quinta-feira, 27 de junho de 2024

Dinheiro público só para a mídia hegemônica

Charge: Namal Amarasinghe
Por Elaine Tavares, no site Pobres e Nojentas:

Santa Catarina abriga pouco mais de sete milhões de pessoas e é considerado um estado bastante conservador. Conforme dados da Anatel, têm 300 emissoras de rádio funcionando, as quais, principalmente as do interior do estado, detêm importante espaço na manufatura da opinião pública. Na área da televisão, são 24 retransmissoras, igualmente atuando de maneira decisiva na formação da opinião pública catarinense. Obviamente que a expressiva maioria destas emissoras de rádio e TV são empresas comerciais, que existem dentro da lógica do capital, para produzir lucros aos seus donos. Justamente por isso é absolutamente comum que estejam alinhadas aos grupos dominantes no campo da política. E, como desvelou Karl Marx, sendo o estado o balcão de negócios da burguesia, é também “natural” que os donos da comunicação em Santa Catarina façam parte da partilha dos recursos públicos.

Uma pesquisa da jornalista Míriam Santini de Abreu revela que existe já há algum tempo um convênio entre a Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (ACAERT) e várias instituições públicas tais como Governo do Estado, Tribunal de Contas, Ministério Público e Assembleia Legislativa. Este convênio garante o repasse de verbas públicas, via Acaert, para as emissoras credenciadas. Hoje são 260 emissoras de rádio e 24 de televisão. É um projeto guarda-chuva de 2020 que foi tendo a adesão dos órgãos públicos. Tudo isso livre de licitação. São centenas de repasses para a Acaert, pelo menos desde 2010, conforme dados registrados no sítio da Assembleia Legislativa. Uma fala do presidente da Acaert, Fábio Bigolin, no décimo nono congresso da entidade, lembra o primeiro convênio firmado durante o governo de Vilson Kleinubing, nos anos 1990. Em 2022 a Acaert realizou encontro com o Tribunal de Contas do Estado para avaliar o convênio e o presidente do Tribunal levantou a ideia de usar esse convênio como exemplo para os TCEs de todo o país.

Ainda conforme os dados levantados pela jornalista, só no dia 12 de junho deste ano foram repassados, pela Alesc, mais de um milhão e 200 mil reais para que as emissoras divulgassem programetes de 30 a 60 segundos feitos pelas assessorias de comunicação dos órgãos conveniados. Muitos desses programas são informativos sobre como funcionam estas instituições, mas o fato é que esse dinheiro acaba irrigando indiretamente outros tipos de campanha da Acaert como foi o caso da campanha chamada “Jeito Catarinense”, na qual um dos motes foi a necessidade da mudança na Previdência Social, em visível parceria com os interesses da classe dominante, já que esta reforma afetou milhares de trabalhadores que perderam direitos. Em raros veículos (geralmente na TV) é feito o debate público com o jornalismo das emissoras trazendo os argumentos contra ou a favor. E há que lembrar que praticamente não há jornalismo nas rádios. A lógica é da propaganda.

Seguindo essa lógica, as emissoras de rádio e TV tampouco se ocupam em fazer uma discussão pública sobre temas outros que envolvem a classe dominante. Exemplo: Quais são e a quem beneficiam as isenções fiscais no governo de Jorginho Mello? Quais os projetos de lei que são aprovados na Assembleia Legislativa e a quem favorecem ou prejudicam? Qual a relevância pública de cada um deles? Quais os danos ambientais causados pelo agronegócio em Santa Catarina? Quais os prejuízos causados pela terceirização ou privatização? Nada. “As emissoras de rádio e TV são concessões públicas. Deveriam ser as que estimulam e promovem o debate público sobre temas de interesse da sociedade. Mas, tudo o que fazem é reproduzir o discurso do poder. A pergunta que fica então é: que tipo de informação esse dinheiro público que corre para a Acaert alimenta?”, questiona Míriam.

Santini lembra que há alguns anos uma iniciativa de Ângela Albino – que foi deputada pelo PCdoB – chegou a circular na Assembleia Legislativa exigindo também recursos públicos para a comunicação alternativa, comunitária e popular que é bem expressiva na capital e também em alguns polos do interior. Mas, essa proposta acabou saindo de pauta porque foi considerada inconstitucional, além de ter sofrido forte pressão da Acaert contra sua tramitação. Geralmente, quando propostas desta natureza aparecem, logo são barradas por conta da lei de licitações que, no geral, oferece uma série de impeditivos quando é para beneficiar os meios de comunicação que se assumem como críticos. No campo da esquerda, sem o enfrentamento necessário na disputa da hegemonia na comunicação/jornalismo, os projetos nessa área costumam ser confundidos com cultura, como se a área não tivesse especificidades próprias.

E assim, enquanto a comunicação popular padece de inanição, os graúdos seguem recebendo recursos e sem passar por licitação. Agora mesmo já se pode ver nas redes da Acaert seus dirigentes recebendo deputados de todas as cores, desembargadores e procuradores para, provavelmente, garantir a continuidade do convênio que tem prazo de validade até agosto deste ano, no caso da Alesc. É importante ressaltar que não há nada ilegal nos contratos. O que se discute é? Por que esses recursos só são distribuídos à mídia hegemônica?

Míriam destaca que o campo progressista da política catarinense ainda não despertou para esse tema da comunicação e justamente por isso esses convênios continuam sendo feitos praticamente sem oposição. Segundo ela, ainda há uma longa estrada para trilhar, mesmo na esquerda, que leve a compreender que os tempos modernos exigem cada dia mais cuidado com a comunicação. Sem debate público para orientar as opiniões, a propaganda vence. Já temos tristes exemplos disso.

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