Reproduzo entrevista concedida às jornalistas Ana Rita Marini e Candice Cresqui e publicada no boletim eletrônico do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (e-Fórum/FNDC):
No Brasil, os concessionários de emissoras de rádio e televisão agem como se fossem seus proprietários. O Estado brasileiro, que fundamenta como serviço público o seu sistema de radiodifusão, tem dificuldades para controlar o setor. Parte deste “descontrole” se deve à estrutura dividida entre o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Mas o que falta, realmente, é vontade política de fazer valer os princípios constitucionais, entende o procurador regional da República no Rio Grande do Sul Domingos Sávio Dresch da Silveira.
O modelo brasileiro sofre pela ausência do Estado no papel que é fundamental na relação do poder público com os concessionários - a fiscalização. E concessão sem fiscalização é doação, resume Domingos.
A elevada abrangência dos meios de comunicação de massa os torna instrumentos de poder especialmente significativos na vida política, cultural e econômica da nação. Em modelos de radiodifusão privados – o norte-americano, por exemplo - a figura do órgão regulador e fiscalizador é decisiva e os veículos têm sua autonomia controlada pelo Estado. No Brasil, onde o modelo caracteriza-se pela concessão pública, as restrições deveriam ser, no mínimo, igualmente severas, mas o sistema funciona “como se fosse uma rede de McDonalds”.
Nesta entrevista para o e-Fórum, Domingos aborda a histórica distorção na condução do relacionamento entre o poder concedente e os concessionários. Leia a seguir.
As emissoras de TV e de rádio são consideradas serviço público e precisam de concessão do governo. O que caracteriza “serviço público”e “concessão”, do ponto de vista jurídico e social?
Há dois modelos no mundo para organizar o serviço de comunicação. Um deles é o totalmente privado, como o norte-americano, onde não tem a figura da concessão. Neste modelo, existe a figura das Agências Reguladoras - no caso americano, é a FCC [Federal Communications Commition], que desde 1934 existe com uma dupla função: a de controlar as radiofreqüências, a não-intromissão de uma freqüência na outra, ou seja, de garantir a qualidade do sinal. Por outro lado, a FCC tem também a função de garantir o respeito a alguns princípios, como contra o racismo, a igualdade e a pluralidade, a proibição da propriedade cruzada [quem tem a rádio não pode ter o jornal, quem tem a TV não pode ter o rádio], que compõem o modelo americano.
E tem o modelo da Europa, que é o mesmo do Brasil e da América toda, fora os EUA, que é fundado na idéia de serviço público. Sempre esteve na nossa Constituição a idéia de que a radiocomunicação - como se chamava no início, hoje telecomunicação -, a comunicação de massa é um serviço público federal que pode ser exercido diretamente pelo poder público ou pode ser concedido a particulares.
Todo o funcionamento do serviço público no Brasil tem essa marca. Ou ele é realizado diretamente pelo poder público – como acontece notadamente na saúde – ou ele transfere ao particular a possibilidade de uma concessão temporária, para que seja exercido com o mesmo fim, com o mesmo objetivo público, pelo particular.
Portanto, tem uma diferença importante: no modelo americano, existe o controle da utilização de algo que é privado. No Brasil, há o controle estatal sobre algo que é público, o direito de explorar as radiofreqüências, a comunicação social – porque mesmo quando ela não tem a forma de radiofrequência, como no caso da TV a cabo, ela também é um serviço público.
Para nós, toda a telecomunicação está marcada pelo modelo de serviço público [prestado diretamente pelo Estado ou por particular, em razão de uma outorga, ou autorização ou permissão]. As linhas de ônibus, por exemplo, são serviços públicos prestados por particulares.
Uma novidade muito rica da nossa Constituição Federal [CF], é que ela própria diz quais os deveres desse concessionário de serviço público. Eles estão dispostos no artigo 221 da CF. A concessão não tem livre exercício. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão, portanto todo o seu conteúdo, deve atender aos quatro princípios apontados no artigo 221: preferência a finalidades educativas, educativas, artísticas, culturais e informativas; a promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; a regionalização da produção cultural, artística e jornalística e o respeito aos valores éticos e morais da pessoa e da família.
Em que medida esses princípios são respeitados, na nossa radiodifusão?
Mesmo antes da CF, o contrato padrão da concessão que todo concessionário assina - e desde a década de 1960 é o mesmo - impunha essas obrigações. Entretanto, a forma como os concessionários [no Brasil] se relacionam com as concessões é como se fosse o modelo americano, como se eles fossem donos daquele serviço. É como se fosse uma rede de McDonalds.
Esse nunca foi o nosso modelo, apesar disso sempre vivemos desta forma por uma razão: a ausência do Estado no papel que é fundamental na relação do poder público com os concessionários, que é a fiscalização. E concessão sem fiscalização é doação. Como na época das capitanias hereditárias, quando os capitães das terras eram donatários, numa mistura de privatização com concessão, porque era autorizado o exercício do poder judiciário, a aplicação de penas [desde que não fosse a pena de morte], e então doado parte do território àquelas pessoas. Acho que essa noção perdurou até hoje em alguns campos das concessões, como as estradas brasileiras, por exemplo.
Na área da comunicação social, o que se vê, sistematicamente, é uma omissão do Estado. Portanto, há uma forma muito evidente de descumprimento do poder público federal [concedente] em fiscalizar, exigir o cumprimento dos deveres dos concessionários. Esse fiscalizar fica restrito, quando muito, àquele controle de vizinhança, de verificar se uma concessão não vai interferir na outra. E fica por aí. É mais um “fiscal da propriedade”. Então, temos concessionários que parecem que não têm deveres para com a sociedade e o Estado que concedeu a licença para exploração da emissora.
Então o que falta é fiscalização?
Falta a vontade política, que começa pela fiscalização. Esta é uma tarefa do Ministério das Comunicações. Interessante que antes isso tudo estava dentro do Dentel, antigo Departamento Nacional de Telecomunicações. Depois, esse Dentel passou toda sua estrutura física para a Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações, órgão regulador] e praticamente todo o poder de fiscalização, de controle. Tanto que, quem faz a atuação repressiva às rádios comunitárias é a Polícia Federal junto com a Anatel.
Mas a fiscalização das emissoras de rádio e TV ficou a cargo do Ministério das Comunicações [MC]. É antagônico, porque o MC ficou sem estrutura nenhuma para fazer isso. Assim, age como um mau cartório, porque até mesmo para a coisa mais burocrática que é o exame dos pedidos de renovação das concessões, o MC leva mais de dez anos para fazer.
Fica ainda pior, porque a cada dez anos é preciso que se renove uma concessão de TV, por exemplo. E essa renovação começa um ano antes, com o pedido da concessionária para a renovação. Esse pedido tem que tramitar administrativamente e depois ser submetido ao Congresso Federal, que, salvo se houver a deliberação de três quintos da bancada contrários, a renova automaticamente.
Tem acontecido que a tramitação de um pedido de renovação leva mais de 10 anos, e aí a concessionária de TV segue funcionando - porque ela tem esse direito até que seja tomada uma decisão contrária. Assim, uma concessão emenda na outra e ela nunca é apreciada. E quando é, já passou o tempo. Isso é um não fiscalizar, é controle nenhum.
E a gente podia imaginar várias situações interessantes nesse sistema de controle funcionado, por exemplo, incidindo sobre a má utilização da concessão. Vamos imaginar um caso limite como aquele sempre lembrado do programa do Gugu (SBT), quando ele entrevista o falso representante do PCC [Primeiro Comando da Capital, organização criminosa originada em São Paulo], ou o programa do “sushi humano” no Faustão (Globo), essas baixarias fora de qualquer dúvida.
No primeiro caso, parece que houve uma sanção administrativa do MC. Esses descumprimentos deveriam, pelo menos, serem catalogados e verificados quando do pedido de renovação. Então, a cada dez anos, verificaríamos se as infrações foram adequadamente tratadas. Isso na Europa é muito comum. Então, a sanção mesmo que seja pecuniária e sem relevância é considerada no momento da renovação. Deveríamos exigir isso do Ministério das Comunicações. E para isso não precisa mudar a lei. O Ministério Público tem essa função. A Procuradoria da República tem ficado atenta a isso.
Existem diversos procedimentos e ações contra o Ministério das Comunicações para tentar obrigá-los a cumprir com esse dever mínimo de fiscalização. Mas, infelizmente, nem isso tem sido cumprido.
Nesse cenário, qual é função social dos meios de comunicação social?
Essa história de função social não pode estar no coração, que aí vira um perigo, vira subjetivismo. Ao meu ver, a função social dos meios de comunicação social está descrito no artigo 221 da CF. Ali estão os deveres fundamentais dos titulares das concessões de rádio e TV. Assim como também a função social da propriedade urbana, da propriedade rural está na Constituição. Todas elas têm determinada função social.
De alguma forma, é tudo aquilo que a gente não vê. Tem um jurista conservador, tradicional, que costuma dizer que o artigo 221 da CF é o mais descumprido de toda a Carta. Acho que, infelizmente, ele não está errado.
E quanto à qualidade do conteúdo na TV brasileira?
Do ponto de vista do conteúdo, eu acho que a TV comercial segue sendo a grande inimiga da televisão de qualidade. Como não há controle, é um espaço de vale-tudo para obter índices de audiência. O que a gente tem vivido é esse quadro crescente de perda de qualidade.
É uma realidade dura, fruto também dessa falta de fiscalização, de um modelo da TV comercial, da falta de estímulo de investimento público na produção de uma TV de qualidade, até de ver o que é produzido com o apoio de fundos públicos pelo mundo afora, como na Austrália, Canadá, Europa, e o que se produz aqui no Brasil.
Em uma análise que fiz, durante um ano de programação de uma emissora de TV a cabo - a gente tem idéia de que elas têm mais qualidade -, sobre quatro temas: sexo, drogas, nudez e violência, tentei verificar como eles apareciam no horário reservado ao público infanto-juvenil. A constatação é assombrosa. Mais de 60, 70% da programação, dependendo do mês, aborda sexo, drogas, nudez e violência, isoladamente ou em conjunto, e é veiculada no horário reservado ao público infantil.
De maneira geral, a opinião pública não simpatiza e não compreende que há regras para a concessão em radiodifusão e que uma emissora pode ser fechada se não cumpri-las. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, por exemplo, é muito criticado por não ter renovado licenças e fechado emissoras de rádio e TV que não estariam de acordo com as normas para funcionamento. Como aplicar as regras?
De forma muito clara, isso tem a ver com aquela idéia inicial de que o empresário de comunicação no Brasil age como se fosse dono do canal e não um prestador de serviços. Essa distorção inicial produz todo o resto.
Há pouco tempo, o Supremo [Supremo Tribunal Federal] tomou uma decisão interessante sobre as rádios no país inteiro que vinham entrando com ações - e conseguindo - para não transmitir a Voz do Brasil em cadeia, no horário das 19h. Isso tinha virado moda, tanto que as rádios aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, transmitiam a Voz do Brasil às 10h, às 4h, afirmando que estavam exercendo a liberdade de imprensa, a liberdade de comunicação. Agora, com a propaganda eleitoral, invariavelmente, essas emissoras dirão “vamos ter que interromper a nossa programação para cumprir essa obrigação de transmitir a propaganda eleitoral”, e tal.
Ora, primeiro ela [a propaganda eleitoral] não é gratuita, as emissoras têm uma série de benefícios fiscais para compensar em parte o tempo de não utilização do serviço público, coisa que eu acho absurda. Esse sentimento de privatização da concessão é tão forte que até mesmo no caso dessas cadeias de serviço público para transmitir pronunciamentos como o do Presidente da República, ou a Voz do Brasil, ou a propaganda eleitoral gratuita [grátis só para os candidatos], as emissoras se apresentam como vítimas, censuradas. Na verdade, são raros os momentos que elas deixam de lado a atividade comercial e passam a exercer algum serviço público.
Esse sentimento de privatização da concessão pública, que vem lá das capitanias hereditárias e se esparrama por esse latifúndio invisível do espectro eletromagnético que a gente vive hoje, da concentração das concessões na mão de poucos - sempre os mesmos, os mesmos grupos, ligados ao poder, aristocracias, direta ou indiretamente – manifesta-se de forma muito violenta sobre qualquer tipo de controle.
