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Começa a crescer a suspeita de que os brasileiros retidos em Gaza viraram uma espécie de reféns do governo de extrema-direita de Israel.
Com efeito, tal governo poderia estar usando esses brasileiros para fazer um revide político, relativo ao empenho do Brasil em buscar uma pausa humanitária e um cessar-fogo em Gaza, algo que Israel interpreta, equivocadamente, como uma ação em prol dos interesses do Hamas e contra seu direito à autodefesa.
Tal suspeita cresce porque não há nenhum motivo técnico, jurídico ou burocrático para que esses brasileiros não sejam retirados de lá imediatamente.
Em primeiro lugar, esses brasileiros são muito poucos. São apenas 34, muitos deles mulheres, crianças e idosos.
Em segundo lugar, a lista dos brasileiros foi amplamente divulgada para as autoridades israelenses e egípcias há bastante tempo. Provavelmente foi a primeira lista de estrangeiros em Gaza a ficar pronta. Ao menos umas duas semanas. Tempo mais do que suficiente para fazer checagens de segurança.
Em terceiro, o governo brasileiro providenciou, também há bastante tempo, toda a logística para trazê-los ao Brasil. O ônibus para levá-los até o aeroporto e o avião para transportá-los até o território nacional estão a postos há muitos dias.
Nenhum deles ficará no Egito mais do que algumas horas. Portanto, do ponto de vista dos interesses egípcios, esses brasileiros não representam risco algum.
Ressalte-se que o governo brasileiro vem negociando arduamente a saída desses brasileiros há semanas, em todos os níveis diplomáticos. O próprio presidente Lula está diretamente envolvido nas negociações.
Desde o dia primeiro deste mês já saíram, em média, cerca de 500 estrangeiros por dia de Gaza, a maioria estadunidenses e seus aliados. Hoje, mesmo (sexta-feira), saíram cerca de 100 britânicos.
Porém, os 30 minguados brasileiros continuam lá e o governo brasileiro continua sem resposta e sem explicações.
E, quando não há respostas às perguntas e explicações e motivos concretos, as suspeitas políticas crescem.
Diplomacia não é, evidentemente, o forte do atual governo de extrema-direita de Israel. Tampouco dos EUA.
Em 2014, quando houve outra intervenção militar de Israel em Gaza, com grande número de mortos de civis, o Brasil, em protesto, chamou seu embaixador um Tel-Aviv para consultas.
Em resposta, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, acusou o Brasil de ser “parte do problema e não da solução” do conflito israelo-palestino e um “anão diplomático”.
Aparte a agressividade e a vulgaridade quase anedótica da resposta, a reação do governo israelense suscitou algumas perguntas.
Quem é o “anão diplomático” nessa história?
O Brasil, que apoia as resoluções da ONU e as tentativas de negociação, ou os governos de direita de Israel, que as descumprem sistematicamente, manifestando desprezo pela comunidade internacional?
Quem não apoia a aplicação do Direito Internacional Humanitário?
O Brasil que, com muito esforço, conseguiu construir uma Resolução equilibrada e viável no CSNU, ou os EUA, que a vetaram por interesses políticos menores?
O mundo sabe as respostas a essas perguntas.
O que o mundo e o Brasil não conseguem entender é porque os cidadãos brasileiros continuam presos em Gaza.
* Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais
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