Charge: Mahnaz Yazdani |
Era uma vez uma perfeita social-democracia, um paraíso dos direitos humanos, tolerante e aberto para os estrangeiros, com uma monarquia constitucional, tendo um rei de espírito republicano, enfim, um país democraticamente estável e socialmente progressista. Além disto, mantinha uma saudável neutralidade em meio à Guerra Fria que opunha, sob a forma de duas potências nucleares, o que era por vezes descrito como a disputa entre um capitalismo predador e um comunismo autoritário…
Foi neste país que o Brasil se sagrou campeão do mundo no futebol, em 1958, derrotando o time da casa com uma goleada histórica na final, e os jogadores da seleção canarinho (embora na final vestissem uma camiseta azul), deram a triunfal volta olímpica no estádio, generosamente aplaudidos pela torcida local.
Pois bem, hoje este país - a Suécia - está à beira do colapso político. Na recente eleição nacional o partido de extrema-direita, paradoxalmente chamado de “Democratas Suecos”, de origem neo-nazista, cresceu de forma desmesurada, tornando-se a segunda força política no Parlamento. O país é palco de disputas entre gangues rivais envolvidas com o narcotráfico e outros tráficos, como o de armas, dando à questão da segurança pública um status de primeira grandeza no cenário social e político. Preconceitos e movimentos xenófobos ocupam perigosamente corações e mentes pelo país afora.
Para completar este quadro de naufrágio, a Suécia está abandonando a sua proverbial neutralidade e aderindo à Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, tomando partido na nova Guerra ao mesmo tempo Quente e Fria: Quente no cenário da destroçada Ucrânia, Fria no resto do mundo, com os Estados Unidos e seus aliados da OTAN de um lado, e Rússia e China do outro. Como chegamos a isto?
Bem, é forçoso reconhecer que naquela social-democracia perfeita nem tudo era tão perfeito assim. Na noite de 28 de fevereiro de 1986 o então primeiro-ministro social-democrata Olof Palme, de 59 anos, foi assassinado a tiros numa rua de Estocolmo, num crime cuja elucidação permanece envolta em trevas. Em 2020 a polícia sueca apontou um criminoso e declarou que o caso estava encerrado, mas ele permanece objeto de especulações e teorias conspiratórias que apontam para suspeitas de envolvimentos vários, muitos internacionais, como a CIA norte-americana ou a finada KGB soviética, ou o regime do apartheid sul-africano, além de levantarem dúvidas sobre as investigações oficiais e até sobre uma suposta participação do serviço secreto sueco no crime e/ou na confusão que se seguiu e que prejudicou a investigação.
No presente, o atual governo social-democrata, liderado por Magdalena Andersson, renunciou, abrindo caminho para a formação de um novo gabinete com os partidos conservadores, podendo ou não incluir os afluentes Democratas Suecos, que conquistaram espetacularmente mais de 1 milhão e 300 mil votos e 73 das 349 cadeiras no Parlamento.
Por mais que pesem fatores locais no resultado da eleição, não se pode esquecer que a Europa inteira, envolta num clima de grande insegurança social, inflação galopante, crise energética e de abastecimento alimentar, e realinhamento geopolítico devido a seu envolvimento na guerra na Ucrânia, do lado da OTAN e do governo de Kiev, vem assistindo um crescimento exponencial dos movimentos de extrema-direita que têm, nos estrangeiros, um alvo fácil de apontar como culpados.
O próximo passo desta dança das cadeiras no cenário político será dado na próxima eleição italiana, no dia 25 de setembro. O partido emergente no momento é o Fratelli d’Italia, liderado por Giorgia Meloni. Apesar do esforço da líder por se distanciar do fascismo e do fantasma de Mussolini, ela continua a louvar o slogan “Deus, Pátria, Família”, que era o dístico do Duce e do fascismo. Seu partido lidera uma coligação que inclui a Lega, de Matteo Salvini e o Forza Italia, de Silvio Berlusconi. Juntos, somam 45% das intenções de voto, nas pesquisas.
Diz a tradição que em épocas de crise a Europa termina por se inclinar para a direita. A Suécia deu passos nesta direção. Veremos, dentro de poucos dias, se a Itália também entrará neste cordão, tirando do armário, cem anos depois de sua ascensão, o espírito do velho Duce.
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