No Brasil, as emissoras rejeitam o controle administrativo, para fazer respeitar as obrigações de concessionário; rejeitam as obrigações de controle judicial, como em casos limites, em que alguém que se sinta lesado entra com uma medida judicial, ou quando o Ministério Público entra com ação civil pública, por exemplo, para obrigar o titular da concessão a respeitar a Classificação Indicativa [serviço de análise e de produção de informações objetivas sobre conteúdos audiovisuais previsto na CF e regulamentado pelas leis federais nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Lei nº 10.359/01].
A máxima que a gente ouve sempre nos debates, por parte dos representantes dos comunicadores, é que depois da CF de 1988, a única forma de controle possível é o controle remoto. Essa situação, porém, não existe nem nos Estados Unidos, onde o modelo é o privado. Porque lá, o FCC tem a tradição de uma atuação muito dura. São inúmeros os casos em que o órgão de controle norte-americano determinou intervenção no conteúdo da programação. E mesmo quando esses casos foram submetidos à Suprema Corte americana, ela concluiu que a intervenção estava correta, com base em dois fundamentos: porque eram valores que precisavam ser protegidos e porque os meios de comunicação eletrônica têm um poder extraordinário de intrusão na sociedade.
Controle e censura são confundidos. Como diferenciá-los?
Essa liberdade que as nossas emissoras reclamam aqui não existe nem nos Estados Unidos, que é o “reino encantado” dos comunicadores. O fundamental é que uma coisa é controle, outra é censura. A censura é a proibição fundada em juízos de valor que não tenham base na Constituição, que partem da subjetividade do administrador e não se submetam a nenhum processo em que se assegure a ampla defesa.
O sensor proíbe o que lhe parece atentatório – como toda nossa tradição de censura no regime de Getúlio Vargas [de 1937 a 1945], da ditadura militar [1964 a 1985]. Nessas situações, o que marca é a subjetividade. Quando a gente fala em controle, seja judicial ou administrativo, é para fazer valer valores que estão na Constituição Federal, portanto não foram inventados na hora, e só podem ser aplicados depois de um processo administrativo em que se assegure a ampla defesa. Essa é a garantia que vale para qualquer um.
Quando a gente pensa em controle social, temos que pensar, primeiro, que isso não é coisa de comunista. A Europa toda tem inúmeros sistemas de controle social. Isso é, talvez, o tipo de prática mais avançada em termos de controle de meio de comunicação social, porque compatibiliza a ação de Estado - que vai estar presente nos organismos de controle social - e a participação direta da população no exercício da democracia direta, ao definir o alcance através dessas concessões.
Então, a idéia de controle social é de democracia em uma dimensão e qualidade maior. No Brasil, existem já institucionalizados dois instrumentos de controle social, o Conselho de Comunicação Social e os Conselhos Tutelares. O Conselho de Comunicação Social [CCS] é previsto na Constituição, mas foi reduzido, pela regulamentação, no seu âmbito de atuação e de incidência.
A nossa Constituição copiou o CCS do modelo português, só que ele foi regulamentado como um órgão consultivo, quando não seria essa sua razão de ser, de acordo com a Carta. A idéia é de que o CCS seja uma instância onde se reúnam representantes dos comunicadores, da sociedade, dos trabalhadores na comunicação e do Estado, indicados pelo Parlamento e pelo Executivo, para definir modelos mínimos de exigência daquilo que está no artigo 221.
Seria muito mais rico, por exemplo, se os parâmetros da classificação indicativa fossem definidos ou tivessem uma instância de controle no CCS, não ficassem só sob a instância do Ministério da Justiça como é hoje. Infelizmente, o Brasil não consegue concretizar isso, porque a forma como a lei regulamentou o Conselho o restringiu, justamente para atender os interesses dos parlamentares donos de meios de comunicação, que não queriam nem mesmo esse tipo de participação. A gente vem vivenciando essa situação triste, e hoje em dia o CCS nem se reúne mais.
Os critérios para a concessão das outorgas no País são adequados? Não estão defasados?
Não há muita clareza, São critérios técnicos. Quando abre-se a disputa para uma determinada concessão, se habilitam diversos concorrentes, há uma análise técnica da possibilidade da empresa, de manter, de capacidade financeira, mas o critério último é sempre político. Aí há pouca clareza, pouco controle democrático ou controle nenhum. É um juízo de conveniência e oportunidade que determina todo o resto.
Uma coisa interessante é que a Constituição mudou e estabeleceu a aplicação do artigo 221 a todos os meios de comunicação eletrônica. Portanto, também à internet. A internet, de alguma forma, vai colocando em crise o modelo mais clássico de radiodifusão, porque tem rádio e TV na internet, que já é algo bem mais próximo da população e daqui a 10 anos será tão comum quanto a energia elétrica. Ninguém duvida disso.
Acho que daí surge uma crise interessante, que vem da pluralidade de oferta. Isso tende a mudar, nos próximos dez anos, o perfil desse mercado e da forma de comunicar. Vejo aí uma possibilidade muito grande de democratizar esse direito de acesso ao meio para poder informar – porque hoje esse direito ainda pertence aos donos dos meios de comunicação, não à população como um todo.
Acontece muito, atualmente, a sublocação de horários nas emissoras. Isso criou um mercado grande, especialmente para programas religiosos.
A Procuradoria [Regional da República] já tem inúmeras ações pelo país afora pedindo o cancelamento de concessões [o cancelamento de concessões é uma possibilidade, antes de vencido o prazo, que depende decisão judicial]. Existem muitas ações civis públicas nesse sentido, porque se entende que esta prática é ilegal, atenta contra todo o sistema de concessão, estatal, direto, sob controle. Essa sublocação importa, sim, em ofensa ao dever do concessionário e, portanto, tem levado a muitas ações pelo país todo. Nenhuma ainda foi concluída.
Uma outra coisa interessante é que as emissoras religiosas têm uma programação de telepregação. Isso atenta, a meu ver, e ao ver da Procuradoria, contra esse dever de pluralidade no conteúdo da comunicação, tanto nas TVs exclusivamente comerciais, quanto nas TVs exclusivamente religiosas - claro que no caso destas tem algo mais delicado, que é o direito de crença e culto.
A Suprema Corte norte-americana, por exemplo, diz que a idéia de liberdade religiosa não permite que se possa usar meios de comunicação para atingir outras religiões. Acho que os canais telepregadores atentam contra esse dever de pluralidade que não é só do espectro, é também da programação.
Em que países as concessões são melhor administradas?
Gosto de três exemplos. Não por acaso, a melhor TV que se tem no mundo é a inglesa, onde um sistema dentro do âmbito do Estado concilia a participação da população, dos comunicadores e dos detentores das concessões. Pratica um sistema de controle onde há também uma presença bastante marcante da TV pública alternativa às comerciais. Esta TV pública é financiada por um tributo que incide sobre os proprietários de TV [dizem que é muito sonegado]. O modelo inglês é rico porque tem nele este aspecto da participação das várias instâncias, não é só estatal, o que é muito bom, e consegue produzir padrões de qualidade, relatórios anuais de análise crítica, fixando padrões.
O segundo modelo é o francês, com o Conselho Superior do Audiovisual na França, fundado na idéia estatal. Ele consegue desenvolver um papel de orientação, de definição de standarts e de patamares muito interessantes com a participação da população.
Um terceiro modelo é o da Catalunha, na Espanha, com o Conselho de Audiovisual da Catalunha. Ele monitora toda a programação de TV e produz relatórios, instaura procedimentos, quando necessário, assegurando a defesa do comunicador. Este Conselho não tem um poder de sanção, mas tudo aquilo que apura é remetido ao Parlamento para ser considerado no momento da renovação da concessão. Interessante é que hoje em dia, lá, tem havido pouca infração, porque as emissoras se adequaram aos critérios e há uma interlocução com a comunidade muito interessante.
No Brasil, temos uma coisa muito avançada – e eu cometo a ousadia de dizer que nesta matéria não existe nada melhor no mundo -, que é o nosso sistema de Classificação Indicativa, implantado nos últimos quatro anos, que criou uma metodologia própria e tem se mostrado muito rico neste vazio de controle de comunicação que a gente tem no País.
Poucos são os sistemas de classificação indicativa tão avançados como o nosso. Noutro dia eu estava visitando esse Conselho de Audiovisual da Catalunha e eles mostraram que tinham um manual nosso de Classificação Indicativa e que eles esperavam um dia ter uma classificação assim. Isso foi uma construção muito bonita que se fez nos últimos anos, e que também vem apresentando uma coisa que é do próprio processo, que é uma restrição ao poder – da detenção da concessão do meio de comunicação.
Por que, após oito anos de um governo de centro-esquerda, não mudou essa relação do país com os donos da mídia?
Suspeito que a questão mais grave, quando a gente pensa em controle da mídia, seja em qualquer das formas - controle social, administrativo, e até mesmo o controle judicial - é como controlar o poder. Esta questão se propõe à democracia, hoje, como uma grande interrogação. Como controlar, em qualquer das formas de poder?
A concessão de emissoras de rádio e TV é hoje, talvez, uma das principais fontes de poder numa sociedade em rede como a que a gente vive. A comunicação social é fonte de poder. O Bordieu [Pierre Bordieu, sociólogo francês, falecido em 2002, autor de vasta bibliografia] disse de uma forma muito adequada, que a televisão é o grande perigo à democracia. Segundo Bordieu, ela tem o poder de conferir a existência social - é o árbitro da existência social. É ela que vai dizer - isso ele refletia pensando na televisão, mas eu acho que vale para comunicação social como um todo -, que vai arbitrar, dizer quem existe e quem não existe. E quem está fora da TV todo o dia não existe.
Não há coisa mais terrível para o poder, para os políticos, do que estar fora da mídia – ou tê-la contra si, o que é muito pior. A gente vê a mídia construir e desconstruir trajetórias de uma forma muito notável. Isso pode ser uma pista para a gente compreender por que um governo de centro-esquerda conseguiu tão pouco nesse sentido, ficou tão refém das grandes redes de comunicação, dos donos da mídia.
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quarta-feira, 14 de julho de 2010
CPMI frustra a ruralista Kátia Abreu
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) conclui hoje (14) seus trabalhos sem atingir os objetivos espúrios para a qual foi convocada pela da bancada ruralista. A estridente senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), não logrou arrancar as provas que sonhava para criminalizar os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária. O relatório do deputado Jilmar Tatto (PT-SP) afirma que a investigação provou que “não há desvio de dinheiro público para as ocupações de terra”, o que enterra as mentiras dos ruralistas.
No total, foram feitas treze audiências públicas em oito meses. “Foi uma CPMI desnecessária”, afirma o deputado à jornalista Aline Scarso, da Radioagência NP. “A oposição fez carga muito grande, dizendo que havia recursos públicos desviados para a ocupação de terras. Depois de um trabalho intenso e exaustivo, verificando todas as contas de dezenas de entidades que fizeram convênio com o governo federal, concluímos que não foi nada disso. São entidades sérias, que desenvolvem um trabalho de aperfeiçoamento e qualificação técnica do homem do campo”.
Objetivos espúrios dos ruralistas
Para ele, “o que deu para perceber foi que a oposição, principalmente o DEM e o PSDB, estava com uma política de criminalizar o movimento social. Tanto é verdade que, depois de instalada a CPMI, eles praticamente não apareceram nas reuniões”. Na sessão de quarta-feira passada, Onxy Lorenzoni (DEM-RS) ainda pediu vista do relatório final, adiando enterro da CPMI. É possível que a bancada ruralista, num último suspiro, apresente relatório paralelo, mas sem valor legal.
O resultado da CPMI não deve ter agradado Kátia Abreu. Ela queria sangue, mas não obteve êxito. Mas a senadora do DEM não tem do que reclamar. Do ponto de vista prático, a CPMI conseguiu abortar o anúncio a atualização dos índices de produtividade rural, prometido pelo presidente Lula para acelerar as desapropriações de terras improdutivas. Ela também paralisou importantes convênios públicos firmados com as entidades da reforma agrária.
