Por Luiz Carlos Azenha, na revista Fórum:
Numa capa do diário britânico Sunday Times, o autor de um artigo sobre Volodomyr Zelensky fez um trocadilho com o "inverno do descontentamento" que quase paralisou o Reino Unido no final dos anos 70, por conta de múltiplas greves.
Com a devida licença poética, o problema do presidente da Ucrânia agora é outro: ninguém responde as chamadas telefônicas dele. Quem lê as mensagens de whatsapp faz de conta que não leu.
Ao parar em Brasília para reabastecer, a caminho da posse do presidente Javier Milei, em Buenos Aires, Zelensky queria ter tido um encontro de última hora com Lula, que achou inadequado. Uma diplomata do Itamaraty manteve o líder ucraniano ocupado enquanto o avião era abastecido.
Em Buenos Aires, Zelensky teve uma conversa ríspida com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. A diplomacia argentina teve o cuidado de manter ambos distantes.
Quando Javier Milei discursou, do lado de fora e de costas para o Congresso, num gesto de desprezo pela "casta" que supostamente despreza, em um canto do pódio ficaram sentados Jair Bolsonaro e Orbán. Do outro lado, Zelensky.
Orbán está entre os vizinhos da Ucrânia que tem muito a ganhar mantendo algum tipo de proximidade com Moscou. O contínuo fluxo de refugiados ajudou a mudar o consenso político em outros países vizinhos da Ucrânia, como a Eslováquia e a Polônia.
No Sul Global, Moscou ganhou a batalha diplomática, demonstrando que foi a insistência dos Estados Unidos na expansão da OTAN um dos motivos da guerra.
O "inverno do descontentamento" de Zelenky - que já foi comparado a Winston Churchill e saiu na capa da revista Time como "Homem do Ano" - tem motivos diversos.
É uma irônica coincidência que ele tenha visitado Milei em sua primeira viagem à América do Sul desde a invasão da Ucrânia pela Rússia: os dois foram catapultados para o centro do poder por eleitores fartos com o status quo, porém com pouquíssimo preparo para os desafios adiante.
O comediante Zelensky fez o papel do professor Vasily Petrovych Goloborodko, no seriado Servidor do Povo, antes de se eleger. Os ucranianos acreditaram nele quando fez duas promessas: acabar com a corrupção na Ucrânia e acabar com a guerra civil que consumia o leste do país.
Zelensky fracassou nas duas tarefas. Sob pressão das milícias nacionalistas de extrema-direita, não implementou os acordos de Minsk, através dos quais poderia ter evitado a invasão russa. Com apoio do Ocidente, parecia não acreditar nas ameaças de Vladimir Putin de resolver a questão à força.
Hoje, aliados do próprio Zelensky admitem que houve uma janela de oportunidade em que ele poderia ter mantido quase todo o território da Ucrânia intacto, menos a Crimeia, se tivesse concordado com a demanda de Moscou de desistir da adesão à OTAN.
Foi a vigorosa defesa militar ucraniana, aliada à pretensão do Ocidente de provocar troca de regime em Moscou, que levou os aliados à gelada encruzilhada de hoje.
Onze rodadas de sanções, as mais complexas já implantadas contra um país em tempos modernos - a décima segunda está em discussão - fracassaram em provocar o colapso de Putin.
Com a devida licença poética, o problema do presidente da Ucrânia agora é outro: ninguém responde as chamadas telefônicas dele. Quem lê as mensagens de whatsapp faz de conta que não leu.
Ao parar em Brasília para reabastecer, a caminho da posse do presidente Javier Milei, em Buenos Aires, Zelensky queria ter tido um encontro de última hora com Lula, que achou inadequado. Uma diplomata do Itamaraty manteve o líder ucraniano ocupado enquanto o avião era abastecido.
Em Buenos Aires, Zelensky teve uma conversa ríspida com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. A diplomacia argentina teve o cuidado de manter ambos distantes.
Quando Javier Milei discursou, do lado de fora e de costas para o Congresso, num gesto de desprezo pela "casta" que supostamente despreza, em um canto do pódio ficaram sentados Jair Bolsonaro e Orbán. Do outro lado, Zelensky.
Orbán está entre os vizinhos da Ucrânia que tem muito a ganhar mantendo algum tipo de proximidade com Moscou. O contínuo fluxo de refugiados ajudou a mudar o consenso político em outros países vizinhos da Ucrânia, como a Eslováquia e a Polônia.
No Sul Global, Moscou ganhou a batalha diplomática, demonstrando que foi a insistência dos Estados Unidos na expansão da OTAN um dos motivos da guerra.
