terça-feira, 10 de outubro de 2023

Por que Israel não pode vencer

Charge: Latuff
Por Chris Hedges, no site Outras Palavras:

As mortes indiscriminadas de israelenses, perpetradas pelo Hamas e outras organizações de resistência palestinas, o sequestro de civis, a chuva de foguetes sobre Israel, os ataques de drones em diversos alvos, desde tanques até ninhos de metralhadoras automatizadas, são a linguagem familiar do ocupante israelense. Israel tem usado essa fala ensanguentada com aos palestinos desde que as milícias sionistas tomaram mais de 78% da Palestina histórica, destruíram cerca de 530 aldeias e cidades e mataram cerca de 15 mil, em mais de 70 massacres, entre 1947 e 49. Cerca de 750 mil palestinos foram etnicamente expulsos para criar o estado de Israel em 1948.

A resposta de Telaviv às incursões armadas deste fim de semana será um ataque genocida a Gaza. Israel matará dezenas de palestinos para cada israelense morto. Centenas de palestinos já morreram em ataques aéreos israelenses desde o lançamento da “Operação Al-Aqsa Flood” no sábado de manhã, que deixou 700 israelenses mortos.

O primeiro-ministro Netanyahu advertiu os palestinos em Gaza no domingo para “sair agora”, porque Israel vai “transformar todos os esconderijos do Hamas em escombros”. Mas para onde devem ir? Israel e o Egito bloqueiam as fronteiras terrestres. Não há saída por ar ou mar, que são controlados por Israel.

A retaliação coletiva contra inocentes é uma tática familiar usada por governantes coloniais. Os norte-americanos a usaramcontra os indígenas e mais tarde nas Filipinas e no Vietnã. Os alemães a usaram contra os hereros e namaquas na Namíbia. Os britânicos, no Quênia e na Malásia. Os nazistas, nas áreas que ocuparam na União Soviética, Europa Oriental e Central. Israel segue o mesmo roteiro. Morte por morte. Atrocidade por atrocidade. Mas sempre é o ocupante quem inicia essa dança macabra e troca pilhas de cadáveres por pilhas ainda maiores de cadáveres.

Não se trata de defender os crimes de guerra de nenhum dos lados, nem de comemorar os ataques. Já vi violência suficiente nos territórios ocupados por Israel, onde cobri o conflito por sete anos, para detestar a violência. Mas este é o desfecho familiar de todos os projetos coloniais. Regimes implantados e mantidos pela violência geram violência. A guerra de libertação haitiana. Os Mau Mau no Quênia. O Congresso Nacional Africano na África do Sul. Essas insurgências nem sempre têm sucesso, mas seguem padrões familiares. Os palestinos, como todos os povos colonizados, têm o direito à resistência armada segundo o direito internacional.

Israel nunca teve interesse em um acordo equitativo com os palestinos. Construiu um Estado de apartheid e capturou gradualmente porções cada vez maiores de terra palestina em uma campanha lenta de limpeza étnica. Transformou Gaza em 2007 na maior prisão a céu aberto do mundo.

O que Israel, ou a comunidade mundial, espera? Como é possível aprisionar 2,3 milhões de pessoas por 16 anos em Gaza (metade das quais está desempregada) — um dos lugares mais densamente povoados do planeta, reduzir a vida de seus habitantes (metade dos quais são crianças) a um nível de subsistência, privá-los de suprimentos médicos básicos, comida, água e eletricidade, usar aviões de ataque, canhões, unidades mecanizadas, mísseis, armas navais e unidades de infantaria para aleatoriamente matar civis desarmados e não esperar uma resposta violenta? Israel está realizando agora ondas de ataques aéreos em Gaza, preparando uma invasão terrestre e cortou a energia elétrica, que normalmente existe apenas de duas a quatro horas por dia.

Muitos dos combatentes da resistência que se infiltraram em Israel sem dúvida sabiam que seriam mortos. Mas, como os combatentes da resistência em outras guerras de libertação, decidiram que, não podendo escolher como viver, escolheriam como morrer.

