Ilustração: Mohammad Sabaaneh/Territórios Palestinos |
Debates entre pessoas sóbrias, numa mesa da família, ou de bêbados, numa mesa de boteco de beira de estrada, teriam o mesmo efeito hoje, se o tema fosse este: um dia, Bolsonaro planejou um ataque terrorista, com bombas, a quartéis do Exército.
Se essa pauta fosse usada, entre discordantes, para lembrar que Bolsonaro foi um terrorista fracassado e que por isso não pode hoje estar ao lado de pacifistas, o resultado seria nulo. Zero. Nada.
Porque os que percebem o tenente Bolsonaro como terrorista fracassado, absolvido nos anos 80 pelo acovardamento da Justiça da ditadura, não iriam convencer ninguém do outro lado, que acha que ele não é.
Mas o contrário pode acontecer e está acontecendo em meio ao debate sobre os conflitos em Gaza e Israel. Se alguém à direita disser a grupos vacilantes de classe média que as esquerdas têm simpatia por terroristas palestinos, é possível que obtenha sucesso. Já está obtendo.
Parte da classe média indecisa, que eventualmente se acomoda na gangorra mais ao centro do que à direita, vai acreditar que é assim mesmo, que a esquerda compactua com terroristas e que faltou a Lula a condenação categórica do terrorismo do Hamas.
Porque essa é a classe média orientada pelas sabedorias de Merval Pereira e que nos empurrou para quatro anos de terror, quando se viu sem rumo e se protegeu em Bolsonaro em 2018 e fez o mesmo movimento em 2022.
Os argumentos de que Bolsonaro foi um terrorista que não deu certo, que prometeu matar os inimigos na ponta da praia, que fazia fotos com crianças carregando armas e que nunca condenou os terroristas que pretendiam explodir o aeroporto de Brasília – nada disso funciona.
Não funciona muito menos o argumento de que o maior terrorismo planejado, e com êxito, foi a ação deliberada do governo de Bolsonaro de não fornecer vacinas aos brasileiros na pandemia. Foi o terror que matou milhares e não foi contido pelo sistema de Justiça.
Não funciona dizer que o terror bolsonarista contra yanomamis e os povos da floresta foi pensado para promover um massacre na Amazônia, assim como o que vai acontecer em Gaza.
E a explicação para a negação da realidade não é a ignorância. Pode ser para uma minoria. Para a maioria, é a convicção petrificada em pelo menos um terço da população de que tudo que a extrema direita faz tem explicação, ou é rebatido com a frase de que não é bem assim.
Há suporte na grande imprensa para essa negação. Para jornalistas e ‘analistas’ de direita, qualquer debate é ideológico, o que contaminaria toda conversa sobre a guerra e impediria a aceitação do ponto de vista do outro. Desde que o outro seja de esquerda.
Eles, os jornalistas de direita, muitos dos quais alinhados com certa vergonha à extrema direita, asseguram que emitem apenas palpites técnicos sustentados pelo que existe de melhor nos manuais de conduta ética. A ética deles é de primeira qualidade.
São decanos dos isentões do século 20 os jornalistas que arranjam argumentos para defender o direito de Israel de massacrar Gaza para chegar ao Hamas, como fez Jorge Pontual na Globo News.
O relativismo diante do terror, segundo eles, é problema de quem defende os palestinos que invadiram Israel e mataram e sequestraram civis. Eles têm posições límpidas, para criticar os dois lados, desde que o lado a ser atacado seja o palestino.
O alargamento da base de defesa do ponto de vista dos israelenses inclui essa classe média vacilante, que se mistura não só a sionistas, mas a notórios líderes e militantes da extrema direita identificados com o nazismo.
Há uma aceitação desse novo apoio, porque os nazistas teriam passado a ser apenas personagens da História e não representariam mais nenhuma ameaça, mesmo que continuem se rearticulando, inclusive no Brasil.
Ser pró-Israel hoje é estar contra os que simpatizam com o povo de Gaza. Bolsonaristas terrivelmente nazistas são acolhidos como quadros antipalestinos porque são, antes, antilulistas, antipetistas, anticomunistas e antitudo.
Bolsonaro simplificou: se eles são amigos dos palestinos, eu sou amigo de vocês. E vasto contingente do judaísmo, e não só de judeus da extrema direita de Netanyahu, acredita que pode ser assim, que Bolsonaro combate antissemitas.
Não por entenderem que Bolsonaro seja de fato um grande amigo de Israel e do judaísmo. Mas porque é alguém a serviço da luta contra as esquerdas e os palestinos.
Os bolsonaristas que se dizem amigos de Israel e dos judeus são mercenários bem aceitos nessa guerra ao lado dos sionistas. E não há o que fazer, porque a extrema direita maneja com a guerra da mentira com desenvoltura. E vem vencendo com folga. As esquerdas estão sendo massacradas.
O conflito israelenses x palestinos é a copa do mundo do fascismo, sem as dubiedades da guerra Rússia-Ucrânia, até porque, é preciso lembrar, Bolsonaro apresentava-se como grande amigo de Putin.
Pode parecer terrível ter a gente de Bolsonaro como aliada. Numa situação normal, seria muito pior fingir que, como eles fazem o jogo sujo, dá para aceitá-los como amigos. Mas tudo foi normalizado também na guerra. O apoio do bolsonarismo não é um dilema para exterminadores de palestinos.
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