Contra os pequenos produtores e assentados
Como aponta Gilmar Tatto, “a oposição, em certa medida, conseguiu atrapalhar. Os convênios estavam acontecendo e, na medida em que ficam fazendo denúncias vazias em relação a estas entidades, atrapalham o seu trabalho junto aos produtores rurais assentados. Uma parte do seu objetivo a oposição conseguiu: justamente romper parte desses convênios... Isto foi um desastre, porque a CPMI veio prejudicar o campo, principalmente os pequenos produtores e assentados”.
Já do ponto de vista eleitoral, a senadora demo até que se deu bem. Ela chegou a ser sondada para ser vice do tucano José Serra, o que só não ocorreu devido às resistências do seu próprio partido – segundo garante o pitbul Reinaldo Azevedo. No final, porém, ela foi incorporada à coordenação de campanha presidencial, logo no setor de finanças, responsável por arrecadar recursos junto aos latifundiários. Esta medida do comando demotucano exala forte odor!
CPMI para as entidades ruralistas
Talvez seja o caso até de pensar numa nova CPMI, desta vez para apurar desvios de verbas das entidades ruralistas. Alguns casos escabrosos apareceram na própria comissão moribunda, com denúncias de contas irregulares de federações filiadas à CNA. Como responsável pelo setor de finanças, a senadora pode até cometer novos crimes – ela já foi acusada de usar caixa dois na sua campanha, além de grilagem de terras, devastação ambiental e exploração de trabalho escravo.
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No total, foram feitas treze audiências públicas em oito meses. “Foi uma CPMI desnecessária”, afirma o deputado à jornalista Aline Scarso, da Radioagência NP. “A oposição fez carga muito grande, dizendo que havia recursos públicos desviados para a ocupação de terras. Depois de um trabalho intenso e exaustivo, verificando todas as contas de dezenas de entidades que fizeram convênio com o governo federal, concluímos que não foi nada disso. São entidades sérias, que desenvolvem um trabalho de aperfeiçoamento e qualificação técnica do homem do campo”.
Objetivos espúrios dos ruralistas
Para ele, “o que deu para perceber foi que a oposição, principalmente o DEM e o PSDB, estava com uma política de criminalizar o movimento social. Tanto é verdade que, depois de instalada a CPMI, eles praticamente não apareceram nas reuniões”. Na sessão de quarta-feira passada, Onxy Lorenzoni (DEM-RS) ainda pediu vista do relatório final, adiando enterro da CPMI. É possível que a bancada ruralista, num último suspiro, apresente relatório paralelo, mas sem valor legal.
O resultado da CPMI não deve ter agradado Kátia Abreu. Ela queria sangue, mas não obteve êxito. Mas a senadora do DEM não tem do que reclamar. Do ponto de vista prático, a CPMI conseguiu abortar o anúncio a atualização dos índices de produtividade rural, prometido pelo presidente Lula para acelerar as desapropriações de terras improdutivas. Ela também paralisou importantes convênios públicos firmados com as entidades da reforma agrária.
Contra os pequenos produtores e assentados
Como aponta Gilmar Tatto, “a oposição, em certa medida, conseguiu atrapalhar. Os convênios estavam acontecendo e, na medida em que ficam fazendo denúncias vazias em relação a estas entidades, atrapalham o seu trabalho junto aos produtores rurais assentados. Uma parte do seu objetivo a oposição conseguiu: justamente romper parte desses convênios... Isto foi um desastre, porque a CPMI veio prejudicar o campo, principalmente os pequenos produtores e assentados”.
Já do ponto de vista eleitoral, a senadora demo até que se deu bem. Ela chegou a ser sondada para ser vice do tucano José Serra, o que só não ocorreu devido às resistências do seu próprio partido – segundo garante o pitbul Reinaldo Azevedo. No final, porém, ela foi incorporada à coordenação de campanha presidencial, logo no setor de finanças, responsável por arrecadar recursos junto aos latifundiários. Esta medida do comando demotucano exala forte odor!
CPMI para as entidades ruralistas
Talvez seja o caso até de pensar numa nova CPMI, desta vez para apurar desvios de verbas das entidades ruralistas. Alguns casos escabrosos apareceram na própria comissão moribunda, com denúncias de contas irregulares de federações filiadas à CNA. Como responsável pelo setor de finanças, a senadora pode até cometer novos crimes – ela já foi acusada de usar caixa dois na sua campanha, além de grilagem de terras, devastação ambiental e exploração de trabalho escravo.
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terça-feira, 13 de julho de 2010
José Serra e o calendário Maia
Reproduzo artigo de Maurício Thuswohl, publicado no sítio Carta Maior:
“Quero agradecer a quem me colocou na política: o ex-prefeito Cesar Maia”. Feita pelo deputado federal Indio da Costa (DEM) assim que este soube que havia sido ungido ao posto de candidato a vice de José Serra (PSDB) na disputa pela Presidência da República, a declaração acima revela o nome daquele que pode se tornar o principal beneficiado pela comédia de erros em que se transformou a construção da chapa demotucana.
Considerado por muitos analistas como um político em irreversível decadência desde que deixou a Prefeitura do Rio de Janeiro com alto índice de rejeição entre os cariocas, Cesar Maia conseguiu, com a confirmação do nome de Indio da Costa, extrair da crise vivida pela pré-campanha de Serra a senha para sua sobrevivência no primeiro plano da política nacional pelos próximos anos e também lugar de comando no provável processo de reestruturação que será vivido pela direita em caso de nova vitória do PT nas próximas eleições presidenciais.
A movimentação política vitoriosa de Cesar, agora consolidada com a indicação de Indio, teve início assim que seu filho, o deputado federal Rodrigo Maia, assumiu a presidência nacional do PFL, que acabara de mudar seu nome para DEM e de substituir seus principais dirigentes numa tentativa de “rejuvenescer” o partido. Desde então, Rodrigo é o principal executor da estratégia do grupo político que gravita em torno dos Maia. Quando o PSDB anunciou à revelia do DEM que o vice de Serra seria o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), coube a Rodrigo o comando da blitz sobre a direção tucana que culminou com o surpreendente recuo e anúncio do nome de Indio.
Desde a divulgação pela imprensa do esquema de corrupção no Governo do Distrito Federal montado sob as bênçãos do então governador José Roberto Arruda, Serra nunca escondeu a vontade de tirar o DEM de sua chapa. Enquanto o sonho de ter Aécio Neves como vice ainda acontecia, não foi difícil para o comando do PSDB manter dóceis os demistas. Quando o não de Aécio ficou claro e a ficha caiu, Serra sacou do colete o discurso de que a presença do DEM na chapa poderia ser danosa devido ao recente episódio envolvendo Arruda. Foi nesse discurso, muito mais no que no propalado crescimento da votação no Paraná, que Serra se baseou para tentar impor à coligação o nome de Álvaro Dias.
Logo após o anúncio do nome de Dias, Rodrigo Maia soltou a já histórica exclamação: “A eleição nós já perdemos, não podemos perder o caráter”. Pessoas da entourage de Serra disseram que o ex-governador de São Paulo recebeu essas palavras como punhaladas que jamais esquecerá. Ainda assim, debaixo de toda a pressão do DEM, somada às críticas vindas de alguns grandes jornais e setores conservadores que o apóiam, Serra teve de recuar e aceitar a inevitabilidade de composição com o aliado histórico do PSDB.
Uma vez descartado Dias, durante uma reunião que terminou no início da manhã de 30 de junho, restava escolher o nome do DEM que comporia a chapa com José Serra. Mais uma vez, prevaleceu a vontade dos Maia e a tese de que o escolhido teria de ser jovem, mas com alguma bagagem política. Nesse momento, surgiram naturalmente nomes como os dos deputados federais Antônio Carlos Magalhães Neto (BA) e Paulo Bornhausen (SC), além do próprio Rodrigo Maia. No mesmo dia, durante um almoço em Brasília que reuniu diversas lideranças do PSDB e do DEM, o martelo foi batido e surgiu o surpreendente nome de Indio da Costa, carioca de 39 anos e deputado federal em primeiro mandato.
Ficha Limpa?
Um argumento usado pelos Maia em favor de Indio foi que, como relator do Projeto Ficha Limpa na Câmara, sua presença na chapa de Serra acabaria tendo sobre os eleitores um efeito contrário à temida associação com Arruda e “o mensalão do DEM”. Nem mesmo isso, no entanto, é 100% verdade, uma vez que Indio, quando era secretário municipal de Administração do Rio (durante a última gestão de Cesar Maia), foi alvo de uma CPI sobre o favorecimento de uma empresa em licitações para fornecimento de merenda escolar para a rede pública municipal.
Relatora da CPI na Câmara dos Vereadores do Rio, Andréa Gouvêa Vieira (PSDB) afirmou que a compra de R$ 75 milhões em merenda escolar, entre julho de 2005 e junho de 2006, beneficiou uma mesma empresa - a Comercial Milano - e causou prejuízo aos cofres do município: “O Indio promoveu uma ação entre amigos”, disse ao jornal O Globo a vereadora tucana assim que soube da indicação do ex-secretário. Andréa qualificou como “péssima” a escolha de Serra: “A gente desconfia de quem põe uma faixa e sai por aí dizendo que é ficha limpa”, disse, anunciando que não vai mais fazer campanha para Serra e sim “pedir licença e viajar”.
Primeiro escalão
Se, de um lado, Serra arranja encrenca nas fileiras do próprio partido a apenas três meses das eleições, de outro Cesar Maia deve estar esfregando as mãos de felicidade. Candidato ao Senado pelo DEM no Rio, ele aparece em primeiro lugar disparado nas pesquisas e pode dar sua eleição como quase certa, uma vez que dois senadores serão eleitos por cada estado em 2010. Rodrigo Maia, por sua vez, deve ter reeleição tranquila para a Câmara dos Deputados, ainda mais agora que não contará com a concorrência de Indio da Costa, que atua na mesmíssima faixa de eleitorado.
Resumo da ópera: os Maia parecem ter garantido seu lugar no primeiro escalão da política em Brasília pelos próximos anos e seu grupo político tem grandes chances de se consolidar como principal força interna nacional do DEM. Indio da Costa, por sua vez, só tem a ganhar sendo candidato a vice-presidente. Com a exposição nacional que sua figura terá, o jovem deputado se credencia, por exemplo, a ser candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro pelo DEM em 2012. E Serra? Bem, Serra ainda pode ser presidente. Mas, se perder as eleições, praticamente dará adeus a sua vida política.
Nova direita
Uma vitória da candidata Dilma Rousseff, que seria a terceira consecutiva do PT, certamente aprofundaria transformações na direita brasileira. Nessa reacomodação de forças, provavelmente deverá surgir uma direita que busque o rompimento definitivo de suas ligações com o velho coronelismo demista e com o privatismo tucano de primeira geração. Se velhas figuras como Jorge Bornhausen, Marco Maciel e a família Magalhães, entre outras, tendem a desaparecer definitivamente do centro do palco, o mesmo se pode dizer de um grupo “mais à esquerda”, formado por políticos como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Jarbas Vasconcellos e... José Serra.
De acordo com o calendário político traçado pelos Maia, tudo irá bem até 2014 com ou sem Serra na presidência. Cesar no Senado e Rodrigo na Câmara e na presidência do DEM indicarão ministros num eventual governo demotucano. Em caso de vitória de Dilma e novo governo petista, pai e filho podem permanecer atuantes na oposição e acumular cacife para disputar o Governo do Rio, ou, quem sabe, o lugar de vice numa possível chapa com o tucano Aécio Neves. Esta sim, na opinião dos Maia, é uma combinação capaz de vencer Dilma (ou Lula) em 2014. Para Serra, no entanto, o calendário Maia pode prever o fim do mundo já em 2010.
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“Quero agradecer a quem me colocou na política: o ex-prefeito Cesar Maia”. Feita pelo deputado federal Indio da Costa (DEM) assim que este soube que havia sido ungido ao posto de candidato a vice de José Serra (PSDB) na disputa pela Presidência da República, a declaração acima revela o nome daquele que pode se tornar o principal beneficiado pela comédia de erros em que se transformou a construção da chapa demotucana.
Considerado por muitos analistas como um político em irreversível decadência desde que deixou a Prefeitura do Rio de Janeiro com alto índice de rejeição entre os cariocas, Cesar Maia conseguiu, com a confirmação do nome de Indio da Costa, extrair da crise vivida pela pré-campanha de Serra a senha para sua sobrevivência no primeiro plano da política nacional pelos próximos anos e também lugar de comando no provável processo de reestruturação que será vivido pela direita em caso de nova vitória do PT nas próximas eleições presidenciais.
