Foto: Ricardo Stuckert |
A aprovação em dois turnos da proposta de reforma tributária na Câmara dos Deputados dá mostras de que o cenário das relações institucionais mudou muito em relação ao que era no passado recente. Fruto de intensa articulação política, o texto se constitui na primeira mudança substancial no sistema nacional desde a redemocratização.
O primeiro grande vencedor da contenda é, sem dúvida, o ministro da Fazenda Fernando Haddad. Se o governo já foi (e ainda é) criticado por conta da forma como se relaciona com o parlamento, o triunfo traz a marca do ministro, que assumiu a frente de negociações sempre complicadas no setor, por envolverem interesses não apenas de parlamentares, mas também de estados e municípios. Com as boas perspectivas da economia, inflação e baixa e desemprego idem, Haddad é, com folga, o principal destaque dos primeiros seis meses de gestão Lula.
Mas há outros aspectos a serem considerados, em especial o papel da oposição. A reforma tributária também resguarda interesses de parte importante do capital brasileiro, o que facilita a sua aprovação e também ajuda a fragmentar a oposição parlamentar, restringindo-a quase apenas aos mais extremistas. Não é à toa que mesmo o partido que mais abriga setores da extrema direita, o PL, teve 20 de seus 99 deputados votando a favor da matéria, contrariando a orientação da legenda e do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Isso também pode indicar um processo de relativa “normalização” de parte da classe política. Se é verdade que muitos parlamentares, mesmo sem serem extremistas, conviveram bem com tal segmento e pegaram carona na sua popularidade, agora em baixa, o clube pode ficar mais restrito.
Bolsonaro e Tarcísio
A reforma tributária cravou ainda mais uma derrota para Bolsonaro. Ocupado com seu destino por conta do julgamento de sua inelegibilidade no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), só nos últimos dias ele se envolveu para tentar barrar a aprovação da proposta no Legislativo. Tentou convencer seus correligionários de que a reforma centralizaria poderes na União, mas mesmo um grande aliado seu, o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, ficou a favor do texto.
O desentendimento entre Bolsonaro e Tarcísio a respeito do tema se tornou público, o que agravou ainda mais a derrota para o ex-presidente. Sem a caneta na mão e inelegível, a cotação do ex-presidente no mercado político segue na descendente, ainda que alguns cortejem seu apoio para 2024 e para 2026.
Mas como fica Tarcísio após o episódio? O diretor da Quaest Felipe Nunes, analisou, em seu perfil no Twitter, o cenário. “Tarcisio ficou mais conhecido no país, conseguiu agradar o PIB, que não tem voto mas que queria a reforma. Apareceu moderado, abrindo espaço pra uma candidatura mais ampla no futuro. Mas arranhou sua imagem dentro do Bolsonarismo, virou o traidor no Twitter. Vai ter que purificar sua alma e pagar pedagio pra não ter o fim que Doria e Witzel tiveram. Sua sorte é que o capitão não é mais candidato, e Tarcisio pode chegar mais conhecido e competitivo em 2026.”
Certamente Tarcísio terá sua imagem afetada junto ao eleitorado mais fiel ao bolsonarismo, mas seu movimento pode ser compensado por agregar um eleitorado possivelmente mais numeroso ao centro e à direita do espectro político. E ele pode se dar melhor do que os ex-governadores citados por Nunes. Witzel era um outsider que ficou conhecido no próprio processo eleitoral, já Doria era alguém que ascendeu politicamente graças ao antipetismo, se agarrando ao bolsonarismo no segundo turno de 2018 para derrotar Marcio França.
Paradoxalmente, Tarcísio, que fez parte do governo Bolsonaro e é também co-responsável por tudo que aconteceu na gestão do ex-capitão, sempre tentou adotar uma postura de moderação. A própria construção de sua imagem nas redes bolsonaristas, feita para alavancar sua candidatura ao governo de São Paulo, privilegiava sua imagem de “técnico”. Algo sob medida para a disputa do Palácio dos Bandeirantes, que abrigou durante décadas o PSDB, conhecido no estado pelo seu discurso tecnocrata.
Assim, Tarcísio pode consolidar um eleitorado em São Paulo ocupando o vácuo do PSDB, o que o credencia até a postular uma candidatura à presidência em 2026, embora a prudência aponte que a reeleição seria uma jogada mais acertada. É bom lembrar que, embora governadores e ex-governadores paulistas sejam sempre postulantes de primeira hora na disputa pelo Planalto, o último que conseguiu se eleger foi Jânio Quadros, em 1960.
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