Ilustração: Ronaldo Fraga/Mídia Ninja |
Passados alguns dias da prisão dos acusados de serem os mandantes do duplo assassinato brutal e covarde de Marielle e Anderson, dá para perceber uma certa frustração por parte de pessoas do campo progressista pelo fato de o clã Bolsonaro não ter sido alcançado, pelo menos diretamente, pelas investigações.
E a ida do sicário Ronnie Lessa ao condomínio em que mora Jair Bolsonaro logo depois do crime, algo confirmado pelo porteiro, que sumiu depois de indiciado por Sérgio Moro? E o que leva um bandidaço como Lessa ser vizinho do então presidente da República? E a notória ligação entre os Bolsonaro e as milícias do estado, que inclui condecorações ao chefe do escritório do crime e emprego para seus familiares? E o boicote explícito do governo Bolsonaro às investigações sobre o assassinato de Marielle?
Com razão, todas essas perguntas são repetidas pelos que questionam o desenlace do crime bárbaro. A desconfiança, além de justa, tem base real. O problema é que olhar apenas esta parte vazia do copo acaba ofuscando algumas ações e iniciativas que merecem aplausos. A saber:
1) O então ministro da Justiça, Flávio Dino, acertou em cheio quando há um ano e pouco atrás determinou a federalização das investigações. Como quadro político sagaz e refinado, Dino percebera que o véu da impunidade cobriria para sempre os mandantes do assassinato caso as investigações, que andavam em circulo, seguissem a cargo da Polícia Civil do Rio - a prisão, entre os mandantes, de um destacado delegado de polícia do Rio não poderia ser mais eloquente neste sentido. Para além de colocar a Polícia Federal no caso, o governo Lula assumiu o compromisso moral, ético e político de elucidar o crime.
2) É importante parabenizar a atuação da Polícia Federal na investigação, pois logrou em apenas um ano desvendar um crime cujo mistério sobre mandantes e mentores se arrastava há seis anos. Aliás, vale registrar o esforço do governo para recolocar a PF nos trilhos republicanos. Sob o comando do delegado Andrei Rodrigues, a corporação deixou a condição de braço policial de Bolsonaro para dar passos largos na direção de se transformar em uma instituição do Estado brasileiro. Ainda há muito o que fazer, até porque a politização de direita e o bolsonarismo ainda são fortes no seu interior, mas está no caminho certo.
O gosto ruim na boca de alguns lutadores políticos e sociais com o desfecho do caso também tem a ver com a fala precipitada do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowiski, que, ainda no dia das prisões dos irmãos Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa, deu as investigações como encerradas, embora tenha aberto uma janela "caso ocorram fatos novos."
Pois essa janela provavelmente é muito maior do que sinalizou o ministro. Os federais colheram vasto material nos endereços dos presos e alvos de outras medidas cautelares. E tudo está sendo analisado pelos investigadores e peritos da PF. Sem falar que o arco de denunciados como mandantes ainda pode aumentar se houver mais delações por parte dos novos envolvidos.
Os críticos da falta de corroboração da delação de Lessa tem que levar em conta que os assassinos foram extremamente meticulosos na eliminação de de provas. Câmeras foram desligadas, o carro dos assassinos desmanchado e a arma atirada ao mar. Então, não restou outra opção à PF do que se pautar, para chegar aos mandantes, praticamente apenas pela delação de Lessa. E delação não é prova, mas meio de prova.
Só que o jogo ainda não acabou e pode ter prorrogação. Confio que, apesar de todas as dificuldades, a PF conseguirá amarrar bem o indiciamento, apresentando mais evidências e provas.. Quem sabe até surjam outros mandantes.
Na minha opinião, o assassino apontou seu dedo para o lado certo, afinal, que motivos teria Lessa para indicar pessoas que não participaram da trama criminosa, colocando em risco eventuais benefícios de sua delação?
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