambiental, sustentada por sua enorme biodiversidade.

Mas é o que resulta da falta de visão estratégica e da busca sôfrega de lucro fácil e predatório de curto-prazo.

É o que resulta do apoio a um governo desastroso e incompetente como o de Bolsonaro, que está na contramão do planeta e da civilização.

Somente a eleição de Lula poderá reverter esse quadro. Mas há gente que ainda prefira o suicídio.

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