A movimentação política vitoriosa de Cesar, agora consolidada com a indicação de Indio, teve início assim que seu filho, o deputado federal Rodrigo Maia, assumiu a presidência nacional do PFL, que acabara de mudar seu nome para DEM e de substituir seus principais dirigentes numa tentativa de “rejuvenescer” o partido. Desde então, Rodrigo é o principal executor da estratégia do grupo político que gravita em torno dos Maia. Quando o PSDB anunciou à revelia do DEM que o vice de Serra seria o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), coube a Rodrigo o comando da blitz sobre a direção tucana que culminou com o surpreendente recuo e anúncio do nome de Indio.
Desde a divulgação pela imprensa do esquema de corrupção no Governo do Distrito Federal montado sob as bênçãos do então governador José Roberto Arruda, Serra nunca escondeu a vontade de tirar o DEM de sua chapa. Enquanto o sonho de ter Aécio Neves como vice ainda acontecia, não foi difícil para o comando do PSDB manter dóceis os demistas. Quando o não de Aécio ficou claro e a ficha caiu, Serra sacou do colete o discurso de que a presença do DEM na chapa poderia ser danosa devido ao recente episódio envolvendo Arruda. Foi nesse discurso, muito mais no que no propalado crescimento da votação no Paraná, que Serra se baseou para tentar impor à coligação o nome de Álvaro Dias.
Logo após o anúncio do nome de Dias, Rodrigo Maia soltou a já histórica exclamação: “A eleição nós já perdemos, não podemos perder o caráter”. Pessoas da entourage de Serra disseram que o ex-governador de São Paulo recebeu essas palavras como punhaladas que jamais esquecerá. Ainda assim, debaixo de toda a pressão do DEM, somada às críticas vindas de alguns grandes jornais e setores conservadores que o apóiam, Serra teve de recuar e aceitar a inevitabilidade de composição com o aliado histórico do PSDB.
Uma vez descartado Dias, durante uma reunião que terminou no início da manhã de 30 de junho, restava escolher o nome do DEM que comporia a chapa com José Serra. Mais uma vez, prevaleceu a vontade dos Maia e a tese de que o escolhido teria de ser jovem, mas com alguma bagagem política. Nesse momento, surgiram naturalmente nomes como os dos deputados federais Antônio Carlos Magalhães Neto (BA) e Paulo Bornhausen (SC), além do próprio Rodrigo Maia. No mesmo dia, durante um almoço em Brasília que reuniu diversas lideranças do PSDB e do DEM, o martelo foi batido e surgiu o surpreendente nome de Indio da Costa, carioca de 39 anos e deputado federal em primeiro mandato.
Ficha Limpa?
Um argumento usado pelos Maia em favor de Indio foi que, como relator do Projeto Ficha Limpa na Câmara, sua presença na chapa de Serra acabaria tendo sobre os eleitores um efeito contrário à temida associação com Arruda e “o mensalão do DEM”. Nem mesmo isso, no entanto, é 100% verdade, uma vez que Indio, quando era secretário municipal de Administração do Rio (durante a última gestão de Cesar Maia), foi alvo de uma CPI sobre o favorecimento de uma empresa em licitações para fornecimento de merenda escolar para a rede pública municipal.
Relatora da CPI na Câmara dos Vereadores do Rio, Andréa Gouvêa Vieira (PSDB) afirmou que a compra de R$ 75 milhões em merenda escolar, entre julho de 2005 e junho de 2006, beneficiou uma mesma empresa - a Comercial Milano - e causou prejuízo aos cofres do município: “O Indio promoveu uma ação entre amigos”, disse ao jornal O Globo a vereadora tucana assim que soube da indicação do ex-secretário. Andréa qualificou como “péssima” a escolha de Serra: “A gente desconfia de quem põe uma faixa e sai por aí dizendo que é ficha limpa”, disse, anunciando que não vai mais fazer campanha para Serra e sim “pedir licença e viajar”.
Primeiro escalão
Se, de um lado, Serra arranja encrenca nas fileiras do próprio partido a apenas três meses das eleições, de outro Cesar Maia deve estar esfregando as mãos de felicidade. Candidato ao Senado pelo DEM no Rio, ele aparece em primeiro lugar disparado nas pesquisas e pode dar sua eleição como quase certa, uma vez que dois senadores serão eleitos por cada estado em 2010. Rodrigo Maia, por sua vez, deve ter reeleição tranquila para a Câmara dos Deputados, ainda mais agora que não contará com a concorrência de Indio da Costa, que atua na mesmíssima faixa de eleitorado.
Resumo da ópera: os Maia parecem ter garantido seu lugar no primeiro escalão da política em Brasília pelos próximos anos e seu grupo político tem grandes chances de se consolidar como principal força interna nacional do DEM. Indio da Costa, por sua vez, só tem a ganhar sendo candidato a vice-presidente. Com a exposição nacional que sua figura terá, o jovem deputado se credencia, por exemplo, a ser candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro pelo DEM em 2012. E Serra? Bem, Serra ainda pode ser presidente. Mas, se perder as eleições, praticamente dará adeus a sua vida política.
Nova direita
Uma vitória da candidata Dilma Rousseff, que seria a terceira consecutiva do PT, certamente aprofundaria transformações na direita brasileira. Nessa reacomodação de forças, provavelmente deverá surgir uma direita que busque o rompimento definitivo de suas ligações com o velho coronelismo demista e com o privatismo tucano de primeira geração. Se velhas figuras como Jorge Bornhausen, Marco Maciel e a família Magalhães, entre outras, tendem a desaparecer definitivamente do centro do palco, o mesmo se pode dizer de um grupo “mais à esquerda”, formado por políticos como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Jarbas Vasconcellos e... José Serra.
De acordo com o calendário político traçado pelos Maia, tudo irá bem até 2014 com ou sem Serra na presidência. Cesar no Senado e Rodrigo na Câmara e na presidência do DEM indicarão ministros num eventual governo demotucano. Em caso de vitória de Dilma e novo governo petista, pai e filho podem permanecer atuantes na oposição e acumular cacife para disputar o Governo do Rio, ou, quem sabe, o lugar de vice numa possível chapa com o tucano Aécio Neves. Esta sim, na opinião dos Maia, é uma combinação capaz de vencer Dilma (ou Lula) em 2014. Para Serra, no entanto, o calendário Maia pode prever o fim do mundo já em 2010.
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Era Lula e as bases católicas do PT
Reproduzo interessante análise de Maria Inês Nassif, publicada no jornal Valor Econômico:
O PT foi fundado, em 1980, de uma costela dos movimentos populares ligados à Igreja da Teologia da Libertação. A ligação entre ambos, todavia, não é mais a mesma. Houve uma "despetização" desses movimentos. O setor progressista católico botou o pé para fora do partido que hoje está no governo da União e se move com mais desembaraço nos movimentos sociais do que fora do circuito de poder, e nos movimentos políticos suprapartidários, como o que resultou na aprovação do projeto Ficha Limpa, no dia 19 de maio.
As bases católicas progressistas ainda votam de forma majoritária no PT, mas não se misturam com o partido e são proporcionalmente menores que nos anos 80 e 90. Primeiro, porque a própria instituição perdeu a sua centralidade, com a redemocratização. "Nos anos 70 e 80, a Igreja era o guarda-chuva para a sociedade civil na defesa de direitos, um abrigo para os movimentos sociais e um centro de atividade política. Quando abriu o regime, não precisou mais exercer esse papel, porque floresceram outras institucionalidades", analisa o padre José Oscar Beozzo, da Teologia da Libertação - o veio de reflexão da Igreja de esquerda latino-americana que foi condenado à proscrição nos papados de João Paulo II e Bento XVI, acusado de tendências materialistas, mas que resiste nas bases sociais católicas de forma mais tímida e "de cabelos mais brancos", segundo Beozzo, e com mais dificuldades de reposição de quadros, na opinião de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, um de seus teóricos.
Na democracia, a atividade partidária não precisa estar mais abrigada na Igreja, nem a Igreja tem a obrigação de ser o grande protagonista de movimentos políticos civis: "No movimento do Ficha Limpa, houve um trabalho conjunto com setores laicos. É melhor trabalhar assim", afirma Beozzo. "Sem a capilaridade da Igreja, dificilmente o movimento conseguiria reunir 1,6 milhão de assinaturas para a proposta de iniciativa popular", relativiza o juiz Márlon Reis, um dos organizadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
De outro lado, também foi gradativamente se reduzindo o espaço de atuação da Igreja progressista nas bases sociais. Isto se deve à evasão dos setores mais pobres das igrejas católicas, que rumam celeremente para templos evangélicos, e à política sistemática de esvaziamento dos setores católicos progressistas por Roma. A igreja da Teologia da Libertação ocupa um espaço, junto às classes menos favorecidas, a que os tradicionalistas não conseguem acesso. Quando esse setor tem seu acesso reduzido a estas bases, a adesão ao catolicismo também diminui.
Segundo o Censo Demográfico do IBGE, 89,2% declaravam filiação ao catolicismo em 1980; em 2000, eram 73,8%. Em 1990, esse índice era de 83% - um ritmo de queda muito aproximado a 1% ao ano nos dez anos seguintes. As religiões evangélicas eram a opção de 6,7% da população em 1980; já trafegavam numa faixa de 15,4% dos brasileiros em 2000. Segundo dados do Censo, subiu de 1,6% para 7,3% os brasileiros que se declaram sem religião.
O IBGE parece confirmar a teoria de Frei Betto em relação à origem dos que saem do catolicismo em direção às igrejas evangélicas: enquanto, na população total, 73,8% se declaravam católicos no Censo de 2000, esse número subia para 80% nas regiões mais ricas e entre pessoas de maior escolaridade.
Segundo Beozzo, a Igreja Católica encolheu nas comunidades onde viscejava o trabalho pastoral da igreja progressista. "Hoje a igreja é minoritária nas comunidades. Para cada três igrejas católicas, existem 40 pentecostais." Além da perda de fiéis para as igrejas católicas nas periferias urbanas, a Igreja católica tem perdido também para os que se declararam sem religião. É a "desafeição no campo religioso" a que se refere Beozzo.
Para Frei Betto, todavia, as perdas respondem diretamente à ofensiva da hierarquia católica contra a Teologia da Libertação. Essa é uma posição que foi expressa também pelo bispo emérito de Porto Velho, dom Moacyr Greghi, na 12ªInterclesial, no ano passado, quando as comunidades eclesiais de base surpreenderam ao reunir cerca de 3 mil delegados num encontro cujo tema era "CEBs: Ecologia e Missão - Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia". "Onde existirem as CEBs, os evangélicos não entram e os católicos não saem de nossa igreja", discursou dom Moacyr.
Segundo teólogos, padres e especialistas ouvidos pelo Valor, processos simultâneos mudaram as feições da ação política da igreja. A alta hierarquia católica fechou o cerco contra a Teologia da Libertação, quase que simultaneamente à redemocratização do país e à emergência de instâncias livres de participação democrática - partidos, sindicatos, organizações não-governamentais e movimentos organizados.
O PT, principal beneficiário dos movimentos de base da Igreja, se autonomizou e absorveu quadros originários das CEBs, das pastorais e das ações católicas especializadas (JEC e JUC, por exemplo). Ao tornar-se poder, pelo voto, incorporou lideranças católicas, mas também decepcionou movimentos que estavam à esquerda do que o partido conseguia ir administrando o país e mediando interesses de outras classes sociais. "As bases estão insatisfeitas, mas têm medo de fazer o jogo da oposição, que está à direita do governo", analisa Frei Betto. "Tem uma parte dessa militância que tem pavor da volta do governo tucano", relata o candidato do P-SOL à Presidência, Plínio de Arruda Sampaio.
O espaço do PT nas bases católicas ficou menor depois da ascensão do partido ao poder e da crise do chamado Escândalo do Mensalão, em 2005 - quando foi denunciado um esquema de formação de caixa 2 de campanha dentro do partido. Hoje, a relação dos católicos progressistas com a legenda não é mais obrigatória e os militantes de movimentos católicos de base são menos mobilizados e em menor número. Os partidos de esquerda acabaram incorporando um contingente da base católica que continua partidarizada, embora o PT ainda seja majoritário.
