quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Fascismo será enfrentado na política e na lei

Charge: Clay Jones
Por Clara Assunção e Paulo Donizetti, na Rede Brasil Atual:


A Polícia Federal poderia ter sido acionada para ajudar a conter o atentado terrorista do dia 8 contra a democracia brasileira? “Não”, responde o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. “E a Polícia Rodoviária Federal? “Não poderia”, prossegue Dino. Ambas as respostas pelas mesmas razões: seriam medidas que não se enquadram nas missões constitucionais dessas corporações. “E as Forças Armadas?” Não deveriam. Flávio Dino respondeu a perguntas espinhosas em live realizada nesta terça-feira (17), em que avaliou a tensão das últimas semanas, previu outras pela frente e apresentou a ideia de um “Pacote da Democracia” para conter a desinformação convertida em crimes digitais.

A proteção às instituições da República representadas nas sedes dos três poderes – Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto –, explica Flávio Dino, cabe às polícias do Congresso e à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Enquanto a Polícia Legislativa resistiu como pôde aos ataques, como mostram as imagens vistas nos últimos dias, as polícias do DF só agiram com vigor depois da intervenção decretada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com rapidez desconhecida na história da República.

Segundo Flávio Dino, o WhatsApp e outras redes sociais serviram de ferramenta de mobilização dos golpistas e do bolsonarismo nos últimos quatros anos. Da mesma forma, a mesma ferramenta proporcionou a decisão mais correta e mais rápida. Entre a decisão de Lula – que se encontrava em Araraquara (SP) – de intervir na Secretaria de Segurança Pública do DF e chegada do decreto determinante, passou-se uma hora, disse Flávio Dino.

Atentado nazifascista

O ministro classifica como injustiça quererem ensinar o padre-nosso ao vigário que tinha apenas poucos dias de paróquia. E reiterou: “Estávamos há seis dias no governo. A sede dos três poderes estava fisicamente sob domínio de terroristas golpistas. E em pouco mais de uma hora houve uma reação institucional capaz de conter um atentado nazifascista”.

O ministro participou de bate-papo com cerca de 80 jornalistas e ativistas na manhã de hoje, no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Na conversa, recebeu elogios pela conduta republicana e firme do governo aos atos terrorista. E reagiu serenamente a “engenheiros-de-obras-prontas”, que desqualificaram as respostas dadas por seu ministério à gravidade da intentona golpista. Inclusive de pessoas do chamado campo da esquerda.

O atentado, como ele observa, foi o mais grave da história recente da República. “Mas não deve ser o último”, admite. Segundo define Flávio Dino, o fascismo se nutre da instabilidade. “Eles estarão sempre usando suas armas. Teremos de enfrentá-los com as ferramentas institucionais, inclusive com a repressão. Mas também com a luta política”, alerta. E para isso, a frente ampla e democrática que se formou antes e depois dessa tentativa de golpe terá de atuar em conjunto.

Como avaliou o professor Laurindo Lalo Leal Filho em postagem no Facebook, a decisão de intervir na segurança do DF, evitando um chamado às Forças Armadas, entrará para a história. “Em poucos minutos tinha que buscar um caminho que pusesse fim ao avanço terrorista visto de sua janela, sem correr o risco de entregar o poder aos militares, acantonados nos quartéis, prontos para consumar o golpe”, escreveu. “Enfrentou o risco da insubordinação e venceu. Ficará na história como autor de um dos atos mais corajosos de defesa da democracia brasileira, num momento em que estava por um fio.”

Pacote da democracia

O Ministério da Justiça e Segurança Pública deve apresentar ao presidente Lula um projeto de lei tipificando os crimes contra o Estado de direito cometidos na internet. A anunciada em primeira mão pelo ministro Flávio Dino ao Centro Barão de Itararé foi apelidado de “Pacote da Democracia”. Será um PL “pequeno e enxuto”, com medidas objetivas para oportunizar o direito de resposta, a retirada de conteúdos das redes sociais e o cumprimento pelas plataformas digitais de “deveres éticos”.

