quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A economia é mesmo o fator determinante?

EconomiaNasrin Sheykhi
Por Jair de Souza

Alguns fenômenos sociais recentes vêm transtornando a mente de muita gente no campo político de esquerda. É que tínhamos aprendido desde cedo a entender que a economia representava o fator social de maior relevância na determinação do curso das transformações sociais. No entanto, estamos vendo acontecer certas coisas que ameaçam fazer ruir esta idéia que vínhamos cultivando há muito tempo.

Os processos eleitorais que acabam de ter lugar em nosso país e nos Estados Unidos parecem desferir um violento golpe contra nossa crença de que é a economia o principal fator que dá o tom de como as pessoas vão se comportar. Como pudemos dar-nos conta, tanto lá como cá, a maioria dos eleitores emitiram seu voto motivados por questões que evidentemente não revelam nenhuma vinculação direta com fatores de cunho econômico.

Prova do que acaba de ser mencionado é a constatação de que, apesar de os indicadores econômicos imperantes no Brasil e nos Estados Unidos neste período em que as eleições foram realizadas serem comparativamente muito positivos, as forças políticas associadas com os governantes do momento sofreram reveses significativos.

No caso do Brasil, o PT e as forças de esquerda saíram do processo eleitoral em condições muito debilitadas, ao passo que a direita conservadora e a extrema direita obtiveram resultados muito mais favoráveis. Nos Estados Unidos o panorama foi bastante semelhante. Embora as estatísticas indicassem crescimento econômico e baixíssimo nível de desemprego, o partido no comando do governo (Partido Democrata) foi fragorosamente derrotado pelo Partido Republicano, agrupado em torno do extremista de direita Donald Trump.

Outrossim, como pudemos observar nas eleições municipais brasileiras, as razões que motivaram enormes contingentes de pessoas a depositar seu voto em candidatos abertamente vinculados à direita e à extrema direita tinham muito mais a ver com temas relacionados com questões morais, de costume, religiosas, do que com tópicos identificados como de cunho econômico.

Portanto, o que tem acontecido por aqui é que muitos pobres deixaram absolutamente de reivindicar medidas que serviriam para elevar seu padrão de vida e o de seus familiares para se concentrarem em tópicos de caráter moral, ideológico ou religioso, que nada, ou muito pouco, os ajudariam a escapar da situação de penúria em que se encontram. Assim, em lugar de priorizar candidatos com propostas de melhores condições de habitação, melhor atendimento médico público, escolas públicas de melhor qualidade, etc., a preferência de uma parcela significativa dos eleitores foi ganha com base em preocupações com o casamento entre pessoas de mesmo sexo, o divórcio, a predominância de seu credo, etc., ou seja, questões morais, de costume, de família, ou de religião, por exemplo.

Algo análogo se observa também em relação com as camadas médias da população. Tanto assim que, nos últimos anos, muita gente pertencente a estes setores médios tem saído às ruas bradando furiosamente para protestar contra a corrupção e, sob esta alegação, dar sua anuência a medidas políticas claramente destrutivas das estruturas básicas de nossa economia, como, entre outros exemplos, o desmantelamento da Petrobrás, a entrega de nosso pré-sal a grupos petroleiros multinacionais e o aniquilamento de nossas grandes empresas de engenharia. No final das contas, tudo isso contribuiria para aprofundar o nível de deterioração de suas próprias condições de vida.

Em vista do que expusemos nos parágrafos anteriores, somos induzidos a concluir que tanto os pobres como as pessoas de classe média a quem fizemos referência agiram muito mais em função de motivações vinculadas a questões morais do que por influências econômicas. Não nos restam dúvidas em relação a isto.

No entanto, a despeito de tudo o que acaba de ser dito, queremos demonstrar que os fatores que em última instância impulsam todas essas pessoas de setores sociais não dominantes a deixarem de lado proposições que dizem respeito a seus interesses econômicos reais são, de fato, motivações também essencialmente embasadas em fatores relacionados com disputas nitidamente associadas a interesses econômicos. O que ocorre é que essas motivações não se originam nesses grupos socialmente subordinados, e sim naqueles que detêm o poder para manipulá-los e desviá-los das questões econômicas que seriam de seu benefício direto.

Como sabemos pelos estudos sociológicos com base no materialismo histórico, as classes que detêm o controle do processo de produção de riquezas em uma sociedade exercem também seu domínio por meio de sua influência ideológica. Assim, este poder ideológico das classes dominantes é empregado sobre os grupos sociais a elas subordinados com vista a induzi-los a assumir como se fossem seus os objetivos e desejos infundidos por seus dominadores. Porém, o objetivo real dessas classes detentoras do poder de manipulação não é outro que preservar e ampliar os privilégios econômicos de que gozam.

Quando pessoas pobres são instigadas a gritar, berrar e se revoltar contra uma hipotética liberação de banheiros unissex em escolas e shopping centers, elas são levadas a agir assim para que os interesses econômicos de banqueiros, latifundiários e dos grandes capitalistas em geral não sejam qüestionados. O mesmo se pode dizer com respeito àqueles elementos de classe média que aceitam compactuar com a destruição da base econômica do país e, em consequência, sofrer os severos impactos do desemprego que disto advirão. Em outras palavras, eles acabarão por ser vítimas de suas próprias ações. É que essa gente é manipulada para que os interesses econômicos dos países imperialistas, de suas empresas e de seus sócios locais possam prevalecer.

Não é correto assumir que a maioria de nosso povo seja inerentemente conservadora. O grande peso de temas ligados à moralidade se deve, em boa medida, ao trabalho de manipulação efetuado pelos mecanismos à disposição das classes dominantes. Quando as questões da pauta moral não estão presentes, ou não existem, os agentes a serviço das classes dominantes não hesitam em trazê-las à tona, ou criá-las, para que possam servir como instrumento de defesa daquilo que realmente lhes interessa. Sem essa intervenção manipuladora executada por agentes a serviço das classes que detêm o poder real, muito provavelmente, a disposição e as energias dos pobres e dos setores das camadas médias seriam dirigidas à luta para a obtenção de ganhos reais de caráter econômico para benefício próprio, o que afetaria bastante os interesses econômicos dos setores que hegemonizam o poder na sociedade.

Então, voltando à reflexão sobre a dúvida com a qual iniciamos o texto, podemos afirmar que, ainda que seja correto dizer que os grupos sociais não se movimentam exclusivamente a partir de impulsos de base econômica, não se pode negar que a motivação originária, ou seja, aquela que diz respeito aos grupos que de fato detêm o poder numa determinada sociedade, está, em última instância, fortemente alicerçada em termos econômicos. Isto nos leva a concluir que continua muito válida a essência da teoria que vínhamos defendendo, ou seja, a de que o fator decisivo na evolução e transformação da sociedade humana está relacionado com a base econômica.

Para que não subsista nenhuma incompreensão quanto ao que queremos explicitar, não estamos propondo que as questões de cunho moral, religioso, de costume, e outros, sejam ignoradas. Muito pelo contrário. O que estamos tentando evidenciar é que, para lidar com tais problemas, precisamos entender bem quais os interesses econômicos que os estão propulsando. Tendo tal compreensão, saberemos encontrar respostas mais eficientes às questões que surgem por trás de facetas morais.

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