Charge: Laerte |
O ovo da serpente inspirou mais uma analogia forçada na Lide Brazil Conference. O ministro Dias Toffoli disse em palestra em Nova York, na segunda-feira, que o inquérito das fake news esmagou a cabeça da serpente.
E a serpente sem cabeça, disse ele, não produziu o ovo. Esse teria sido o grande mérito das investigações iniciadas em março de 2019 no STF por ordem do ministro.
Como a engrenagem golpista dependia de financiadores, a investigação comandada por Alexandre de Moraes teria colocado a correr os empresários com dinheiro.
O próprio Moraes reafirmou na mesma conferência a tese de Toffoli sobre a ação preventiva do inquérito, que teria sido “decisivo para garantir a estabilidade democrática”.
Moraes disse ainda que o trabalho do STF com a Polícia Federal ofereceu ao TSE expertise para as medidas adotadas em relação às ameaças à eleição.
E citou especificamente os atos golpistas de 7 de setembro, abalados pelo corte de recursos de doadores, mas sem se referir à ação da PF que pedalou as portas de oito tios milionários do zap no final de agosto.
É uma boa abordagem, mas é incompleta e atiça dúvidas e inquietações. É boa porque os dois ministros voltam a reafirmar a legalidade do inquérito e exaltam seus efeitos preventivos.
Mas é incompleta ao sugerir que inquéritos envolvendo ataques à democracia podem ter cumprido sua missão mais importante por agirem preventivamente.
Os dois ministros sabem que a democracia vai exigir mais dessa investigação, que envolve os filhos de Bolsonaro, o próprio Bolsonaro, empresários, milicianos digitais, outros agregados e talvez militares.
A serpente continua com a boca aberta, ministro Toffoli. E, se tem boca, é porque ainda tem cabeça e põe ovos.
Se o Supremo se contentar com as virtudes da contenção exercida por um inquérito, estaremos todos ainda sob a ameaça da serpente.
A serpente esteve nas estradas e continua nas ruas, acampada diante dos quartéis. Toffoli e Moraes a encontraram em Nova York.
E continua sendo financiada abertamente, como revela reportagem do jornal online Matinal, de Porto Alegre.
Empresários manjados, que o Supremo conhece desde 2018, mostraram a cabeça intacta da serpente depois da vitória de Lula. Há provas em vídeos de alguns deles discursando pelo golpe.
Foi entregue ao próprio Moraes uma lista de empresários do sul do país acusados de financiar os atos pós-eleição. A lista tem provas da Polícia Rodoviária Federal e do Ministério Público.
Vamos repetir: moradores de pequenas e médias cidades sabem quem são os financiadores dos atos pelo golpe. A serpente dá ordens e circula livremente.
A serpente põe ovos em nossos pés. Há listas de empresários e profissionais ‘comunistas’ que devem ser caçados pelas comunidades em que vivem e sabotados até quebrarem.
Os jornais noticiam agora que a Polícia Civil de Goiás identificou um domínio na internet que organiza as aglomerações dos tios e tias com bandeiras amarradas às costas.
É uma organização explícita, declarada, debochada. A serpente dá gargalhadas. Ninguém consegue tirar os acampados da frente dos quartéis.
Ninguém obedece suas ordens, ministro Alexandre de Moraes. Porque falta bravura, ministro. E por isso a serpente ri de certas autoridades sem brio, na definição do ministro Gilmar Mendes.
Não há como considerar que a serpente esteja morta, ministro Toffoli. A serpente nem o rabo perdeu.
A serpente sabe que, se o STF apresentar um inquérito frouxo ao Ministério Público, as milícias digitais impunes continuarão agindo. E continuarão sendo financiadas.
Não há como sugerir, como consolo, que a ação preventiva do inquérito no STF conteve os milionários financiadores do golpe. O inquérito das milícias não pode ser a cloroquina do Supremo.
Não caiam na armadilha de achar que o inquérito do golpismo já não tem mais o que fazer. Não travem o inquérito pelo susto de algum imprevisto.
Não façam isso. Apontem as quadrilhas e juntem todas as provas (e são muitas provas) contra os grandes fascistas que lideram as ações nas estradas e diante dos quartéis. Porque os pequenos já estão sendo punidos.
Se os fascistas grandões não forem contidos, com a prisão de alguns deles (sim, ainda falta o encarceramento exemplar de um extremista grandão), nada estará resolvido.
A serpente impune vai comer a democracia como se fosse uma jiboia faminta, ministro Toffoli. E começará, como sempre quis, comendo o Supremo.
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