O "inverno do descontentamento" de Zelenky - que já foi comparado a Winston Churchill e saiu na capa da revista Time como "Homem do Ano" - tem motivos diversos.
É uma irônica coincidência que ele tenha visitado Milei em sua primeira viagem à América do Sul desde a invasão da Ucrânia pela Rússia: os dois foram catapultados para o centro do poder por eleitores fartos com o status quo, porém com pouquíssimo preparo para os desafios adiante.
O comediante Zelensky fez o papel do professor Vasily Petrovych Goloborodko, no seriado Servidor do Povo, antes de se eleger. Os ucranianos acreditaram nele quando fez duas promessas: acabar com a corrupção na Ucrânia e acabar com a guerra civil que consumia o leste do país.
Zelensky fracassou nas duas tarefas. Sob pressão das milícias nacionalistas de extrema-direita, não implementou os acordos de Minsk, através dos quais poderia ter evitado a invasão russa. Com apoio do Ocidente, parecia não acreditar nas ameaças de Vladimir Putin de resolver a questão à força.
Hoje, aliados do próprio Zelensky admitem que houve uma janela de oportunidade em que ele poderia ter mantido quase todo o território da Ucrânia intacto, menos a Crimeia, se tivesse concordado com a demanda de Moscou de desistir da adesão à OTAN.
Foi a vigorosa defesa militar ucraniana, aliada à pretensão do Ocidente de provocar troca de regime em Moscou, que levou os aliados à gelada encruzilhada de hoje.
Onze rodadas de sanções, as mais complexas já implantadas contra um país em tempos modernos - a décima segunda está em discussão - fracassaram em provocar o colapso de Putin.
Moscou rompeu o isolamento
Quase dois anos depois do que batizou de "operação militar especial", a Rússia prevê crescimento econômico próximo de 2% para 2023; os restaurantes e lojas de automóveis seguem lotados em Moscou; o país redirecionou suas exportações, notadamente do setor de petróleo e gás, para a China, a Índia e até o Brasil.
Mesmo com um mandato de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional, Putin acaba de visitar a Arábia Saudita, país com o qual a Rússia tem desentendimentos eventuais mas é um parceiro decisivo para calibrar os preços mundiais de energia diante dos grandes consumidores, Estados Unidos e China.
Zelensky, por sua vez, até agosto de 2023 recebeu mais de U$ 90 bilhões de dólares de ajuda do Ocidente para comprar armas, equipamento e manter a economia ucraniana funcionando, de acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial. Isso equivale a meio trilhão de reais!
Ele havia prometido, em troca, uma contraofensiva que expulsaria os russos de seu território até o início do inverno, que está começando no Hemisfério do Norte.
Como se diz no popular, Zelensky pintou-se em um canto: proibiu por decreto negociações com a Rússia enquanto Putin estiver no poder, reprimiu extensivamente a oposição ucraniana, adotou medidas cada vez mais duras para recrutar soldados e, com a lei marcial, pode se manter indefinidamente no poder sem convocar eleições.
Seu círculo de aliados está sob a suspeita de ter lucrado imensamente com a torneira da ajuda do Ocidente, um dos motivos pelos quais os republicanos rejeitam aprovar um novo pacote de mais de U$ 100 bilhões de ajuda a Israel, Ucrânia e Taiwan sem conseguir do presidente Joe Biden concessões na proteção das fronteiras dos Estados Unidos.
Donald Trump, candidato a candidato contra Biden nas eleições de 2024, promete acabar com a guerra e usa em seu discurso o fato de que a família Biden lucrou pessoalmente com negócios na Ucrânia quando o democrata era vice-presidente de Barack Obama.
Depois de Buenos Aires, Zelensky faz lobby nesta terça-feira em Washington, repetindo a alegação de lideranças democratas: se o Congresso não der mais dinheiro, talvez tropas dos Estados Unidos tenham de lutar contra os russos em algum país da OTAN.
A revista Harper's resumiu recentemente:
Embora a carreira de Zelensky no show business tenha o ensinado a criar narrativas inspiradoras [no caso, do corajoso herói de guerra] ela lhe proporcionou pouca experiência política prática
Exatamente como Javier Milei, com sua motossera e juba de leão, Zelensky e seu círculo mais próximo colocam o estilo acima da substância.
Trata-se de uma escolha desastrosa para quem enfrenta do outro lado Vladimir Putin, um espião que ingressou na KGB aos 23 anos de idade e sobreviveu até hoje no poder, passados quase 50 anos.
Nos bastidores, especula-se que Zelensky é página virada. A propaganda russa espalha que há vários candidatos para substituí-lo, o que seria um passo necessário antes de negociações de paz.
