Charge: Nando Motta/247 |
O governo de extrema-direita de Israel e a oposição bolsonarista estão se utilizando de uma pequena passagem de uma entrevista do presidente Lula para inverter totalmente as coisas.
Criando uma cortina de fumaça, esses setores extremistas de Israel e do Brasil querem se apresentar como representantes da civilização e dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que acusam o presidente Lula de “antissemita”.
A quem pensam que enganam? Só enganam a eles mesmos.
Infelizmente, boa parte da imprensa brasileira se associou a essa grande e deslavada mentira e acabou repercutindo e apoiando a reação violenta e histérica do isolado governo de extrema-direita de Israel. Sequer criticaram a inaceitável humilhação à qual foi submetido o embaixador brasileiro em Israel pelo chanceler Israel Katz, um tapa em toda a nação brasileira.
Esses setores extremistas fingem não perceber que as ações de Lula e do governo brasileiro têm como cerne inegável defender a paz e a vida, Têm como cerne a defesa da civilização contra a barbárie.
Barbárie que já está em julgamento na Corte Internacional de Justiça.
Quem desrespeita sistematicamente as Resoluções das Nações Unidas sobre o conflito israelo-palestino? É Lula? É o Brasil? Não, é o governo de extrema-direita de Netanyahu.
Quem impede a entrada de água, alimentos, medicamentos em Gaza, em franca violação às Convenções de Genebra? É Lula? É o Brasil? Não, é o governo de extrema-direita de Netanyahu.
Quem promove sistematicamente colônias na Cisjordânia, em clara violação a várias Resoluções da ONU? É Lula? É o Brasil? Não, é o governo de extrema-direita de Netanyahu.
Quem é o responsável pela morte de cerca de 20 mil crianças inocentes em Gaza? É Lula? É o Brasil? Não, é o governo de extrema-direita de Netanyahu.
Quem bombardeou hospitais, campos de refugiados e escolas em Gaza? Foi Lula? Foi o Brasil? Não, foi o governo de extrema-direita de Netanyahu.
Quem tenciona fazer uma ofensiva contra Rafah, justamente no mês sagrado dos muçulmanos, o Ramadã, o que poderá ocasionar uma enorme catástrofe? É Lula? É o Brasil? Não, é o governo de extrema-direita de Netanyahu.
Ao contrário do governo de extrema-direita de Israel, o Brasil de Lula é um país que tem grande prestígio no mundo, por suas posições em torno da defesa da paz, das negociações pacíficas dos conflitos, da defesa de uma ordem mundial mais justa e simétrica, por seu notável empenho na luta mundial contra a pobreza e a fome etc.
Agora mesmo, em sua recente viagem à África, Lula fez um discurso histórico, o qual foi aplaudido de pé, no plenário Nelson Mandela, da União Africana, por todos os líderes daquele imenso continente.
Duvidamos que Netanyahu, nas atuais circunstâncias, conseguisse tal proeza diplomática, naquele ou em qualquer outro foro mundial. Não seria sequer convidado. No chamado Sul Global, ou seja, na maior parte dos países do mundo, o representante maior do governo de extrema-direita de Israel é “persona non grata”. Suas ações inomináveis em Gaza causam justa repulsa moral. Lula, ao contrário, é presença gratíssima em todos os cantos do planeta.
O Brasil tem, tradicionalmente, uma posição de cultivado equilíbrio, em relação ao conflito israelo-palestino.
Damos um exemplo.
Em 2010, Lula realizou a primeira visita de um Chefe de Estado brasileiro a Israel. Foi um marco histórico das relações bilaterais. Lá, fez um discurso no Knesset, o parlamento israelense, no qual defendeu a convivência pacífica entre um Estado israelense e um Estado palestino, conforme o que apregoa a ONU e a maioria da comunidade internacional. Lembrou da convivência pacífica entre árabes e judeus no Brasil. Foi aplaudido de pé.
Destacamos alguns trechos desse discurso histórico:
“Temos urgência de ver israelenses e palestinos vivendo em harmonia. A estabilidade dessa região atenuará o sofrimento daqueles que perderam seus entes queridos em décadas de enfrentamento. Com alguns deles; familiares de vítimas dos dois lados; devo encontrar-me para escutar seus sentimentos e suas aspirações.