"O PT continua sendo o partido que tem mais preferência dos militantes das Comunidades Eclesiais de Base, mas existem partidários do P-SOL e tem gente que saiu do PT para militar com a Marina Silva, do Partido Verde", conta o padre Benedito Ferraço, um ativo militante . Em alguns Estados, como o Maranhão, onde existia uma militância histórica do antigo MDB autêntico, da época da ditadura, ainda se encontram bases católicas progressistas pemedebistas, segundo padre Ferraço.
O candidato do P-SOL, Plínio de Arruda Sampaio, que milita junto a setores da Igreja na defesa da reforma agrária - e assessora a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sobre o tema - tem a adesão de líderes de movimentos da Igreja ligados à questão agrária. Contabiliza o apoio do ex-presidente da Comissão Pastoral da Terra, o bispo emérito Dom Tomás Balduíno. Marina - que, embora tenha abraçado a religião evangélica, tem na sua origem política a militância nas CEBs - recebeu a adesão do guru da Teologia da Libertação, Leonardo Boff.
Na avaliação do ex-vereador Francisco Whitaker, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, as bases da igreja progressista têm saído da militância petista, mas engrossam mais as fileiras dos "sem-partido" do que propriamente as legendas mais à esquerda ou opções mais radicais pela ecologia, embora isso aconteça. "Hoje, a militância partidária é apenas uma das possibilidades", afirma Whitaker, que foi um dos líderes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral que esteve à frente da campanha pelo projeto dos Ficha Limpa.
Whitaker e Frei Betto - este, junto com Boff, é um dos expoentes da Teologia da Libertação - apontam também um outro fator para a "despetização" das bases da Igreja: a absorção de quadros originários das CEBs e das pastorais sociais pelo próprio governo. "O movimento de base foi muito desarticulado, ou porque os seus líderes foram cooptados pelo governo do PT, ou porque foram incorporados à máquina partidária", diz Frei Betto. Isso quer dizer que o militante católico absorvido pelas máquinas partidárias e do governo deixou de ser militante e passou a ser preferencialmente um quadro petista.
A incorporação à máquina não é apenas a cargos de confiança em Brasília. "As representações estaduais do Incra e da Funasa, por exemplo, absorveram muita gente que veio dos movimentos de base da Igreja Católica", conta Frei Betto. Também a máquina burocrática do partido atraiu os militantes que antes atuavam nas bases comunitárias de influência católica.
A "laicaização" do PT foi mais profunda, todavia, após 2005. "O mensalão bateu forte nas bases católicas", avalia Whitaker. Sob o impacto do escândalo, centenas de militantes petistas aproveitaram o Fórum Social Mundial, que naquela ano acontecia em Porto Alegre, para anunciar a primeira debandada organizada de descontentes, que saíram denunciando a assimilação, pelo PT, das "práticas e a maneira de fazer política usuais no Brasil", conforme carta aberta divulgada por Whitaker.
"Eu tomei a decisão de integrar o partido dos sem-partido", conta o ex-vereador. A aposta, naquele momento, era que esses dissidentes criassem um forte partido ligado à esquerda católica. O P-SOL nasceu, mas pequeno e fraco - uma reedição, em tamanho reduzido, da aliança entre esquerda católica e grupos marxistas que, 15 anos antes, havia criado o PT.
Os "sem-partido", no cálculo de quem saiu, são em maior número. Whitaker chama essa "despetização" de "saída para a sociedade": o contingente se incorporou ao movimento dos Ficha Limpa, agora reforça a briga pela aprovação da Emenda Constitucional de combate ao trabalho escravo e tem atuação na luta pela reforma agrária. Tem forte atuação também - e quase definitiva - na organização dos Fóruns Sociais Mundiais (FSM) que ocorrem todo ano, de forma quase simultânea ao Fórum Econômico Mundial de Davos, como uma opção de debate econômico dos excluídos das generosidades do capitalismo mundial. Exercem uma militância de certa forma invisível na política institucional, mas muito atuante nas bases, de questionamento da legitimidade das dívidas interna e externa.
O secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Daniel Seidel, afirma que esse setor católico vive hoje em estado de ebulição, depois de um período de recuo, imposto especialmente pela ofensiva de Roma contra os setores mais progressistas da Igreja da América Latina. No caso brasileiro, esse novo período de eferverscência é atribuído a Dom Dimas Lara, secretário-geral da CNBB, de um lado; e de outro lado, ao papel desempenhado pelas Assembleias Populares, um formato de organização das bases mobilizadas da Igreja. As Assembleias têm definido uma ação política fora dos partidos e engrossado as mobilizações dos movimentos populares. São um espaço para onde tem convergido a atuação da Igreja cidadã: é onde se definem questões de atuação conjunta com outras igrejas, leigos, movimentos sociais e partidos políticos, embora jamais vinculados a eles.
Embora a "saída para a sociedade" tenha se dado num quadro de frustração com o governo, existe cautela em relação a ações contra o governo Lula. "Tem uma parte das bases católicas que acha que, ruim com ele (Lula), pior sem ele. Essa parte tem pavor da volta de um governo tucano", analisa Arruda Sampaio. "Embora as bases estejam insatisfeitas, têm medo de denunciar o governo e fazer o jogo da oposição", diz Frei Betto. Isso ocorre também com os movimentos sociais que já estão descolados da Igreja, como o MST, que foram criminalizados nos governos de FHC, não concordam com os rumos tomados pelos governos de Lula, mas ainda assim preferem a administração petista, numa situação eleitoral de polarização entre o PT e o PSDB.
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O PT foi fundado, em 1980, de uma costela dos movimentos populares ligados à Igreja da Teologia da Libertação. A ligação entre ambos, todavia, não é mais a mesma. Houve uma "despetização" desses movimentos. O setor progressista católico botou o pé para fora do partido que hoje está no governo da União e se move com mais desembaraço nos movimentos sociais do que fora do circuito de poder, e nos movimentos políticos suprapartidários, como o que resultou na aprovação do projeto Ficha Limpa, no dia 19 de maio.
As bases católicas progressistas ainda votam de forma majoritária no PT, mas não se misturam com o partido e são proporcionalmente menores que nos anos 80 e 90. Primeiro, porque a própria instituição perdeu a sua centralidade, com a redemocratização. "Nos anos 70 e 80, a Igreja era o guarda-chuva para a sociedade civil na defesa de direitos, um abrigo para os movimentos sociais e um centro de atividade política. Quando abriu o regime, não precisou mais exercer esse papel, porque floresceram outras institucionalidades", analisa o padre José Oscar Beozzo, da Teologia da Libertação - o veio de reflexão da Igreja de esquerda latino-americana que foi condenado à proscrição nos papados de João Paulo II e Bento XVI, acusado de tendências materialistas, mas que resiste nas bases sociais católicas de forma mais tímida e "de cabelos mais brancos", segundo Beozzo, e com mais dificuldades de reposição de quadros, na opinião de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, um de seus teóricos.
Na democracia, a atividade partidária não precisa estar mais abrigada na Igreja, nem a Igreja tem a obrigação de ser o grande protagonista de movimentos políticos civis: "No movimento do Ficha Limpa, houve um trabalho conjunto com setores laicos. É melhor trabalhar assim", afirma Beozzo. "Sem a capilaridade da Igreja, dificilmente o movimento conseguiria reunir 1,6 milhão de assinaturas para a proposta de iniciativa popular", relativiza o juiz Márlon Reis, um dos organizadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
De outro lado, também foi gradativamente se reduzindo o espaço de atuação da Igreja progressista nas bases sociais. Isto se deve à evasão dos setores mais pobres das igrejas católicas, que rumam celeremente para templos evangélicos, e à política sistemática de esvaziamento dos setores católicos progressistas por Roma. A igreja da Teologia da Libertação ocupa um espaço, junto às classes menos favorecidas, a que os tradicionalistas não conseguem acesso. Quando esse setor tem seu acesso reduzido a estas bases, a adesão ao catolicismo também diminui.
Segundo o Censo Demográfico do IBGE, 89,2% declaravam filiação ao catolicismo em 1980; em 2000, eram 73,8%. Em 1990, esse índice era de 83% - um ritmo de queda muito aproximado a 1% ao ano nos dez anos seguintes. As religiões evangélicas eram a opção de 6,7% da população em 1980; já trafegavam numa faixa de 15,4% dos brasileiros em 2000. Segundo dados do Censo, subiu de 1,6% para 7,3% os brasileiros que se declaram sem religião.
O IBGE parece confirmar a teoria de Frei Betto em relação à origem dos que saem do catolicismo em direção às igrejas evangélicas: enquanto, na população total, 73,8% se declaravam católicos no Censo de 2000, esse número subia para 80% nas regiões mais ricas e entre pessoas de maior escolaridade.
Segundo Beozzo, a Igreja Católica encolheu nas comunidades onde viscejava o trabalho pastoral da igreja progressista. "Hoje a igreja é minoritária nas comunidades. Para cada três igrejas católicas, existem 40 pentecostais." Além da perda de fiéis para as igrejas católicas nas periferias urbanas, a Igreja católica tem perdido também para os que se declararam sem religião. É a "desafeição no campo religioso" a que se refere Beozzo.
Para Frei Betto, todavia, as perdas respondem diretamente à ofensiva da hierarquia católica contra a Teologia da Libertação. Essa é uma posição que foi expressa também pelo bispo emérito de Porto Velho, dom Moacyr Greghi, na 12ªInterclesial, no ano passado, quando as comunidades eclesiais de base surpreenderam ao reunir cerca de 3 mil delegados num encontro cujo tema era "CEBs: Ecologia e Missão - Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia". "Onde existirem as CEBs, os evangélicos não entram e os católicos não saem de nossa igreja", discursou dom Moacyr.
Segundo teólogos, padres e especialistas ouvidos pelo Valor, processos simultâneos mudaram as feições da ação política da igreja. A alta hierarquia católica fechou o cerco contra a Teologia da Libertação, quase que simultaneamente à redemocratização do país e à emergência de instâncias livres de participação democrática - partidos, sindicatos, organizações não-governamentais e movimentos organizados.
O PT, principal beneficiário dos movimentos de base da Igreja, se autonomizou e absorveu quadros originários das CEBs, das pastorais e das ações católicas especializadas (JEC e JUC, por exemplo). Ao tornar-se poder, pelo voto, incorporou lideranças católicas, mas também decepcionou movimentos que estavam à esquerda do que o partido conseguia ir administrando o país e mediando interesses de outras classes sociais. "As bases estão insatisfeitas, mas têm medo de fazer o jogo da oposição, que está à direita do governo", analisa Frei Betto. "Tem uma parte dessa militância que tem pavor da volta do governo tucano", relata o candidato do P-SOL à Presidência, Plínio de Arruda Sampaio.
O espaço do PT nas bases católicas ficou menor depois da ascensão do partido ao poder e da crise do chamado Escândalo do Mensalão, em 2005 - quando foi denunciado um esquema de formação de caixa 2 de campanha dentro do partido. Hoje, a relação dos católicos progressistas com a legenda não é mais obrigatória e os militantes de movimentos católicos de base são menos mobilizados e em menor número. Os partidos de esquerda acabaram incorporando um contingente da base católica que continua partidarizada, embora o PT ainda seja majoritário.
"O PT continua sendo o partido que tem mais preferência dos militantes das Comunidades Eclesiais de Base, mas existem partidários do P-SOL e tem gente que saiu do PT para militar com a Marina Silva, do Partido Verde", conta o padre Benedito Ferraço, um ativo militante . Em alguns Estados, como o Maranhão, onde existia uma militância histórica do antigo MDB autêntico, da época da ditadura, ainda se encontram bases católicas progressistas pemedebistas, segundo padre Ferraço.
O candidato do P-SOL, Plínio de Arruda Sampaio, que milita junto a setores da Igreja na defesa da reforma agrária - e assessora a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sobre o tema - tem a adesão de líderes de movimentos da Igreja ligados à questão agrária. Contabiliza o apoio do ex-presidente da Comissão Pastoral da Terra, o bispo emérito Dom Tomás Balduíno. Marina - que, embora tenha abraçado a religião evangélica, tem na sua origem política a militância nas CEBs - recebeu a adesão do guru da Teologia da Libertação, Leonardo Boff.