Com a chegada do inverno, durante o qual a Rússia derrotou Napoleão e Hitler, forças russas iniciaram sua própria ofensiva na linha de contato, renovando a pressão militar sobre Kiev. Enquanto Zelensky passa o chapéu desesperadamente em Washington, Vladimir Putin já anunciou que será candidato mais uma vez.
Se eleito em março de 2024, governará ao menos até 2030. Para se manter no poder, Zelensky depende da lei marcial, ou seja, de perpetuar a guerra.
Um dos dois pode enfrentar a médio prazo o ocaso que a História reservou a Juan Guaidó, o autoproclamado presidente da Venezuela que foi aplaudido em pé no Congresso dos Estados Unidos mas virou meme por conta da realpolitik.
Não parece haver dúvidas sobre quem é o candidato "mais qualificado".
Quase dois anos depois do que batizou de "operação militar especial", a Rússia prevê crescimento econômico próximo de 2% para 2023; os restaurantes e lojas de automóveis seguem lotados em Moscou; o país redirecionou suas exportações, notadamente do setor de petróleo e gás, para a China, a Índia e até o Brasil.
Mesmo com um mandato de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional, Putin acaba de visitar a Arábia Saudita, país com o qual a Rússia tem desentendimentos eventuais mas é um parceiro decisivo para calibrar os preços mundiais de energia diante dos grandes consumidores, Estados Unidos e China.
Zelensky, por sua vez, até agosto de 2023 recebeu mais de U$ 90 bilhões de dólares de ajuda do Ocidente para comprar armas, equipamento e manter a economia ucraniana funcionando, de acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial. Isso equivale a meio trilhão de reais!
Ele havia prometido, em troca, uma contraofensiva que expulsaria os russos de seu território até o início do inverno, que está começando no Hemisfério do Norte.
Como se diz no popular, Zelensky pintou-se em um canto: proibiu por decreto negociações com a Rússia enquanto Putin estiver no poder, reprimiu extensivamente a oposição ucraniana, adotou medidas cada vez mais duras para recrutar soldados e, com a lei marcial, pode se manter indefinidamente no poder sem convocar eleições.
Seu círculo de aliados está sob a suspeita de ter lucrado imensamente com a torneira da ajuda do Ocidente, um dos motivos pelos quais os republicanos rejeitam aprovar um novo pacote de mais de U$ 100 bilhões de ajuda a Israel, Ucrânia e Taiwan sem conseguir do presidente Joe Biden concessões na proteção das fronteiras dos Estados Unidos.
Donald Trump, candidato a candidato contra Biden nas eleições de 2024, promete acabar com a guerra e usa em seu discurso o fato de que a família Biden lucrou pessoalmente com negócios na Ucrânia quando o democrata era vice-presidente de Barack Obama.
Depois de Buenos Aires, Zelensky faz lobby nesta terça-feira em Washington, repetindo a alegação de lideranças democratas: se o Congresso não der mais dinheiro, talvez tropas dos Estados Unidos tenham de lutar contra os russos em algum país da OTAN.
A revista Harper's resumiu recentemente:
Embora a carreira de Zelensky no show business tenha o ensinado a criar narrativas inspiradoras [no caso, do corajoso herói de guerra] ela lhe proporcionou pouca experiência política prática
Exatamente como Javier Milei, com sua motossera e juba de leão, Zelensky e seu círculo mais próximo colocam o estilo acima da substância.
Trata-se de uma escolha desastrosa para quem enfrenta do outro lado Vladimir Putin, um espião que ingressou na KGB aos 23 anos de idade e sobreviveu até hoje no poder, passados quase 50 anos.
Nos bastidores, especula-se que Zelensky é página virada. A propaganda russa espalha que há vários candidatos para substituí-lo, o que seria um passo necessário antes de negociações de paz.
Com a chegada do inverno, durante o qual a Rússia derrotou Napoleão e Hitler, forças russas iniciaram sua própria ofensiva na linha de contato, renovando a pressão militar sobre Kiev. Enquanto Zelensky passa o chapéu desesperadamente em Washington, Vladimir Putin já anunciou que será candidato mais uma vez.
Se eleito em março de 2024, governará ao menos até 2030. Para se manter no poder, Zelensky depende da lei marcial, ou seja, de perpetuar a guerra.
Um dos dois pode enfrentar a médio prazo o ocaso que a História reservou a Juan Guaidó, o autoproclamado presidente da Venezuela que foi aplaudido em pé no Congresso dos Estados Unidos mas virou meme por conta da realpolitik.
Não parece haver dúvidas sobre quem é o candidato "mais qualificado".
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