Fui amigo próximo de Alina Margolis-Edelman, que fez parte da resistência armada na revolta do Gueto de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial. Seu marido, Marek Edelman, foi o comandante adjunto da revolta e o único líder a sobreviver à guerra. Os nazistas haviam trancado 400 mil judeus poloneses dentro do Gueto de Varsóvia. Os presos morriam aos milhares, de fome, doença e violência indiscriminada. Quando os nazistas começaram a transportar os remanescentes para os campos de extermínio, os combatentes da resistência reagiram. Ninguém esperava sobreviver.

Edelman, após a guerra, condenou o sionismo como uma ideologia racista usada para justificar o roubo da terra palestina. Ficou ao lado dos palestinos, apoiou sua resistência armada e se encontrou frequentemente com líderes palestinos. Criticou a apropriação por Israel do Holocausto, para justificar a repressão ao povo palestino. Enquanto se deleitava com a mitologia da revolta do gueto, Israel tratou o único líder sobrevivente da revolta, que se recusou a deixar a Polônia, como um pária. Edelman entendia que a lição do Holocausto e da revolta do gueto não era que os judeus são moralmente superiores ou eternas vítimas. A história, disse Edelman, pertence a todos. Os oprimidos, incluindo os palestinos, tinham o direito de lutar por igualdade, dignidade e liberdade. “Ser judeu significa sempre estar com os oprimidos e nunca com os opressores”, sustentou ele.

A revolta de Varsóvia há muito tempo inspira os palestinos. Representantes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) costumavam depositar uma coroa de flores na comemoração anual da revolta na Polônia, no monumento ao Gueto de Varsóvia.

Quanto mais violência o colonizador dispende para subjugar o ocupado, mais ele se transforma em um monstro. O governo atual de Israel é composto por extremistas judeus, sionistas fanáticos e fanáticos religiosos que estão desmantelando a democracia israelense e pedindo a expulsão em massa ou assassinato de palestinos, inclusive aqueles que vivem dentro de Israel.

O filósofo israelense Yeshayahu Leibowitz, a quem Isiah Berlin chamou de “a consciência de Israel”, advertiu que se Israel não separasse a igreja do Estado, isso daria origem a um rabinato corrupto que reduziria o judaísmo a um culto fascista. “O nacionalismo religioso é para a religião o que o nacional-socialismo foi para o socialismo”, disse Leibowitz, que morreu em 1994.

Ele compreendia que a veneração cega dos militares, especialmente após a guerra de 1967 – que capturou o Sinai egípcio, Gaza, a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) e as Colinas de Golã sírias, era perigosa e levaria à destruição final de Israel, juntamente com qualquer esperança de democracia. “Nossa situação se deteriorará para a de um segundo Vietnam, para uma guerra em escalada constante sem perspectiva de resolução final”, alertou.

Ele previu que “os árabes seriam os trabalhadores e os judeus, os administradores, inspetores, funcionários e policiais – principalmente policiais secretos. Um Estado governando uma população hostil de 1,5 milhão a 2 milhões de estrangeiros se tornaria necessariamente um Estado policial secreto, com tudo o que isso implica para a educação, a liberdade de expressão e as instituições democráticas. A corrupção característica de todo regime colonial também prevaleceria no Estado de Israel. Os governos teriam que suprimir a insurgência árabe de um lado e cooptar colaboradores árabes do outro. Também há boas razões para temer que as Forças de Defesa de Israel, que até agora foram um exército do povo, degenerem como resultado de serem transformadas em um exército de ocupação, e seus comandantes, que se tornarão governadores militares, se assemelhem aos seus colegas em outras nações.”

Leibowitz viu que a ocupação prolongada dos territórios palestinos inevitavelmente geraria “campos de concentração”. Nessas condições, ele disse, “Israel não mereceria existir, e não valerá a pena preservá-lo.”

A próxima etapa dessa luta – que já começou — será uma campanha maciça de matança industrial em Gaza por parte de Israel. Telaviv está convencida de que níveis maiores de violência finalmente esmagarão as aspirações palestinas. Está enganado. O terror que Israel inflige é o terror que receberá.

* Chris Hedges é jornalista e professor, escreveu onze livros, incluindo "Days of Destruction, Days of Revolt", em parceria com o cartunista Joe Sacco.

* Publicado originalmente no site ScheerPost. Tradução de Antonio Martins.

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