Na avaliação do ex-vereador Francisco Whitaker, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, as bases da igreja progressista têm saído da militância petista, mas engrossam mais as fileiras dos "sem-partido" do que propriamente as legendas mais à esquerda ou opções mais radicais pela ecologia, embora isso aconteça. "Hoje, a militância partidária é apenas uma das possibilidades", afirma Whitaker, que foi um dos líderes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral que esteve à frente da campanha pelo projeto dos Ficha Limpa.
Whitaker e Frei Betto - este, junto com Boff, é um dos expoentes da Teologia da Libertação - apontam também um outro fator para a "despetização" das bases da Igreja: a absorção de quadros originários das CEBs e das pastorais sociais pelo próprio governo. "O movimento de base foi muito desarticulado, ou porque os seus líderes foram cooptados pelo governo do PT, ou porque foram incorporados à máquina partidária", diz Frei Betto. Isso quer dizer que o militante católico absorvido pelas máquinas partidárias e do governo deixou de ser militante e passou a ser preferencialmente um quadro petista.
A incorporação à máquina não é apenas a cargos de confiança em Brasília. "As representações estaduais do Incra e da Funasa, por exemplo, absorveram muita gente que veio dos movimentos de base da Igreja Católica", conta Frei Betto. Também a máquina burocrática do partido atraiu os militantes que antes atuavam nas bases comunitárias de influência católica.
A "laicaização" do PT foi mais profunda, todavia, após 2005. "O mensalão bateu forte nas bases católicas", avalia Whitaker. Sob o impacto do escândalo, centenas de militantes petistas aproveitaram o Fórum Social Mundial, que naquela ano acontecia em Porto Alegre, para anunciar a primeira debandada organizada de descontentes, que saíram denunciando a assimilação, pelo PT, das "práticas e a maneira de fazer política usuais no Brasil", conforme carta aberta divulgada por Whitaker.
"Eu tomei a decisão de integrar o partido dos sem-partido", conta o ex-vereador. A aposta, naquele momento, era que esses dissidentes criassem um forte partido ligado à esquerda católica. O P-SOL nasceu, mas pequeno e fraco - uma reedição, em tamanho reduzido, da aliança entre esquerda católica e grupos marxistas que, 15 anos antes, havia criado o PT.
Os "sem-partido", no cálculo de quem saiu, são em maior número. Whitaker chama essa "despetização" de "saída para a sociedade": o contingente se incorporou ao movimento dos Ficha Limpa, agora reforça a briga pela aprovação da Emenda Constitucional de combate ao trabalho escravo e tem atuação na luta pela reforma agrária. Tem forte atuação também - e quase definitiva - na organização dos Fóruns Sociais Mundiais (FSM) que ocorrem todo ano, de forma quase simultânea ao Fórum Econômico Mundial de Davos, como uma opção de debate econômico dos excluídos das generosidades do capitalismo mundial. Exercem uma militância de certa forma invisível na política institucional, mas muito atuante nas bases, de questionamento da legitimidade das dívidas interna e externa.
O secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Daniel Seidel, afirma que esse setor católico vive hoje em estado de ebulição, depois de um período de recuo, imposto especialmente pela ofensiva de Roma contra os setores mais progressistas da Igreja da América Latina. No caso brasileiro, esse novo período de eferverscência é atribuído a Dom Dimas Lara, secretário-geral da CNBB, de um lado; e de outro lado, ao papel desempenhado pelas Assembleias Populares, um formato de organização das bases mobilizadas da Igreja. As Assembleias têm definido uma ação política fora dos partidos e engrossado as mobilizações dos movimentos populares. São um espaço para onde tem convergido a atuação da Igreja cidadã: é onde se definem questões de atuação conjunta com outras igrejas, leigos, movimentos sociais e partidos políticos, embora jamais vinculados a eles.
Embora a "saída para a sociedade" tenha se dado num quadro de frustração com o governo, existe cautela em relação a ações contra o governo Lula. "Tem uma parte das bases católicas que acha que, ruim com ele (Lula), pior sem ele. Essa parte tem pavor da volta de um governo tucano", analisa Arruda Sampaio. "Embora as bases estejam insatisfeitas, têm medo de denunciar o governo e fazer o jogo da oposição", diz Frei Betto. Isso ocorre também com os movimentos sociais que já estão descolados da Igreja, como o MST, que foram criminalizados nos governos de FHC, não concordam com os rumos tomados pelos governos de Lula, mas ainda assim preferem a administração petista, numa situação eleitoral de polarização entre o PT e o PSDB.
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Cenário "pós-Lula" é invenção da mídia
Reproduzo artigo de João Sicsú, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea. Intitulado “Re-visões do desenvolvimento”, o excelente texto foi publicado na revista Inteligência:
Os últimos 20 anos marcaram a disputa de dois projetos para o Brasil. Há líderes, aliados e bases sociais que personificam essa disputa. De um lado estão o presidente Lula, o PT, o PC do B, alguns outros partidos políticos, intelectuais e os movimentos sociais. Do outro, estão o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o PSDB, o DEM, o PPS, o PV, organismos multilaterais (o Banco Mundial e o FMI), divulgadores midiáticos de opiniões conservadoras e quase toda a mídia dirigida por megacorporações.
O projeto de desenvolvimento liderado pelo presidente Lula se tornou muito mais claro no seu segundo mandato – quando realizações e ações de governo se tornaram mais nítidas. O primeiro mandato estava contaminado por “heranças” do período FHC. Eram “heranças” objetivas, tal como a aguda vulnerabilidade externa, e “heranças” subjetivas, ou seja, ideias conservadoras permaneceram em alguns postos-chave do governo.
O presidente Lula fez mudanças importantes no seu segundo mandato: trocou o comando de alguns ministérios e de instituições públicas. E, também, implementou programas e políticas claramente opostos à concepção do seu antecessor. Um exemplo foi o lançamento, no início de 2007, do Programa de Aceleração do Crescimento (o PAC), muito criticado pelos oposicionistas, mas que foi a marca da virada para um projeto de governo com contornos mais desenvolvimentistas.
Os projetos em disputa
O projeto desenvolvimentista estabelece como pilar central o crescimento. Mas, diferentemente de uma visão “crescimentista” que busca o crescimento econômico sem critérios, objetivos ou limites, o projeto liderado pelo presidente Lula busca, acima de tudo, o crescimento social do indivíduo, portanto, é um projeto desenvolvimentista – além de ser ambientalmente sustentável e independente no plano internacional. Já o projeto implementado pelo PSDB pode ser caracterizado como um projeto estagnacionista, que aprofundou vulnerabilidades sociais e econômicas.
O projeto desenvolvimentista tem balizadores econômicos e objetivos sociais. Os balizadores são: (1) manutenção da inflação em níveis moderados; (2) administração fiscal que busca o equilíbrio das contas públicas associado a programas de realização de obras de infraestrutura e a políticas anticíclicas; (3) redução da vulnerabilidade externa e algum nível de administração cambial; (4) ampliaçãodo crédito; e (5) aumento do investimento público e privado.
E os objetivos econômico-sociais do projeto desenvolvimentista são: (1) geração de milhões de empregos com carteira assinada; (2) melhoria da distribuição da renda; e (3) recuperação real do salário mínimo.
O projeto implementado pelo PSDB e seus aliados no período 1995-2002 tinha as seguintes bases econômicas: (1) estabilidade econômica, que era sinônimo, exclusivamente, de estabilidade monetária, ou seja, o controle da inflação era o único objetivo macroeconômico; (2) abertura financeira ao exterior e culto às variações da taxa de câmbio como a maior qualidade de um regime cambial; (3) busca do equilíbrio fiscal como valor moral ou como panaceia, o que justificava corte de gastos em áreas absolutamente essenciais; e (4) privatização de empresas públicas sem qualquer olhar estratégico de desenvolvimento.
E os objetivos econômico-sociais eram: (1) desmantelamento do sistema público de seguridade social; (2) criação de programas assistenciais fragmentados e superfocalizados; e (3) desmoralização e desmobilização do serviço público.
Os resultados da aplicação do modelo desenvolvimentista são muito bons quando comparados com aqueles alcançados pelo projeto aplicado pelo PSDB e seus aliados. Contudo, ainda estão distantes das necessidades e potencialidades da economia e da sociedade brasileiras. Logo, tal modelo precisa ser aperfeiçoado – e muito.
Só há, portanto, dois projetos em disputa e um único cenário de embate político real. Não há o cenário chamado por alguns de pós-Lula. Sumariando, o pós-Lula seria o seguinte: o presidente Lula governou, acertou e errou... Mas o mais importante seria que o governo acabou e o presidente Lula não é candidato. Agora, estaríamos caminhando para uma nova fase em que não há sentido estabelecer comparações e posições em relação ao governo do presidente Lula. Em outras palavras, não caberia avaliar o governo Lula comparando-o com os seus antecessores e, também, nenhum candidato deveria ocupar a situação de oposição ou situação. O termo oposição deveria ser usado pelo PSDB com um único sentido: “oposição a tudo o que está errado” – e não oposição ao governo e ao projeto do presidente Lula.
O pseudocenário pós-Lula
O esforço da grande mídia para criar esse cenário se torna evidente quando apresentam os principais candidatos à Presidência. A candidata Dilma é apresentada como: “a ex-ministra Dilma Rousseff, candidata à Presidência...” ou “a candidata do PT Dilma Rousseff...”. Jamais apresentam a candidata Dilma como a candidata do governo ou do presidente Lula. E Serra e Marina não são apresentados como candidatos da oposição, mas sim como candidatos dos seus respectivos partidos políticos. Curioso é que esses mesmos veículos de comunicação quando tratam, por exemplo, das eleições na Colômbia se referem a candidatos do governo e da oposição.
No cenário pós-Lula, projetos aplicados e testados se tornam abstrações e o suposto preparo dos candidatos para ocupar o cargo de presidente se transforma em critério objetivo. Unicamente em casos muito extremos é que podemos, a priori, afirmar algo sobre o preparo de um candidato para ocupar determinado cargo executivo.
Em geral, somente é possível saber se alguém é bem ou mal preparado após a sua gestão. Afinal, o PSDB e seus aliados sempre afirmaram que o sociólogo poliglota era mais preparado do que o metalúrgico monoglota. Rumos da economia são resultados de decisões políticas balizadas por projetos de desenvolvimento que ocorrem em situações conjunturais concretas. Situações específicas e projetos de desenvolvimento abrem ao presidente um conjunto de possibilidades. Saber escolher a melhor opção é a qualidade daquele que está bem preparado, mas isso somente pode ser avaliado posteriormente. O cenário pós-Lula e a disputa em torno de critérios de preparo representam tentativas de despolitizar o período eleitoral que é o momento que deveria preceder o voto na mudança ou na continuidade.
O voto dado com consciência política é sempre um voto pela mudança ou pela continuidade. Portanto, a tentativa de construir um cenário pós-Lula tem o objetivo de despolitizar o voto, isto é, retirar do voto a sua possibilidade de fazer história. Tentam “vender” a ideia de que a história é feita pela própria história, em um processo espontâneo, e que caberia ao eleitor escolher o melhor “administrador” da “vida que segue”.
No cenário pós-Lula, o eleitor se torna uma vítima do processo, apenas com a capacidade de decidir o “administrador”, sua capacidade verdadeira de ser autor da história é suprimida. A construção de um cenário pós-Lula é a única alternativa do PSDB e de seus aliados, já que comparações de realizações têm números bastante confortáveis a favor do projeto do presidente Lula quando comparados com as (não) realizações do presidente Fernando Henrique Cardoso.
O crescimento e os objetivos macroeconômicos
A taxa de crescimento do PIB a partir de 2006 se tornou mais elevada. O crescimento a partir daquele ano trouxe uma característica de qualidade e durabilidade temporal: a taxa de crescimento do investimento se tornou, pelo menos, o dobro da taxa de crescimento de toda a economia. Para evitar que o crescimento tenha o formato de um “voo de galinha” economias devem buscar, de um lado, reduzir suas vulnerabilidades e, de outro, elevar a sua taxa de investimento: mais investimento, hoje, representa mais investimento e mais crescimento, amanhã.
