Nicolás Maduro, presidente da Venezuela |
Qualquer pessoa que se informa exclusivamente através dos órgãos da mídia corporativa deve ter a impressão de que na Venezuela existe uma feroz ditadura que cerceia todas as liberdades de seu povo e impede suas iniciativas.
Entretanto, desde que Hugo Chávez venceu pela primeira vez uma disputa eleitoral para a presidência em 1998, a Venezuela se tornou o país da América onde mais eleições são realizadas. Foram mais de vinte os pleitos eleitorais nacionais realizados para definir seus governantes, seus legisladores, assim como para reescrever sua Constituição, referendar a permanência dos dirigentes em seus cargos, etc.
O sistema eleitoral em vigor na Venezuela é considerado um dos mais seguros do mundo. A totalidade da votação ocorre de maneira duplicada: os eleitores expressam suas preferências por via digital na urna eletrônica; esta, por sua vez, emite uma papeleta confirmando as escolhas do eleitor; este, por fim, deposita a papeleta em outra urna física ao lado da eletrônica.
Portanto, caso haja alegações de fraude, basta confrontar o resultado difundido por via digital com o número de papeletas encontradas nas urnas. Foi isso o que aconteceu em 2013, quando o candidato chavista Nicolás Maduro derrotou a seu opositor de direita Henrique Capriles Radonski. Logo após a divulgação da vitória de Maduro na contagem eletrônica, toda a direita se levantou para protestar e denunciar que tinha havido fraude. Em vista disto, o jeito era contar todas as papeletas das urnas. E assim feito. Para desespero de Capriles Radonski e de toda a direita, a contagem manual dos votos coincidiu com aquilo que a via digital já tinha anunciado, ou seja, Maduro tinha sido legitimamente eleito.
No entanto, acaba de ocorrer uma flagrante agressão de cunho eleitoral na Venezuela e, estranhamente, os meios de comunicação corporativos do Brasil não estão dando ênfase à divulgação do acontecido. Estamos nos referindo à suspensão do processo eleitoral ocorrido ontem (26/05/2023) na Universidad Central de Venezuela (UCV), a maior instituição de ensino superior daquele país.
O fato é que há mais de 15 anos, a diretoria deste importantíssimo centro universitário tem se aferrado aos cargos dirigentes e vem se recusando a promover as eleições regulamentárias para eleger ou renovar seus quadros diretivos.
Porém, depois de muita luta por parte da mais que centomilenária comunidade ucevista espalhada por todo o território venezuelano, a atual diretoria da UCV foi intimada pelo Poder Judiciário a realizar as devidas eleições. Em consequência, o referendo foi convocado para o dia de ontem (26/05/2023). Finalmente, a comunidade universitária da Venezuela poderia se livrar da tirania acadêmica que havia se apossado de sua mais importante universidade.
Contudo, para surpresa das centenas de milhares de pessoas que compareceram aos locais de votação no dia de ontem (26/05/2023), o processo não se efetivou. Depois de passadas várias horas do horário estipulado, a Comissão Eleitoral se pronunciou dizendo que tinha havido um problema técnico que não possibilitaria que a eleição fosse levada adiante. As razões teriam sido devidas a que várias das caixas contendo papeletas para a indicação do voto tinham sido danificadas por terem sido alcançadas por água de chuva. Em vista disto, todo o processo estava suspenso sem definição de nova data.
Não é preciso ser muito inteligente para pressentir que estamos diante de uma tramoia que visava impedir que a vontade da comunidade universitária obrigasse a cúpula que se aferrou ao controle da reitoria há mais de quinze anos a se retirar do poder. Em outras palavras, estamos falando de um violento golpe contra os preceitos democráticos, o qual não deveria ser omitido por nenhum meio de comunicação comprometido com a defesa da democracia. Seria um forte indício de que a Venezuela realmente enfrenta problemas de falta de democracia. Então, por que não está sendo divulgado por nossa mídia como deveria?
A razão para que esse descarado ultraje à sensibilidade democrática não esteja recebendo destaque em nossa mídia corporativa se deve ao fato de que quem está tratando de impedir o exercício do voto universitário na Venezuela são pessoas inteiramente associadas com os grupos de oposição de extrema direita que têm procurado sabotar o governo chavista desde seu início. Por exemplo, a atual reitora da UCV é Cecilia García Arocha, uma ativista de extrema direita que estimulou os atos vandálicos de meados da década passada (as chamadas “guarimbas”, espécie de “jornadas de junho” venezuelanas). Ela é apoiadora do governo paralelo-títere de Juan Guaidó e inimiga visceral de tudo o que tenha a ver com os interesses das maiorias populares venezuelanas.
Logicamente, o grupo de Cecilia García Arocha está plenamente entrosado e sintonizado com os interesses do imperialismo estadunidenses e com todos aqueles a eles vinculados. Como nossa mídia corporativa também se integra nesse corpo de serviçais do imperialismo, é bastante compreensível que ela não tenha motivações para levar ao conhecimento público a verdade sobre quem de fato tenta destruir a democracia na Venezuela.
Está mais do que evidente que nossa mídia corporativa manipula as notícias sobre a Venezuela no intuito de contribuir com a deposição do governo bolivariano animada pelo mesmo espírito com o qual manipulou a campanha para demonizar a figura de Lula e, com isso, viabilizar sua eliminação do cenário político. Apesar de tudo o que já fizeram, até agora falharam tanto lá como cá.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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