Mas essa estabilidade desejada será, sobretudo, a garantia de que um conflito regional não se espraiará pelo resto do Planeta, ameaçando a paz mundial. O que está em jogo aqui, portanto, não é somente o futuro da paz nesta região, mas a estabilidade de todo o mundo.
É chegada a hora de abrir um círculo virtuoso de negociações nesta região do mundo, superando desconfianças e desentendimentos, em nome de valores mais elevados. A história recompensará os que seguirem este caminho.”
Esse discurso de Lula continua atualíssimo.
Ademais, Lula teve o cuidado óbvio de, na mesma viagem, visitar a Palestina.
Quem rompeu com essa tradição toda essa tradição diplomática brasileira, pacientemente construída ao longo de décadas, e com as próprias Resoluções da ONU sobre o tema, foi o governo Bolsonaro, o qual decidiu apoiar as atitudes agressivas da extrema direita israelense a geopolítica antipalestina do governo Trump.
Esse alinhamento, contraproducente e desnecessário, do governo Bolsonaro com Trump e com as posições belicosas da extrema-direita de Israel provocou atrito junto à Autoridade Palestina e outros países árabes. Motivaram, também, moções condenatórias da Liga dos Estados Árabes (LEA) e o cancelamento, pelo Egito, de visita que o então chanceler Aloysio Nunes faria ao Cairo, logo após as eleições de 2018. A exclusão da Palestina do roteiro das duas viagens presidenciais ao Oriente Médio também gerou grande mal-estar com os palestinos, os países árabes e os países muçulmanos, de um modo geral.
Com Lula, voltamos ao leito natural da diplomacia brasileira no Oriente Médio e, passamos, de novo, a defender posições equilibradas e a propugnar por uma paz viável na região, o que implica, necessariamente, a adoção da “solução dos Dois Estados”.
O governo de extrema-direita de Netanyahu, contudo, se opõe, na prática, a essa solução recomendada pela comunidade internacional e pelas Nações Unidas. Cercou Gaza, impulsionou a colonização ilegal da Cisjordânia, decidiu transferir a capital para Jerusalém Oriental, etc. Todas essas medidas são proibidas por decisões das Nações Unidas e inviabilizam a paz.
Observamos que o Brasil, com Lula, continuou e continua a ser um defensor da existência do Estado de Israel.
Quando ocorreu o atentado do Hamas em outubro do ano passado, o presidente Lula foi um dos primeiros mandatários a condenar, em termos duros, o “atentado terrorista”. Além disso, o governo de Lula sempre exigiu a liberação incondicional dos reféns israelenses em Gaza.
O Brasil também se empenhou na aprovação de uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU, que levasse ajuda humanitária à população indefesa de Gaza e que libertasse os reféns israelenses, a qual obteve amplo apoio, mas que foi vetada unicamente pelos EUA por motivos políticos menores.
Não obstante, o governo brasileiro, em virtude de seus compromissos internacionais e dos valores inscritos em sus Constituição, não pode concordar com o que ocorre em Gaza.
O governo de extrema-direita de Israel está em julgamento na Corte Internacional de Justiça por crimes de genocídio, com o apoio do Brasil e de muitos outros países. Já houve uma primeira decisão preventiva da CIJ que deu razão à África do Sul, país que iniciou a ação contra o governo de extrema –direita de Israel.
O direito à “autodefesa” não é uma carta-branca para que se cometam atrocidades contra civis indefesos. Até agora, já foram assassinados mais de 30 mil palestinos, no morticínio de Gaza. Cerca de setenta por cento dessas vítimas são mulheres e crianças inteiramente inocentes. Gaza virou terra arrasada e os civis indefesos não têm como escapar dos bombardeiros sistemáticos e das invasões terrestres. Até mesmo os EUA, grandes apoiadores de Israel, estão preocupados com a essa situação vergonhosa e demandando moderação a Netanyahu.
Além disso, o governo de extrema-direita de Israel não deixa entrar água, comida, medicamentos etc. em Gaza, o que é crime de guerra previsto nas Convenções de Genebra. Bombardeia e invade hospitais, campos de refugiados e escolas, o que também são claros crimes de guerra.
