Por Jair de Souza
O tema relacionado com a descoberta de imensas jazidas de petróleo no litoral marítimo do Amapá, ao norte da foz do Amazonas, trouxe-nos à tona um sério debate sobre a questão da matriz energética que nosso país deveria priorizar.
Em primeiro lugar, precisamos ter ciência de que uma das garantias para investir nas pesquisas com vistas a descobrir e viabilizar novas estruturas energéticas que permitam superar de modo ecologicamente viável ao modelo embasado no consumo de combustíveis fósseis predominante na atualidade é contar com suficiência daquilo que vigora no momento. Em outras palavras, para que uma nação possa investir na busca de alternativas que permitam que sua economia fuja da dependência do petróleo, ela precisa contar com suficiente disponibilidade desse mesmo petróleo enquanto se dedica à pesquisa em busca de algo que o possa suplantar eficientemente.
Partir ou não para o avanço na exploração dessa nova riqueza descoberta não é uma disjuntiva que possa ser resolvida ao sabor das paixões, sejam elas de caráter político ou ecológico. Os estudos científicos já realizados nos mostram que as reservas petrolíferas mundiais estão chegando ao fim. De acordo com os dados conhecidos, a manter-se o atual nível de consumo, os estoques disponíveis e as jazidas comprovadas existentes alcançariam para um prazo que não ultrapassaria os 46 anos.
Independentemente de nossos desejos, ainda não há nenhuma outra fonte de energia que tenha se mostrado capaz de substituir com equiparável produtividade num curto prazo a atual matriz baseada no petróleo. Portanto, até que isso ocorra, um fator de grande relevância para as potências hegemônicas do momento é contar com a possibilidade de manter sob seu controle os atuais estoques de petróleo e derivados, assim como as reservas comprovadas existentes. É isso o que as impulsa a tratar de impor sua orientação quanto ao acesso e uso das atuais disponibilidades.
Há plena consciência pelos responsáveis pelas formulações estratégicas dos países hegemônicos de que a continuidade do funcionamento mais ou menos normal de suas economias vai depender da disputa contra seus concorrentes pelos limitados volumes de petróleo restantes. Como as transformações e adaptações tecnológicas necessárias para fazer rodar um novo sistema não vão se efetivar de imediato e nem de uma só vez, levarão vantagem aqueles que puderem contar com quantidades de petróleo suficientes para seguir caminhando normalmente enquanto as novas matrizes não vinguem.
Em consonância com a lógica da concorrência de um país imperialista, se existe um recurso fundamental para a operacionalidade da economia mundial e sua disponibilidade é reduzida, o melhor a fazer é garantir para si próprio o máximo do mesmo e tratar de impedir ou dificultar seu acesso por potenciais concorrentes. Em vista disso, as potências hegemônicas do mundo capitalista e seus blocos associados (principalmente, os Estados Unidos e a União Europeia) vêm dedicando esforços para garantir que o que ainda resta de petróleo no mundo permaneça sob seu domínio.
Combinando o que foi mencionado no parágrafo anterior com o propósito dos acionistas privados da Petrobrás por abocanhar de maneira privilegiada os enormes lucros que essa empresa gerava vamos poder entender algumas das motivações que impulsaram órgãos institucionais dos Estados Unidos a apoiar e orientar a articulação política que redundou no golpe de 2016 contra o Estado e o povo brasileiros.
Um alarme se acendeu nos centros de monitoração imperialistas quando souberam que técnicos da Petrobrás tinham descoberto as reservas do pré-sal e viabilizado uma tecnologia que permitiria sua exploração em condições competitivas. É que este novo e significativo volume de petróleo ficaria fora do controle dos grupos comandados pelos EUA e poderia representar um forte risco para os interesses hegemônicos estadunidenses.
Para o Brasil, o fato de poder contar com todo esse novo gigantesco volume de petróleo de modo independente representaria uma importante alavanca para se aprimorar ainda mais no rumo de sua industrialização e soberania. Ao contar com a garantia desses volumosos recursos, seria possível fazer avançar nosso parque industrial, assim como aumentar nosso poder de barganha no cenário internacional.
Por isso, ao planificar e desfechar o golpe que depôs Dilma Rousseff em 2016, os defensores dos interesses imperialistas almejavam atingir, entre outros, os seguintes objetivos principais: a) assumir o controle das novas jazidas do pré-sal e impedir que elas viessem a ser utilizadas em conformidade com o planejamento original que havia sido divulgado pelo governo petista (prioridade de aplicação dos recursos em favor da educação); b) transformar o Brasil num país exportador de petróleo bruto, para que não continuasse destinando parte importante deste bem tão disputado para a alavancagem de seu próprio processo industrial.
Em outras palavras, buscava-se matar dois coelhos com uma só cajadada. E assim foi feito. Em consequência, as primeiras medidas tomadas pelo governo golpista de Michel Temer, e fielmente continuada na gestão Bolsonaro, foram no sentido de acabar com o monopólio nacional sobre o petróleo do pré-sal e entregá-lo às multinacionais petroleiras; ao passo que, simultaneamente, a economia do país era redirecionada no rumo da produção de commodities para exportação, desacelerando e desativando as atividades industriais.
Devido a isto, o Brasil passou a ser também um exportador de petróleo bruto. Várias de nossas refinarias foram privatizadas e entregues a grupos capitalistas estrangeiros, e os projetos de criação de novas foram abandonados. Por outro lado, em decorrência do anterior, nossa capacidade de exportar bens manufaturados foi drasticamente reduzida, o que também conflui no sentido da lógica recém explicada, uma vez que possibilita que mais excedentes de petróleo bruto fiquem disponíveis no mercado internacional para atender as necessidades das grandes potências em seu objetivo de estender ao máximo possível suas atuais condições de vantagem competitiva.
Em razão do que acabamos de relatar, o problema do desemprego no Brasil se acentuou vertiginosamente, com todas as mazelas sociais que isto acarreta. No entanto, isto não parece ser algo que sensibilize muito aos grupos capitalistas que se beneficiam com este tipo de funcionamento econômico.
No caso que nos toca no momento em relação com as descobertas petrolíferas na região marítima ao norte do Amapá, nenhuma decisão precipitada deveria ser tomada. Mas, também não podemos ficar alheios à questão. Os interesses envolvidos são muito significativos.
De parte do imperialismo e de seus apoiadores, continua presente a ideia de manter-nos imobilizados e incapacitados para assumir qualquer papel protagonista em nosso relacionamento com as grandes potências. Por outro lado, tampouco podemos aceitar que venham a ser tomadas medidas açodadas de exploração dessas reservas recém localizadas.
Cabe a nossos especialistas técnicos e ambientalistas aprofundar seus estudos com a máxima urgência para que as decisões que nossas lideranças governamentais venham a tomar não estejam guiadas pelos interesses daqueles que objetivam manter-nos em submissão às forças do imperialismo. De antemão, acreditamos que, uma vez mais, a Petrobrás será capaz de jogar um papel de relevância em benefício de nossa nação.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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