A taxa de crescimento esperada do investimento (público + privado) em 2010 é de mais de 18%. O investimento público, considerados os gastos feitos pela União e pelas estatais federais, alcançará mais de 3% do PIB neste ano. O presidente FHC teria de governar o Brasil por aproximadamente 14 anos para fazer o crescimento que o presidente Lula fez em oito anos, ou seja, somente teríamos em 2016 o PIB que vamos alcançar ao final de 2010 se o país tivesse sido governado pelo PSDB desde 1995.
O crédito se ampliou drasticamente na economia brasileira nos últimos anos. Em 2003, representava menos que 23% do PIB. Em 2009, alcançou mais de 46% do PIB. O crédito se amplia quando potenciais credores e devedores se sentem seguros para realizar o empréstimo. Os devedores, que são aposentados, pensionistas, trabalhadores e empresas, vão aos bancos pedir um empréstimo quando avaliam que poderão honrar seus compromissos futuros. Aos olhos das empresas, a sensação de segurança sobre o futuro aumenta quando esperam crescimento das suas vendas e, portanto, elevação de suas receitas. Empresas mais otimistas fazem mais empréstimos. E, tanto para empresários quanto para trabalhadores, é o ambiente de crescimento econômico que propicia a formação de cenários otimistas em relação ao futuro.
O ânimo para que trabalhadores, aposentados e pensionistas fossem aos bancos nesses últimos anos pedir empréstimos sofreu duas influências. De um lado, houve a inovação institucional do crédito consignado que deu garantias aos bancos e reduziu a taxa de juros dos empréstimos (que, aliás, é ainda muito alta) e, de outro, a criação de milhões e milhões de empregos com carteira assinada. Com a carteira assinada, o trabalhador, além de se sentir mais seguro, cumpre o requisito formal para ir ao banco pedir um empréstimo. A carteira assinada oferece segurança econômica e sentimento de cidadania.
Cabe, ainda, ser mencionado que os bancos públicos foram instrumentos preciosos para que o crescimento dos anos recentes fosse acompanhado por um aumento vigoroso do crédito. O crescimento, o aumento do investimento e a ampliação do crédito foram alcançados em um ambiente macroeconômico organizado, isto é, inflação controlada, dívida líquida do setor público monitorada de forma responsável e redução da vulnerabilidade externa.
A inflação do período 1995-2003 resultava exatamente da fraqueza externa da economia brasileira. Crises desvalorizavam abruptamente a taxa de câmbio que transmitia uma pressão altista para os preços. Ademais, nesse período os preços administrados subiam a uma velocidade que era o dobro da velocidade dos preços livres. Diferentemente, a inflação dos dias de hoje é causada por pressões pontuais. Há, contudo, um aumento de preços que tem pressionado de forma mais permanente a inflação: é o aumento dos preços de bebidas e alimentos. Políticas específicas e criativas para dissolver essa pressão devem ser implementadas.
Entretanto, cabe ser ressaltado que esse tipo específico de inflação se incorporou à economia brasileira devido ao tipo de crescimento que o modelo adotou. Um crescimento com forte distribuição da renda provoca necessariamente aumento acentuado das compras de bebidas e alimentos. A dívida líquida do setor público, como proporção do PIB, cresceu de uma média, por ano, no primeiro mandato do presidente FHC de 32,3% para 50,7% no seu segundo governo. A média esperada dessa relação no segundo mandato do presidente Lula é de 42,7%.
A dívida externa foi anulada e a dívida interna dolarizada, zerada. As reservas internacionais que auxiliam na redução da vulnerabilidade externa, hoje, estão em patamar superior a US$ 250 bilhões. No seu segundo mandato, o presidente FHC matinha acumulado em média um montante inferior a US$ 36 bilhões.
Os objetivos socioeconômicos
O crescimento alcançado nos últimos anos tem uma evidente característica de maior qualidade social. Nos oito anos correspondentes aos governos de FHC foram criados somente 1.260.000 empregos com carteira assinada. O governo Lula terá criado de 2003 ao final de 2010 mais que 10.500.000 empregos. Portanto, FHC teria de governar o Brasil por 64 anos para atingir a marca do presidente Lula, ou seja, o PSDB teria de governar o Brasil de 1995 a 2058 para que pudesse criar a mesma quantidade de empregos com carteira criados com a implementação do projeto de desenvolvimento do presidente Lula.
O salário mínimo (SM) é um elemento-chave do objetivo de fazer a economia crescer e distribuir renda. Ele estabelece o piso da remuneraçãodo mercado formal de trabalho, influencia as remunerações do mercado informal e decide o benefício mínimo pago pela Previdência Social. Portanto, a política de recuperação do salário mínimo, além da política de ampliação do crédito, tem sido decisiva para democratizar o acesso ao mercado de bens de consumo. O presidente FHC teria de governar o Brasil por mais 12 anos para alcançar o patamar de recuperação atingido pelo presidente Lula para o SM, ou seja, somente em 2015 o trabalhador receberia o salário mínimo que recebe hoje se o Brasil tivesse sido governado pelo PSDB desde 1995. Em paralelo à criação de empregos com carteira assinada e à política de recuperação do salário mínimo, a ampliação da cobertura e do valor dos benefícios pagos pelo Sistema de Seguridade Social deve ser considerada decisiva dentro do projeto desenvolvimentista.
Em média por mês, durante os dois mandatos do presidente FHC, foram pagos 18 milhões de benefícios. De 2003 a 2009 foram pagos, em média, mais que 24 milhões de benefícios por mês. O valor dos benéficos no segundo mandato do presidente Lula é, em média, 36% maior em termos reais do que era no primeiro mandato do presidente FHC. O Sistema de Seguridade Social brasileiro é um importante elemento que promove crescimento com desenvolvimento porque, por um lado, reduz vulnerabilidades e desigualdades sociais e, por outro, injeta recursos na economia que se transformam diretamente em consumo. Aquele que recebe um benefício previdenciário ou social gasta quase tudo o que recebe imediatamente, gerando consumo, empregos, produção e investimentos.
Em 1995, o montante monetário dos benefícios emitidos ao longo do ano foi de aproximadamente R$ 80 bilhões; em 2009, esse montante alcançou mais que R$ 319 bilhões (ambos os valores corrigidos de acordo com o INPC para os dias de hoje). Nos cálculos referidos anteriormente não estão incluídos os pagamentos feitos pelo programa Bolsa Família, que tem orçamento muito inferior ao Sistema de Seguridade Social. Esse programa precisa ser ampliado para se tornar um elemento mais poderoso do projeto de desenvolvimento. Em 2009, alcançou 12,4 milhões de famílias que foram beneficiadas com R$ 12,4 bilhões, o que equivale a dizer que cada família recebeu aproximadamente R$ 83,00 por mês.
A ampliação do Bolsa Família não pode ser oposta à política de fortalecimento do Sistema de Seguridade Social, que engloba a assistência social (aos idosos e aos deficientes pobres) e o sistema de previdência (que emite aposentadorias, pensões etc.). Os miseráveis, os pobres, a classe média e toda a sociedade brasileira precisam de ambos.
Somente para aqueles que pensam que é possível haver desenvolvimento sem crescimento (ou que desenvolvimento é sinônimo apenas de redução de desigualdades de renda) é que um real a mais para o Sistema de Seguridade Social poderia representar um real a menos para o programa Bolsa Família. São os mesmos que opõem os idosos às crianças, o ensino fundamental ao ensino universitário, o setor público ao privado, a regulação econômica às liberdades democráticas e o Estado ao mercado. Na escassez de crescimento que predominou durante os governos do presidente FHC, apresentavam sempre a solução deveras conhecida: “focalizar nos mais necessitados” por meio dos serviços do terceiro setor (ONGs), já que o Estado é considerado ineficiente, e mediante as doações de empresas que demonstram “responsabilidade social”.
Os ideólogos da área social da era FHC estavam errados. A experiência recente de desenvolvimento tem mostrado que o aumento do salário mínimo, o fortalecimento do Sistema de Seguridade Social e a ampliação do Bolsa Família conformam um tripé essencial de redução da miséria, da pobreza e das vulnerabilidades sociais, por um lado, e de impulso ao crescimento econômico baseado no mercado doméstico com redução de desigualdades, por outro.
Resultado que deve ser enfatizado
A proporção que os salários ocupam no PIB – ou a distribuição funcional da renda entre trabalhadores e detentores das rendas do capital – é um elemento importante para a avaliação da qualidade social da dinâmica econômica. Esse elemento avalia a capacidade de compra de serviços e bens por parte de cada segmento social produtivo; avalia, portanto, o grau de democratização do acesso ao mercado de bens e serviços.
Desde 1995 até 2004, houve um contínuo processo de redução da massa salarial em relação ao PIB. Em 1995, era de 35,2%, em 2004, alcançou o seu pior nível histórico, 30,8%. A partir de então, houve um nítido processo de recuperação. Ao final de 2009, retornou para o patamar de 1995.
Perspectivas: desenvolvimento e planejamento
Há dois projetos em disputa: o estagnacionista, que acentuou vulnerabilidades sociais e econômicas, aplicado no período 1995-2002, e o desenvolvimentista redistributivista, em curso. Portanto, o que está em disputa, particularmente neste ano de 2010, são projetos, já testados, que pregam continuidade ou mudança. Somente no cenário artificial, que a grande mídia tenta criar, chamado de pós-Lula, é que o que estaria aberto para a escolha seria apenas o nome do “administrador do condomínio Brasil”. Seria como se o “ônibus Brasil” tivesse trajeto conhecido, mas seria preciso saber apenas quem seria o melhor, mais eficiente, “motorista”. Se for para usar essa figura, o que verdadeiramente está em jogo em 2010 é o trajeto, ou seja, o projeto, que obviamente está concretizado em candidatos, aliados e bases sociais.
Os resultados da aplicação do projeto estagnacionista durante os anos 1995-2002 e do projeto desenvolvimentista aplicado no período 2007- 2010 são bastante nítidos. Os números são amplamente favoráveis à gestão do presidente Lula em relação à gestão do presidente FHC. Contudo, um alerta é necessário: os resultados alcançados estão ainda muito aquém das necessidades e das potencialidades da economia e da sociedade brasileiras. O primeiro passo de rompimento com a herança deixada por FHC foi o atendimento de necessidades sociais e econômicas. Medidas e programas quase que emergenciais foram implantados. Posteriormente, essas ações foram se transformando em políticas públicas que foram, por sua vez, mostrando consistência entre si e, dia a dia, foram se conformando em um projeto de desenvolvimento. Ao longo do governo do presidente Lula, a palavra desenvolvimento tomou conta dos ministérios, do PT e de demais partidos políticos aliados, tomou conta dos movimentos sociais e retornou ao debate acadêmico.
O próximo passo é consolidar cada política pública como parte indissociável do projeto de desenvolvimento. Mas, para tanto, é necessário pensar, refletir, organizar e planejar. Assim como a ideia de desenvolvimento retornou, agora é hora de retornar com a ideia do planejamento. Uma rota de desenvolvimento somente se tornará segura se estiver acompanhada de planejamento.
Políticas públicas devem ter objetivos e metas quantitativas. Devem conter sistemas de avaliação rigorosos para medir realizações e necessidades. É preciso que cada gestor público cultive a cultura da busca de metas – em todas as áreas e esferas: na cultura, na saúde, na educação, na economia etc. Planejar não significa somente olhar para os próximos cinqüenta anos, significa também planejar cada dia, cada mês, cada ano... De forma detalhada, de forma obsessiva. Sem planejamento, uma trajetória desenvolvimentista promissora pode se transformar em “salto de trampolim”.
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Os últimos 20 anos marcaram a disputa de dois projetos para o Brasil. Há líderes, aliados e bases sociais que personificam essa disputa. De um lado estão o presidente Lula, o PT, o PC do B, alguns outros partidos políticos, intelectuais e os movimentos sociais. Do outro, estão o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o PSDB, o DEM, o PPS, o PV, organismos multilaterais (o Banco Mundial e o FMI), divulgadores midiáticos de opiniões conservadoras e quase toda a mídia dirigida por megacorporações.
