quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O recado do STF a Musk

Charge: Enio
Por Emiliano José, na revista Teoria e Debate:


O dinheiro rebaixa todos os deuses do homem.

Transforma tudo em mercadoria.

É de Marx, isso.

Quando assisto Elon Musk atuando, penso nisso.

Imaginou, imagina poder, com o dinheiro em mãos, muito dinheiro, converter o mundo num imenso cassino.

Um cassino manipulado, máquinas a atender exclusivamente aos interesses dele e do mundo do capital.

Acredita-se imune a qualquer medida das nações.

Não valem mais nada, para ele, as nações.

A nação, dele, o capital.

"Dou golpe onde quiser", chegou a dizer referindo-se à Bolívia, quando submetida a um dos tradicionais movimentos golpistas, derrotado mais tarde, para infelicidade dele e da montanha do deus-dinheiro acumulado por ele.

O X da questão, no entanto: está enfrentando a ira das nações.

Se o deus-dinheiro é dominante, e é, não pode, como ele acredita trabalhar como se o Estado-nação tivesse desaparecido.

Como se de fato tudo tivesse sido transformado em mercadoria, e nessa transformação, nesse tsunami, conseguisse eliminar as nações e a soberania delas.

Pelo mundo afora

O X da questão: plataforma enfrenta processo por desobediência à legislação, disseminação de discurso de ódio e fake news pela Comunidade Europeia, Austrália e Canadá.

Daqui a pouco, com a mania de super-homem, super-homem do dinheiro, enfrentando determinações judiciais em série, arrisca vir a funcionar apenas nos Estados Unidos, onde, ao que se sabe, não há legislação contra o discurso do ódio.

O X da questão: mesmo nos Estados Unidos, as coisas andam se complicando para Musk.

Vários anunciantes estão se retirando da rede por conta do conteúdo pleno de ódio.

E, com isso, teria passado a operar no vermelho no maior mercado dele.

Na Europa, o comissário da União Europeia, Thierry Breton, iniciou investigação sobre a adequação do X à Lei de Serviços Digitais (DSA) do continente. O X da questão: a plataforma dissemina desinformação sem qualquer controle.

Musk alimentou, por exemplo, os tumultos provocados pela extrema direita no Reino Unido, tratando-os como “guerra civil”.

Este, um dos fatores a provocar a reação da Europa.

Pode ser determinada multa e até banimento.

Um eurodeputado, Sandro Gozi, eleito pela França, afirmou:

- Se Musk não cumprir as nossas leis, a União [Europeia] fechará o X na Europa.

E assim as coisas estão correndo na Austrália, onde o X da questão foi a plataforma desobedecer ordem de uma comissão de segurança digital para remover vídeos exibindo ataque a faca contra um clérigo cristão assírio e mais duas pessoas numa igreja, em Sidney.

Censura, ele gritou.

O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, reagiu:

- Musk é um bilionário arrogante que pensa estar acima da lei e da decência básica.

Ou correndo assim no Canadá, onde o dono da plataforma ridicularizou projeto de lei que visa impedir a disseminação de discursos de ódio nas redes sociais.

Musk age como se não existissem leis.

Como se ele pudesse fazer o que lhe desse na cabeça em favor dos interesses dele, sempre voltados à acumulação de mais e mais dinheiro, capital.

Assim, ele tem agido no mundo.

Voltado para si próprio.

Como se as nações houvessem desaparecido.

E se elas não desapareceram, ele cuidará disso.

Enganou-se.

Está dando com os burros n’água.

Brasil

Achou que o Brasil era terra de ninguém.

Considerou pudesse desrespeitar as leis do país, sempre orientado pela visão da extrema direita, condição ideológica e política abertamente professada por ele.

O X da questão: Musk se envolve diretamente nas articulações golpistas mundo afora.

O Judiciário brasileiro mostrou a Musk: o buraco é mais embaixo.

Ou obedece à legislação do país, à Constituição, ou a porta da rua é a serventia da casa.

Assim agiu o ministro Alexandre de Morais, já amparado pelos demais pares da suprema corte brasileira.

Deu-se um recado claro ao trilhardário: o dinheiro pode muito, mas não pode tudo.

