Foto: Reuters |
Zelensky foi um dos pouquíssimos chefes de Estado a comparecer à posse de Javier Milei, um ultradireitista radical, que mete medo até no espírito de Milton Friedman.
Percorreu mais de 13 mil quilômetros, desde a longínqua Ucrânia, para posar para a foto oficial com outros sete governantes.
Além de posar para a foto, que excluiu o “penetra” Bolsonaro, Zelensky mentiu sobre algumas coisas.
Pelo menos, uma. Afirmou que tinha ido à posse de Milei porque fora convidado, ao contrário do que teria ocorrido na posse de Lula, para a qual não teria recebido convite.
O Itamaraty logo desmentiu a fake news maliciosa.
Ele foi convidado sim, mas decidiu não comparecer. Enviou a vice-presidente da Ucrânia, Iryna Verenshchuc. O Itamaraty, obviamente, envia convite para todos os países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas. Não discrimina ninguém.
Lembre-se que, em maio, na cúpula do G7, Zelensky também decidiu não comparecer ao encontro previamente marcado com Lula. Resolveu “esnobar” nosso presidente.
Mas porque Zelensky se deu ao trabalho de ir até Buenos Aires, numa cerimônia de posse tão esvaziada?
Afinal, as relações bilaterais com a Argentina nunca foram prioridade para a política externa da Ucrânia.
Com efeito, desde 2014, com o surgimento, em Kiev, de governos firmemente alinhados com os interesses do chamado Ocidente, que a política externa da Ucrânia colocou toda sua ênfase nas suas relações com os EUA, a União Europeia e a OTAN.
Mesmo em termos econômicos e comerciais, a Argentina não tem peso para a Ucrânia. Em 2021, a Argentina exportou somente cerca de U$ 61 milhões para a Ucrânia.
A explicação reside, obviamente, no fato de que Zelensky encontrou um raro aliado político em Milei.
Um aliado de extrema-direita, disposto a tentar articular um encontro entre a Ucrânia e países latino-americanos, com o intuito de angariar apoio ao “esforço de guerra”. Zelensky também aproveitou a viagem para se encontrar com os presidentes do Equador e do Paraguai.
Não acreditamos, contudo, que isso venha a funcionar.
Em primeiro lugar, porque Milei não é um bom articulador. Extremista de direita, agressivo, um tanto desequilibrado e “antipolítico”, Milei não goza de muita simpatia na América Latina. Ninguém o vê como um estadista ou um líder regional e mundial, ao contrário do que acontece com Lula.
Em segundo, porque o “esforço de guerra” na Ucrânia está fracassando a olhos vistos e conta com cada vez menos apoio político, mesmo em seu principal aliado, os EUA.
A famosa “contraofensiva” ucraniana não ganhou um milímetro e há a suspeita de que boa parte do dinheiro enviado vem sendo desviado pela corrupção, um problema muito sério na Ucrânia.
Há um cansaço generalizado dessa guerra, especialmente no Sul Global, e uma pressão cada vez maior para que ocorram negociações sérias entre as Partes para colocar fim ao conflito.
Observe-se que a proposta de “paz” da Ucrânia é simplesmente uma exigência de capitulação incondicional da Rússia, algo totalmente inexequível.
Em terceiro, porque uma reunião da Ucrânia com países latino-americanos, sem a participação da Rússia, seria algo inútil para o objetivo da paz. Tratar-se-ia somente de uma reunião para angariar, como afirmamos, apoio político para uma das partes do conflito.
O Brasil, embora tenha condenado formalmente a intervenção russa, rege sua política externa, entre outros, pelos princípios da não-interferência, da solução pacífica dos conflitos e da defesa da paz.
Assim, o Brasil, de um modo geral, procura, sempre que possível, manter equidistância entre Estados em conflito.
O Brasil só poderia romper com essa equidistância, em casos de resoluções específicas do Conselho de Segurança da ONU, que imponham eventuais sanções contra algum país. Nesses casos, o Brasil se obriga a cumprir as determinações do CSNU.
Até mesmo a LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950, a famosa lei que define os crimes de responsabilidade do Presidente da República, lista, como crime de responsabilidade contra a existência política da União, “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”.
Por conseguinte, o Brasil é muito cuidadoso, não hostiliza nenhum país e sempre procura defender a paz e obedecer às leis internacionais. Não temos a lamentável tradição de unilateralismo e belicismo, cultivada com denodo por alguns países.
Não nos obrigamos a “escolher lado”, como querem nos forçar alguns. Estamos sempre do lado da paz e das negociações, como demonstramos recentemente à exaustão.
Sem o apoio do Brasil, que, espero, não virá, essa reunião, liderada pelo espírito de Conan, o agressivo mastim inglês, deverá fracassar, tal como aconteceu com a contraofensiva ucraniana.
O Brasil e a América Latina deverão estar alinhados com seus interesses próprios, que exigem desenvolvimento e paz para todos.
* Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
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