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A vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais argentinas não foi uma surpresa.
Mais que um raio em céu azul, o ultradireitista representa um método já em vias de desgaste, mas que ainda mostra sua força em países que não experimentaram o arriscado caos de governos liderados pela extrema direita.
Donald Trump nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro no Brasil, Iván Duque na Colômbia, Boris Johnson no Reino Unido: uma série de extremistas chegou ao poder em diferentes países graças à condições políticas muito especiais: a direita tradicional, frente à força eleitoral da centro-esquerda, perdeu o pudor e passou a apoiar aventureiros radicais, numa tentativa irresponsável de evitar novas derrotas.
Os resultados imediatos foram claros, em praticamente todos esses países: a destruição do tecido social, a reorganização das instituições no sentido de enfraquecer a democracia e uma sensação terrível de que o pior ainda está por vir.
É possível, mesmo, que o pior esteja por vir. Mas há também outra possibilidade. A derrota de Trump nos Estados Unidos, a vitória de Lula no Brasil e de Gustavo Petro na Colômbia e a queda do gabinete de Johnson no Reino Unido sugerem que, pelo menos até o momento, a extrema direita não é capaz de liderar governos realmente populares nem de obter bons resultados econômicos, mesmo considerando os objetivos a que se propõe.
Além disto, na maioria dos casos, forças de centro-esquerda têm sido capazes de reorganizar a vida política após a derrota, atraindo o que resta de setores responsáveis ao centro e à centro-direita.
O que tem faltado, no entanto, é a compreensão de que a luta contra a extrema direita não pode ser apenas eleitoral. A derrota do extremismo direitista precisa vir no dia a dia, para que, após os desastres administrativos e políticos, o legado da irresponsabilidade seja por de vez enterrado.
Dito de outra forma: não basta bater Trump, Bolsonaro, Duque e Johnson nas urnas, é preciso vencê-los nas ruas, nas escolas, nos postos de saúde, nos conselhos tutelares, nas igrejas.
Karl Manheim, um autor aliás que faz a cabeça de Fernando Haddad, falava em planejamento político com algo essencial para a construção democrática. E o planejamento político, em dias de hoje, pressupõe encarar a vida política para além do Parlamento e da correlação de forças nos três poderes (no Brasil, o governo, nas mãos da centro-esquerda, pode e deve fazer parte disso; na Argentina, não haverá esse reforço).
O planejamento político exige não chorar as derrotas, mas entender que essas derrotas não derivam apenas de erros da esquerda, mas sobretudo de arranjos sofisticados da direita e da extrema direita.
Exige ler os acertos eleitorais da extrema direita como peças a serem desmontadas, custe o que custar. Exige acordar e dormir com um único objetivo, que é desmontar organizações e instituições que dão sobrevida a discursos de ódio, discriminatórios e destrutivos.
Vista assim, a derrota de hoje não é tão grave quanto o governo de amanhã de Milei.
Na Argentina, como ocorreu no Brasil com o governo Bolsonaro, será necessária uma articulação entre a esquerda institucional e os movimentos sociais, uma vigilância permanente e uma mobilização constante.
O futuro da sociedade argentina dependerá dessas articulações. Só resistência das ruas e a resiliência no Parlamento permitirão que Milei não coloque a Argentina num abismo político.
Por outro lado, há, na Argentina, perspectivas que não contamos por aqui. Na Argentina, não há equivalente ao “centrão”.
Milei terá mais dificuldades parlamentares do que teve Bolsonaro, e é possível que ele tente operar por meios menos institucionais, com manobras ousadas e surpreendentes. O golpismo de Milei tende, em tese, a dar caras ainda mais explícitas que o de Bolsonaro, mas as condições para que ele seja bem sucedido não estão dadas.
Cabe ainda considerar que as mudanças na Argentina não raro são mais rápidas do que cá.
Num programa Aula Pública Opera Mundi, uma década atrás, o ex-ministro da Comunicação Franklin Martins definiu a política argentina como um potro selvagem, que muda de sentido de maneira aparentemente imprevista, em comparação com o elefante Brasil, em que as mudanças seriam mais lentas e mais duradouras.
É muito possível, dependendo do arranjo das forças progressistas e de sua capacidade de mobilização, que o potro argentino mude o sentido do jogo numa velocidade difícil de imaginar no Brasil, abrindo caminho para posicionamentos políticos à esquerda mais radicais do que o que tivemos aqui.
A queda de Fernando de la Rua, em 2001, mudou para melhor a política e a economia argentinas, talvez não no tamanho da necessidade do país. Milei pode ser a porta para um novo momento político, mais à frente, positivo. O risco é enorme, mas não é menor a chance de que o presidente eleito hoje caia do cavalo.
PS: O processo político e o lawfare na Argentina alijaram a ex-presidenta Cristina Kirchner da disputa eleitoral neste ano, assim como o fez com Lula em 2018. É possível que venha dela o ressurgimento da esquerda no país.
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