Para isso, a pasta está levando em conta apenas a esfera criminal, com condutas já criminalizadas. O ministro mencionou como exemplos delitos como incitação à destruição do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e do STF, como a realizada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, na tentativa de golpe, em Brasília, no último dia 8. Assim como pedofilia e racismo. 

Liberdade de expressão e limites

“Isso claramente são crimes e não há nenhuma disputa possível quanto ao fato de isso constituir crime. Então é por aí que a gente deve caminhar. Haverá submissão desse pacote da democracia emergencial ao presidente Lula já na próxima semana”, observou Flávio Dino. “E claro que ele vai definir junto a equipe ministerial e do Congresso quais serão os passos políticos. Inclusive no que se refere às oitivas e consultas públicas, a partir da condução de outras áreas do governo. A nós cabe a formulação jurídica. E isso já está sendo feito tratando nessa temática que eu aludi de crimes na internet, cibercrimes.”

A divulgação do “Pacote da Democracia” por Flávio Dino foi resposta a uma provocação da jornalista Cristina Serra, que participou da live. Na avaliação de Cristina, mesmo antes dos atos terroristas, já estava colocado na sociedade brasileira um debate sobre a liberdade de expressão. Nesse caso, se haveria limites a esse direito constitucional, ou se ele era absoluto.

A pauta, no entanto, passou a ser capturada pela extrema direita que, com apoio de Bolsonaro, ecoava que a liberdade de expressão seria “absoluta”, inclusive para cometer crimes. De acordo com o ministro da Justiça, o objetivo do pacote é justamente propor uma legislação que deixe claro as fronteiras da liberdade de expressão. “Como todo direito constitucional, (ela) não é ilimitada. Ela encontra uma fronteira delimitada por outros direitos”, respondeu Dino.

“Outros direitos, de idêntica estatura, limitam o conteúdo daqueles que estão consagrados na Constituição. Eu tinha um professor que repetia um jurista italiano chamado (Gustavo) Zagrebelsk, que dizia que a Constituição não se interpreta em tirinhas. Ou seja, não é aos pedacinhos, é o sistema. E é por isso que a liberdade de expressão não é e não pode ser absoluta”, justificou.

Como fica a segurança do DF

O presidente Lula também deve receber da pasta uma proposta sobre a questão da segurança pública no Distrito Federal. Para o ministro, “está mais do que evidenciado e, ao meu ver de modo cabal, que a segurança dos órgãos federais não pode ficar subordinada às contingências da política local. Ou seja, é preciso fortalecer a coordenação federal sobre a segurança marcadamente aqui na Esplanada dos Ministérios e áreas adjacentes”, informou Dino.

A análise do ministro é compartilhada por outros órgãos judiciais, como a própria Procuradoria-Geral da República e o STF. Na semana passada, a Corte, atendendo a pedido da PGR, determinou a abertura de uma investigação para apurar a responsabilidade de autoridades do DF sobre os atos terroristas de bolsonaristas. O inquérito abrange as condutas do governador afastado, Ibaneis Rocha (MDB), do ex-secretário de Segurança Anderson Torres, do titular da pasta que estava interino no episódio golpista, Fernando de Sousa Oliveira, e do ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal Fábio Vieira. 

Responsável pela investigação, o ministro do STF Alexandre de Moraes afirmou que “a omissão e a conivência de diversas autoridades da área de segurança e inteligência ficaram demonstradas com a ausência do necessário policiamento, em especial do Comando de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal”.

Sobre a entrevista

Durante a entrevista, o ministro Flávio Dino, também comentou sobre o significado do 8 de janeiro, dos próximos passos na luta para enfrentar o fascismo e a militarização no Brasil. Assim como os desafios da comunicação em tempos de redes sociais e desinformações.

A conversa com Dino, nesta terça, abriu uma série de diálogos que o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé promoverá com ministros do governo Lula. As entrevistas serão divulgadas no canal no YouTube da entidade.

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