Para atuar no país, há de se obedecer as leis vigentes.

Aqui não é casa de mãe Joana.

Esse episódio poderia constranger o Congresso Nacional a regular o funcionamento das redes sociais.

Não podem atuar segundo os próprios critérios.

O Congresso Nacional vem postergando tal decisão, certamente acossado pelos volumosos interesses de tais redes, pelo mundo do capital, a preferir continuar atuando como fosse terra de ninguém.

Em abril, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegou a defender tal regulação.

Mas, o tempo passou, passou, e nada aconteceu até agora.

E poderia, também, alertar a sociedade brasileira para os riscos de um funcionamento fora de quaisquer regulações de tais redes.

Elas disseminam mentiras, fake news, criam ambientes de ódio, dividem a nação.

Com base nisso, elegeu-se um presidente inimigo dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, da população LGBTQIA+, um amante da ditadura de 1964.

Com base nisso, um candidato desfila arrogante na eleição da cidade de São Paulo, sem ter sido punido até agora, não obstante o volume de crimes cometidos.

É preciso colocar ordem na casa.

Ordem democrática.

Sob pena de os monstros continuarem a irromper na cena política, a criar cenários favoráveis à extrema direita.

O exemplo argentino é bom.

Bom às avessas.

Foi dessa maneira a eleição de Milei, com o uso de tais recursos, com muita fake news.

Assim se chegou naquele país a uma situação de fome, a condenar a grande parte da infância à fome extrema.

Alexandre de Moraes está certo.

Agiu corretamente, amparado pela Constituição.

Há sempre, no entanto, os cães de guarda do capital.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, muniu-se de lança e escudo para atacar a medida do ministro contra a Starlink, condenada a pagar as multas devidas por Musk.

Não só ele como alguns outros cães de guarda desenvolvem um argumento pífio: o de que a empresa, embora sendo de propriedade de Musk, não tem relação com o X.

O X da questão: a plataforma já acumula R$ 18,3 milhões em multas aplicadas pelo STF.

O argumento precário é um modo de garantir outra escapada do trilhardário.

Grave: nas últimas horas, a empresa decidiu não cumprir a decisão do ministro.

Certamente, por determinação de Musk.

A ver o que acontece.

O X da questão: hoje, enquanto escrevo, STF já formava maioria para manter a plataforma fora do ar.

No voto dele, Flávio Dino manda um recado aos proprietários de plataformas digitais, as Big Techs:

_ Elon Musk está usando sim a sua influência, o seu poder e o seu dinheiro para corromper o Estado Democrático de Direito no Brasil.

Se o STF não agisse, a democracia seria atropelada. Seria uma espécie de golpe branco.

Não aconteceu.

Aqui não é casa de mãe Joana.

É casa da democracia.

A acrescentar: tudo isso se dá por conta de um quadro político de vigência de liberdades democráticas, com um presidente inteiramente vinculado ao pensamento democrático.

Um quadro inteiramente diverso dos anos anteriores, onde o ódio predominava, e a democracia, ironizada, e o golpe sempre rondando, como um espectro, até o momento de acontecer a tentativa de 8 de janeiro, felizmente derrotada.

Viva a democracia.

Referências

ALENCAR, Caíque; COUTINHO, Mateus. Por unanimidade, 1ª Turma do STF mantém decisão de Moraes de derrubar o X. UOL, 2/09/2024.

BITTENCOURT, Julinho. X, de Elon Musk, enfrenta processos de banimento em vários locais do mundo. Revista Forum, 1/09/2024.

COTRIM, Amanda. Pobreza infantil na Argentina: ‘Escutar meu filho pedir comida doi na alma’. UOL, 2/09/2024.

FALCÃO, Márcio. X já acumula R$ 18,3 milhões em multas aplicadas pelo STF; empresa teve R$ 2 milhões bloqueados. G1. 30/08/2024.

PACHECO defende regulamentação das redes sociais. Senado Notícias, 9/04/2024.

* Emiliano José é jornalista e escritor, autor de Lamarca: O Capitão da Guerrilha com Oldack de Miranda, Carlos Marighella: O Inimigo Número Um da Ditadura Militar, Waldir Pires – Biografia (v. I), entre outros.

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