quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Lula acerta na economia?

Por Paulo Nogueira Batista Júnior

Nas primeiras semanas de governo, o Presidente da República agiu com rapidez na área econômica. Autorizou diversas medidas e emitiu opiniões sobre a política econômica, dando sequência ao que fez na campanha eleitoral. Se ele vem acertando ou não, é objeto de intensa controvérsia.

A ortodoxia econômica, inclusive e destacadamente a turma da bufunfa e seus numerosos porta-vozes na mídia, parece cada vez mais inquieta. Esperavam um Lula mais dócil, mais parecido com o Lula 1 do tempo da dupla Antônio Palocci/Henrique Meirelles – período em que os economistas desenvolvimentistas, por sua vez, estavam furiosos, criticando publicamente o governo. Eu mesmo mandava ver, até com certo exagero, diria em retrospecto.

O Lula 3 se configura agora como independente e assertivo na área econômica, e mesmo mais do que o Lula 2, do período Guido Mantega, que já causava certos arrepios. O barulho é atualmente bem intenso. Fazer o quê? A insatisfação nas hostes mercadistas deve ser enfrentada com paciência e tranquilidade. Com diálogo e medidas consistentes, essas reações talvez possam ser mitigadas. Não acredito muito, confesso, mas manifesto a esperança.

Se fosse economista, o Lula atual seria um desenvolvimentista, keynesiano e heterodoxo. Não é à toa que a turma da bufunfa dá “arrancos triunfais de cachorro atropelado”, como diria Nelson Rodrigues. Não sendo economista, é natural que o Presidente dê escorregões quando entra na seara econômica com mais especificidade. Trato de alguns deles na sequência. No fundamental, porém, ele está acertando.

A controvérsia suscitada pelos primeiros passos do governo é vasta. Vou tratar apenas de certas questões relacionadas ao Banco Central (BC), à política monetária e à política fiscal.

Causou celeuma, por exemplo, a opinião do Presidente sobre a sacrossanta autonomia do Banco Central. Lula lembrou que no Brasil “se brigou muito para ter um BC independente”, mas que, com sua experiência, pode dizer que é “uma bobagem achar que um BC independente vai fazer mais do que do que quando era o Presidente da República quem indicava”. E acrescentou: “Duvido que o atual presidente do BC seja mais independente do que foi Meirelles’’, observando ainda que o BC, embora independente, não tem cumprido as metas de inflação nos anos recentes.

Está certo o Presidente? Basicamente, sim, ainda que não em alguns pontos mais específicos. O BC brasileiro se tornou autônomo, não independente. Na literatura acadêmica – que presidente nenhum tem obrigação de conhecer – “independente” é o BC que fixa as próprias metas de inflação; “autônomo” o que busca as metas fixadas pelo governo. No Brasil, é o Conselho Monetário Nacional (CMN) que fixa as metas e o intervalo em torno do centro das metas.

Mas isso é, em parte ficção, o que dá razão a Lula. A influência do BC no CMN é grande, pois tem um dos três votos e exerce a secretaria. Na prática, o BC fixa as metas para si mesmo, pelo menos em certos períodos. Já escrevi sobre isso (ver “Conselho Monetário e Banco Central – uma revisão necessária”, 30 de maio de 2022). Agora, pelo que sei, o CMN será integrado pelo ministro Fernando Haddad, que o preside, pela ministra Simone Tebet e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Admitindo-se que a Tebet siga uma linha mais conservadora, Haddad será minoria no CMN. E o BC talvez tenha condições, na prática, de continuar fixando as próprias metas.

Outro ponto é que, diferentemente do que sugere a fala de Lula, o presidente e os diretores do BC continuam sendo indicados pelo Presidente da República. O que mudou? Com a lei de autonomia, aprovada durante o governo Bolsonaro, o comando da autoridade monetária tem mandatos fixos, não coincidentes com o do Presidente da República. Lula sabe disso, com certeza. O que ele quis dizer? A meu juízo, que o atual presidente do BC não será mais independente do que foi Henrique Meirelles, presidente do BC durante o Lula 1 e o Lula 2. Lei de autonomia ou não, Roberto Campos Neto terá de coordenar a política monetária com a política fiscal e outros aspectos da política econômica, como ocorre, aliás, em todos ou quase todos os países. Espero que isso aconteça realmente. Veremos.

Lula declarou, ainda, que uma meta de inflação excessivamente ambiciosa atrapalha o crescimento econômico. “Por que não estabelecer 4,5%, como fizemos nos meus mandatos anteriores?”, indagou. A controvérsia a esse respeito é internacional e ocorre também nos países desenvolvidos, onde também se questiona se os bancos centrais não fixaram metas de inflação excessivamente ambiciosas. A opinião do Presidente da República é defensável – conta com apoio de muitos especialistas tanto aqui como no exterior.

No Brasil, as metas atuais são de 3,25% para 2023 e de 3% para 2024. Este é o centro das metas, que têm um intervalo de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo em torno desse centro. Seria perfeitamente razoável, na próxima ocasião em que o CMN se reunir para tratar do tema, aumentar um pouco o centro da meta de 2024 e 2025, digamos para 3,25% e o intervalo para 2 pontos percentuais. O teto da meta ficaria assim em 5,25%. Um ajuste minimalista que, entretanto, reduziria a pressão para que o BC mantivesse juros altos demais, prejudicando o crescimento, o emprego e as finanças públicas. Repare, leitor(a), que a taxa básica de juro fixada pelo BC afeta as finanças públicas direta e indiretamente, por pelo menos dois canais: diretamente, via custo da dívida pública interna; indiretamente, via produto e emprego.

No campo fiscal, o governo Lula tem tomado decisões importantes. Destaco duas. Primeira: no conjunto de iniciativas fiscais anunciadas pelo ministro Fernando Haddad em janeiro, foram propostas, por Medida Provisória, mudanças o âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que corrigem distorções gritantes. A mudança mais significativa foi a volta do chamado voto de qualidade, isto é, voto de desempate da União. Durante o governo Bolsonaro, havia sido aprovada no Congresso uma medida que suprimia o voto de qualidade e dava ganho de causa ao contribuinte em caso de empate no CARF. Num Conselho paritário, com número igual de membros da Fazenda e dos contribuintes, essa medida vinha levando a derrotas sucessivas da União. A Medida Provisória de Haddad suscitou protestos das grandes empresas e dos advogados tributaristas que ganham fortunas defendendo essas empresas. Bom sinal? Ou ótimo?

Segunda decisão: a manobra inteligente e habilidosa de eliminar o famigerado teto de gastos, criado no governo Temer, já na PEC de transição. Ficou estabelecido que nova regra ou âncora fiscal, definida em lei complementar, substituirá o teto constitucional de gastos. Ponto. De 2024 em diante, o teto Temer deixa de existir. Um drible sensacional, daqueles de deixar o adversário no chão.

Em resumo, Lula está batendo um bolão como economista.

* Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital”.

* Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.

E-mail: paulonbjr@hotmail.com
Twitter: @paulonbjr
Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br
Portal: www.nogueirabatista.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente: