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Muito pouco ou quase nada se debate sobre a reforma militar, embora sua concretização seja um requerimento fundamental para a democracia brasileira e a defesa nacional.
“O Brasil tem um arremedo de Defesa”, pontifica o professor Manuel Domingos Neto já nos parágrafos iniciais do recém lançado livro O que fazer com o militar – anotações para uma nova defesa nacional.
As Forças Armadas, cuja supremacia orçamentária, de tropas e estruturas é do Exército, são vocacionadas e treinadas essencialmente para combater o “inimigo interno”. E, por outro lado, no entanto, são absolutamente incapazes de protegerem o país e dissuadirem eventuais agressores estrangeiros.
“Alguns perguntam para que servem as Forças Armadas. Ora, no Brasil, o sistema colonial-escravista e a sobrevivência de seu legado seriam impensáveis sem os instrumentos de força do Estado”, escreve.
O militar é o “guardião do sistema colonial-escravista”, sustenta. “O militar, reclamando-se herdeiro do colonizador e proclamando-se pacificador da sociedade escravocrata, declina do papel de defensor da nacionalidade. Quem se apaixona pelo colonizador odeia pátria que não seja sua imagem e semelhança. Semeia a desavença porque dela se abastece”.
Por isso, “pelo interior do Brasil há centenas de unidades militares irrelevantes para o combate ao estrangeiro, mas prontas para a preservação da lei e da ordem”.
Manuel Domingos Neto entende que a superação da vulnerabilidade externa do Brasil e a construção de uma “nova Defesa” – ou de uma efetiva capacidade de defesa nacional – depende de uma reforma militar “que revise o papel, a organização e a cultura das Forças Armadas”.
Na densa obra de 111 páginas em que transita com uma gramática poética pela história, etnografia, geopolítica e outras disciplinas, o autor sintetiza o conjunto de aspectos implicados na reforma militar que entende necessária. A começar pelo fim definitivo do emprego do conceito de inimigo interno e pela clareza no estabelecimento da Defesa como a missão exclusiva das Forças Armadas, o que requer mudança do artigo 142 da Constituição.
É preciso acabar com “o transtorno de personalidade funcional do soldado, que se percebe político, policial, empresário, assistente social, administrador público, construtor de estradas, perfurador de poços no semiárido, guarda florestal, vigia de fronteira, entendido em Segurança Pública, controlador dos tráfegos aéreo, costeiro e fluvial, supremo avaliador da moralidade e planejador do destino nacional”.
O professor Manuel demonstra o anacronismo, a obsolescência das Forças Armadas e o excesso de generais e tropas que, além disso, são mal distribuídas no território. A dependência externa de armas, tecnologias e equipamentos impossibilita a autonomia operacional.
Ele defende o fim do serviço militar obrigatório em tempos de paz, o recrutamento para a carreira militar por concurso público e a extinção dos colégios militares, com a socialização de filhos e filhas de militares na rede civil de ensino.
Ao lado disso, para integrar o militar à sociedade e superar seu isolamento social, Manuel defende a “supressão do recrutamento endógeno” e a redução da rotatividade nos postos e locais de moradia.
O ativismo do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na mídia e nas redes sociais em busca de popularidade e empatia social, é outra idiossincrasia que precisa acabar.
O militar não constitui um Poder próprio na República, ainda que as cúpulas enviesadas alimentem historicamente o delírio de que as Forças são um Poder Moderador.
O livro deixa evidente que é fundamental que o poder político, com auxílio de especialistas civis em assuntos militares, tenha as Forças Armadas sobre suas rédeas – desde a definição dos orçamentos e das prioridades de investimentos às determinações sobre tecnologias, dimensão de tropas e estruturas.
“O brasileiro não se envolve com a Defesa por ser impatriota, mas porque o militar lhe impôs a ideia errônea de que isso é domínio das fileiras. E também porque guarda cautela: experimentou o terrorismo de Estado. Em suas lembranças estão o esquartejamento de Tiradentes e massacres nefandos”, ele afirma.
Manuel entende que com a reforma, o militar precisa passar a reverenciar heróis brasileiros identificados com a luta decolonial e antirracista, como Tiradentes e João Cândido, o Almirante Negro, ao invés de um general-duque como Caxias e de um almirante-marquês como Tamandaré.
A sociedade brasileira tem diante de si o desafio dramático e, por isso mesmo, inadiável, de enfrentar a “questão militar”. Neste seu mais novo e primoroso livro – O que fazer com o militar – anotações para uma nova defesa nacional – o professor Manuel Domingos Neto nos presenteia com uma visão especializada e de conjunto para este debate.
Em nenhuma outra conjuntura dos últimos 50 anos como a atual, em que os militares estão totalmente desmoralizados e desacreditados, o poder político teve uma oportunidade histórica tão favorável para enfrentar esta problemática.
Desperdiçar esta oportunidade poderá cobrar o altíssimo preço da sobrevivência da democracia, porque os militares continuam acalentando seu projeto próprio de poder, que é contraditório com os interesses nacionais, populares e democráticos.
“O Brasil tem um arremedo de Defesa”, pontifica o professor Manuel Domingos Neto já nos parágrafos iniciais do recém lançado livro O que fazer com o militar – anotações para uma nova defesa nacional.
As Forças Armadas, cuja supremacia orçamentária, de tropas e estruturas é do Exército, são vocacionadas e treinadas essencialmente para combater o “inimigo interno”. E, por outro lado, no entanto, são absolutamente incapazes de protegerem o país e dissuadirem eventuais agressores estrangeiros.
“Alguns perguntam para que servem as Forças Armadas. Ora, no Brasil, o sistema colonial-escravista e a sobrevivência de seu legado seriam impensáveis sem os instrumentos de força do Estado”, escreve.
O militar é o “guardião do sistema colonial-escravista”, sustenta. “O militar, reclamando-se herdeiro do colonizador e proclamando-se pacificador da sociedade escravocrata, declina do papel de defensor da nacionalidade. Quem se apaixona pelo colonizador odeia pátria que não seja sua imagem e semelhança. Semeia a desavença porque dela se abastece”.
Por isso, “pelo interior do Brasil há centenas de unidades militares irrelevantes para o combate ao estrangeiro, mas prontas para a preservação da lei e da ordem”.
Manuel Domingos Neto entende que a superação da vulnerabilidade externa do Brasil e a construção de uma “nova Defesa” – ou de uma efetiva capacidade de defesa nacional – depende de uma reforma militar “que revise o papel, a organização e a cultura das Forças Armadas”.
Na densa obra de 111 páginas em que transita com uma gramática poética pela história, etnografia, geopolítica e outras disciplinas, o autor sintetiza o conjunto de aspectos implicados na reforma militar que entende necessária. A começar pelo fim definitivo do emprego do conceito de inimigo interno e pela clareza no estabelecimento da Defesa como a missão exclusiva das Forças Armadas, o que requer mudança do artigo 142 da Constituição.
É preciso acabar com “o transtorno de personalidade funcional do soldado, que se percebe político, policial, empresário, assistente social, administrador público, construtor de estradas, perfurador de poços no semiárido, guarda florestal, vigia de fronteira, entendido em Segurança Pública, controlador dos tráfegos aéreo, costeiro e fluvial, supremo avaliador da moralidade e planejador do destino nacional”.
O professor Manuel demonstra o anacronismo, a obsolescência das Forças Armadas e o excesso de generais e tropas que, além disso, são mal distribuídas no território. A dependência externa de armas, tecnologias e equipamentos impossibilita a autonomia operacional.
Ele defende o fim do serviço militar obrigatório em tempos de paz, o recrutamento para a carreira militar por concurso público e a extinção dos colégios militares, com a socialização de filhos e filhas de militares na rede civil de ensino.
Ao lado disso, para integrar o militar à sociedade e superar seu isolamento social, Manuel defende a “supressão do recrutamento endógeno” e a redução da rotatividade nos postos e locais de moradia.
O ativismo do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na mídia e nas redes sociais em busca de popularidade e empatia social, é outra idiossincrasia que precisa acabar.
O militar não constitui um Poder próprio na República, ainda que as cúpulas enviesadas alimentem historicamente o delírio de que as Forças são um Poder Moderador.
O livro deixa evidente que é fundamental que o poder político, com auxílio de especialistas civis em assuntos militares, tenha as Forças Armadas sobre suas rédeas – desde a definição dos orçamentos e das prioridades de investimentos às determinações sobre tecnologias, dimensão de tropas e estruturas.
“O brasileiro não se envolve com a Defesa por ser impatriota, mas porque o militar lhe impôs a ideia errônea de que isso é domínio das fileiras. E também porque guarda cautela: experimentou o terrorismo de Estado. Em suas lembranças estão o esquartejamento de Tiradentes e massacres nefandos”, ele afirma.
Manuel entende que com a reforma, o militar precisa passar a reverenciar heróis brasileiros identificados com a luta decolonial e antirracista, como Tiradentes e João Cândido, o Almirante Negro, ao invés de um general-duque como Caxias e de um almirante-marquês como Tamandaré.
A sociedade brasileira tem diante de si o desafio dramático e, por isso mesmo, inadiável, de enfrentar a “questão militar”. Neste seu mais novo e primoroso livro – O que fazer com o militar – anotações para uma nova defesa nacional – o professor Manuel Domingos Neto nos presenteia com uma visão especializada e de conjunto para este debate.
Em nenhuma outra conjuntura dos últimos 50 anos como a atual, em que os militares estão totalmente desmoralizados e desacreditados, o poder político teve uma oportunidade histórica tão favorável para enfrentar esta problemática.
Desperdiçar esta oportunidade poderá cobrar o altíssimo preço da sobrevivência da democracia, porque os militares continuam acalentando seu projeto próprio de poder, que é contraditório com os interesses nacionais, populares e democráticos.
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