Nesse quadro dantesco, quem deveria sentir vergonha, Lula ou Netanyahu?
A grande maioria dos países do mundo vem condenando também esses crimes terríveis.
Por conseguinte, Lula não está isolado, quando assume essa posição de bom-senso e de humanidade. Quem está se isolando cada vez mais é o governo de extrema-direita de Israel.
Mesmo internamente, Netanyahu é muito questionado.
Destaque-se que boa parte da sociedade israelense quer a paz e critica as políticas agressivas e belicosas do atual governo de extrema-direita de Israel.
Impossível deixar de registrar que o jornal Haaretz, o mais importante e representativo de Israel, afirmou, em editorial de novembro do ano passado, que o governo Netanyahu, um “governo de anexação e desapropriação”, que “ignorava abertamente a existência e os direitos dos palestinos”, é o principal “culpado pela guerra”.
Boa parte dos israelenses sabe que o preço da verdadeira segurança de Israel é o respeito integral aos direitos inalienáveis do povo palestino. Esse é o único caminho viável para uma paz duradoura na região.
Um caminho espinhoso, difícil e tantas vezes incompreendido. O caminho que percorreu, entre outros, Yitzhak Rabin, ao assinar os Acordos de Oslo e, ao dizer, no Knesset:
“Estamos destinados a viver juntos, no mesmo solo, na mesma terra. Nós, os soldados que regressamos da batalha manchados de sangue, nós que vimos os nossos familiares e amigos mortos diante dos nossos olhos, nós que assistimos aos seus funerais e não podemos olhar nos olhos dos seus pais, nós que viemos de uma terra onde os pais enterram os seus filhos, nós que lutamos contra vocês, os palestinos. Nós lhes dizemos hoje em voz alta e clara: Chega de sangue e lágrimas. Chega!
Não temos desejo de vingança. Não guardamos ódio contra vocês. Nós, assim como vocês, somos pessoas que querem construir uma casa, plantar uma árvore, amar, viver lado a lado de vocês com dignidade, com empatia, como seres humanos, como homens livres. Estamos hoje a dar uma oportunidade à paz e a dizer-vos novamente com uma voz clara: Basta!
Por que Netanyahu não segue o caminho trilhado por Rabin? Trilhado também por Lula?
Esse caminho, o caminho do perdão, da tolerância, da paz, da defesa da vida é um caminho que requer coragem e firmeza extremas. A barbárie é o caminho dos covardes. A estrada da vergonha.
Rabin pagou o preço maior por tal coragem. Foi assassinado por um extremista israelense, do mesmo tipo dos que hoje clamam por sangue e vingança em Gaza.
Por ironia da história, Itamar Ben-Gvir, atual ministro de Segurança Nacional do Governo Netanyahu, teria aparecido, segundo artigo publicado no jornal Haaretz, na televisão israelense, semanas antes do assassinato, brandindo um emblema da marca Cadillac, que havia sido roubado do carro de Rabin, e teria declarado: "Chegamos ao seu carro, e vamos chegar até ele também."
Um governo que abriga indivíduos com essa mentalidade extremista em altos cargos não pode resultar em boa coisa. Tais governos de extrema-direita resultam, em geral, em autoritarismo, enfraquecimento das instituições democráticas, ataques ao judiciário e desprezo pelos direitos humanos e pela vida. Além disso, acentuam a insegurança, como ficou provado no ataque do Hamas. Nós, brasileiros, sabemos como essa história termina.
O Brasil não ser vergará às pressões pela guerra; às pressões da compulsão pela morte, pelo confronto, que anima o bolsonarismo e a extrema-direita mundial, inclusive a extrema-direita de Israel.
Parafraseando Rabin, construiremos a casa da paz e plantaremos a árvore da vida.
Quem defende a paz e a vida está do lado certo da História. Quem defende a paz e a vida é persona grata. Quem mata crianças e mulheres é que é persona non grata. Persona non grata no mundo inteiro.
Quem tem de pedir desculpas não é Lula. Quem tem de pedir desculpas ao Brasil e à humanidade é Netanyahu.
Barbárie ou civilização? Netanyahu ou Lula? Será que é uma escolha difícil?
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