O projeto de desenvolvimento liderado pelo presidente Lula se tornou muito mais claro no seu segundo mandato – quando realizações e ações de governo se tornaram mais nítidas. O primeiro mandato estava contaminado por “heranças” do período FHC. Eram “heranças” objetivas, tal como a aguda vulnerabilidade externa, e “heranças” subjetivas, ou seja, ideias conservadoras permaneceram em alguns postos-chave do governo.
O presidente Lula fez mudanças importantes no seu segundo mandato: trocou o comando de alguns ministérios e de instituições públicas. E, também, implementou programas e políticas claramente opostos à concepção do seu antecessor. Um exemplo foi o lançamento, no início de 2007, do Programa de Aceleração do Crescimento (o PAC), muito criticado pelos oposicionistas, mas que foi a marca da virada para um projeto de governo com contornos mais desenvolvimentistas.
Os projetos em disputa
O projeto desenvolvimentista estabelece como pilar central o crescimento. Mas, diferentemente de uma visão “crescimentista” que busca o crescimento econômico sem critérios, objetivos ou limites, o projeto liderado pelo presidente Lula busca, acima de tudo, o crescimento social do indivíduo, portanto, é um projeto desenvolvimentista – além de ser ambientalmente sustentável e independente no plano internacional. Já o projeto implementado pelo PSDB pode ser caracterizado como um projeto estagnacionista, que aprofundou vulnerabilidades sociais e econômicas.
O projeto desenvolvimentista tem balizadores econômicos e objetivos sociais. Os balizadores são: (1) manutenção da inflação em níveis moderados; (2) administração fiscal que busca o equilíbrio das contas públicas associado a programas de realização de obras de infraestrutura e a políticas anticíclicas; (3) redução da vulnerabilidade externa e algum nível de administração cambial; (4) ampliaçãodo crédito; e (5) aumento do investimento público e privado.
E os objetivos econômico-sociais do projeto desenvolvimentista são: (1) geração de milhões de empregos com carteira assinada; (2) melhoria da distribuição da renda; e (3) recuperação real do salário mínimo.
O projeto implementado pelo PSDB e seus aliados no período 1995-2002 tinha as seguintes bases econômicas: (1) estabilidade econômica, que era sinônimo, exclusivamente, de estabilidade monetária, ou seja, o controle da inflação era o único objetivo macroeconômico; (2) abertura financeira ao exterior e culto às variações da taxa de câmbio como a maior qualidade de um regime cambial; (3) busca do equilíbrio fiscal como valor moral ou como panaceia, o que justificava corte de gastos em áreas absolutamente essenciais; e (4) privatização de empresas públicas sem qualquer olhar estratégico de desenvolvimento.
E os objetivos econômico-sociais eram: (1) desmantelamento do sistema público de seguridade social; (2) criação de programas assistenciais fragmentados e superfocalizados; e (3) desmoralização e desmobilização do serviço público.
Os resultados da aplicação do modelo desenvolvimentista são muito bons quando comparados com aqueles alcançados pelo projeto aplicado pelo PSDB e seus aliados. Contudo, ainda estão distantes das necessidades e potencialidades da economia e da sociedade brasileiras. Logo, tal modelo precisa ser aperfeiçoado – e muito.
Só há, portanto, dois projetos em disputa e um único cenário de embate político real. Não há o cenário chamado por alguns de pós-Lula. Sumariando, o pós-Lula seria o seguinte: o presidente Lula governou, acertou e errou... Mas o mais importante seria que o governo acabou e o presidente Lula não é candidato. Agora, estaríamos caminhando para uma nova fase em que não há sentido estabelecer comparações e posições em relação ao governo do presidente Lula. Em outras palavras, não caberia avaliar o governo Lula comparando-o com os seus antecessores e, também, nenhum candidato deveria ocupar a situação de oposição ou situação. O termo oposição deveria ser usado pelo PSDB com um único sentido: “oposição a tudo o que está errado” – e não oposição ao governo e ao projeto do presidente Lula.
O pseudocenário pós-Lula
O esforço da grande mídia para criar esse cenário se torna evidente quando apresentam os principais candidatos à Presidência. A candidata Dilma é apresentada como: “a ex-ministra Dilma Rousseff, candidata à Presidência...” ou “a candidata do PT Dilma Rousseff...”. Jamais apresentam a candidata Dilma como a candidata do governo ou do presidente Lula. E Serra e Marina não são apresentados como candidatos da oposição, mas sim como candidatos dos seus respectivos partidos políticos. Curioso é que esses mesmos veículos de comunicação quando tratam, por exemplo, das eleições na Colômbia se referem a candidatos do governo e da oposição.
No cenário pós-Lula, projetos aplicados e testados se tornam abstrações e o suposto preparo dos candidatos para ocupar o cargo de presidente se transforma em critério objetivo. Unicamente em casos muito extremos é que podemos, a priori, afirmar algo sobre o preparo de um candidato para ocupar determinado cargo executivo.
Em geral, somente é possível saber se alguém é bem ou mal preparado após a sua gestão. Afinal, o PSDB e seus aliados sempre afirmaram que o sociólogo poliglota era mais preparado do que o metalúrgico monoglota. Rumos da economia são resultados de decisões políticas balizadas por projetos de desenvolvimento que ocorrem em situações conjunturais concretas. Situações específicas e projetos de desenvolvimento abrem ao presidente um conjunto de possibilidades. Saber escolher a melhor opção é a qualidade daquele que está bem preparado, mas isso somente pode ser avaliado posteriormente. O cenário pós-Lula e a disputa em torno de critérios de preparo representam tentativas de despolitizar o período eleitoral que é o momento que deveria preceder o voto na mudança ou na continuidade.
O voto dado com consciência política é sempre um voto pela mudança ou pela continuidade. Portanto, a tentativa de construir um cenário pós-Lula tem o objetivo de despolitizar o voto, isto é, retirar do voto a sua possibilidade de fazer história. Tentam “vender” a ideia de que a história é feita pela própria história, em um processo espontâneo, e que caberia ao eleitor escolher o melhor “administrador” da “vida que segue”.
No cenário pós-Lula, o eleitor se torna uma vítima do processo, apenas com a capacidade de decidir o “administrador”, sua capacidade verdadeira de ser autor da história é suprimida. A construção de um cenário pós-Lula é a única alternativa do PSDB e de seus aliados, já que comparações de realizações têm números bastante confortáveis a favor do projeto do presidente Lula quando comparados com as (não) realizações do presidente Fernando Henrique Cardoso.
O crescimento e os objetivos macroeconômicos
A taxa de crescimento do PIB a partir de 2006 se tornou mais elevada. O crescimento a partir daquele ano trouxe uma característica de qualidade e durabilidade temporal: a taxa de crescimento do investimento se tornou, pelo menos, o dobro da taxa de crescimento de toda a economia. Para evitar que o crescimento tenha o formato de um “voo de galinha” economias devem buscar, de um lado, reduzir suas vulnerabilidades e, de outro, elevar a sua taxa de investimento: mais investimento, hoje, representa mais investimento e mais crescimento, amanhã.
A taxa de crescimento esperada do investimento (público + privado) em 2010 é de mais de 18%. O investimento público, considerados os gastos feitos pela União e pelas estatais federais, alcançará mais de 3% do PIB neste ano. O presidente FHC teria de governar o Brasil por aproximadamente 14 anos para fazer o crescimento que o presidente Lula fez em oito anos, ou seja, somente teríamos em 2016 o PIB que vamos alcançar ao final de 2010 se o país tivesse sido governado pelo PSDB desde 1995.
O crédito se ampliou drasticamente na economia brasileira nos últimos anos. Em 2003, representava menos que 23% do PIB. Em 2009, alcançou mais de 46% do PIB. O crédito se amplia quando potenciais credores e devedores se sentem seguros para realizar o empréstimo. Os devedores, que são aposentados, pensionistas, trabalhadores e empresas, vão aos bancos pedir um empréstimo quando avaliam que poderão honrar seus compromissos futuros. Aos olhos das empresas, a sensação de segurança sobre o futuro aumenta quando esperam crescimento das suas vendas e, portanto, elevação de suas receitas. Empresas mais otimistas fazem mais empréstimos. E, tanto para empresários quanto para trabalhadores, é o ambiente de crescimento econômico que propicia a formação de cenários otimistas em relação ao futuro.
O ânimo para que trabalhadores, aposentados e pensionistas fossem aos bancos nesses últimos anos pedir empréstimos sofreu duas influências. De um lado, houve a inovação institucional do crédito consignado que deu garantias aos bancos e reduziu a taxa de juros dos empréstimos (que, aliás, é ainda muito alta) e, de outro, a criação de milhões e milhões de empregos com carteira assinada. Com a carteira assinada, o trabalhador, além de se sentir mais seguro, cumpre o requisito formal para ir ao banco pedir um empréstimo. A carteira assinada oferece segurança econômica e sentimento de cidadania.
Cabe, ainda, ser mencionado que os bancos públicos foram instrumentos preciosos para que o crescimento dos anos recentes fosse acompanhado por um aumento vigoroso do crédito. O crescimento, o aumento do investimento e a ampliação do crédito foram alcançados em um ambiente macroeconômico organizado, isto é, inflação controlada, dívida líquida do setor público monitorada de forma responsável e redução da vulnerabilidade externa.
A inflação do período 1995-2003 resultava exatamente da fraqueza externa da economia brasileira. Crises desvalorizavam abruptamente a taxa de câmbio que transmitia uma pressão altista para os preços. Ademais, nesse período os preços administrados subiam a uma velocidade que era o dobro da velocidade dos preços livres. Diferentemente, a inflação dos dias de hoje é causada por pressões pontuais. Há, contudo, um aumento de preços que tem pressionado de forma mais permanente a inflação: é o aumento dos preços de bebidas e alimentos. Políticas específicas e criativas para dissolver essa pressão devem ser implementadas.
Entretanto, cabe ser ressaltado que esse tipo específico de inflação se incorporou à economia brasileira devido ao tipo de crescimento que o modelo adotou. Um crescimento com forte distribuição da renda provoca necessariamente aumento acentuado das compras de bebidas e alimentos. A dívida líquida do setor público, como proporção do PIB, cresceu de uma média, por ano, no primeiro mandato do presidente FHC de 32,3% para 50,7% no seu segundo governo. A média esperada dessa relação no segundo mandato do presidente Lula é de 42,7%.
A dívida externa foi anulada e a dívida interna dolarizada, zerada. As reservas internacionais que auxiliam na redução da vulnerabilidade externa, hoje, estão em patamar superior a US$ 250 bilhões. No seu segundo mandato, o presidente FHC matinha acumulado em média um montante inferior a US$ 36 bilhões.
Os objetivos socioeconômicos
O crescimento alcançado nos últimos anos tem uma evidente característica de maior qualidade social. Nos oito anos correspondentes aos governos de FHC foram criados somente 1.260.000 empregos com carteira assinada. O governo Lula terá criado de 2003 ao final de 2010 mais que 10.500.000 empregos. Portanto, FHC teria de governar o Brasil por 64 anos para atingir a marca do presidente Lula, ou seja, o PSDB teria de governar o Brasil de 1995 a 2058 para que pudesse criar a mesma quantidade de empregos com carteira criados com a implementação do projeto de desenvolvimento do presidente Lula.
O salário mínimo (SM) é um elemento-chave do objetivo de fazer a economia crescer e distribuir renda. Ele estabelece o piso da remuneraçãodo mercado formal de trabalho, influencia as remunerações do mercado informal e decide o benefício mínimo pago pela Previdência Social. Portanto, a política de recuperação do salário mínimo, além da política de ampliação do crédito, tem sido decisiva para democratizar o acesso ao mercado de bens de consumo. O presidente FHC teria de governar o Brasil por mais 12 anos para alcançar o patamar de recuperação atingido pelo presidente Lula para o SM, ou seja, somente em 2015 o trabalhador receberia o salário mínimo que recebe hoje se o Brasil tivesse sido governado pelo PSDB desde 1995. Em paralelo à criação de empregos com carteira assinada e à política de recuperação do salário mínimo, a ampliação da cobertura e do valor dos benefícios pagos pelo Sistema de Seguridade Social deve ser considerada decisiva dentro do projeto desenvolvimentista.
Em média por mês, durante os dois mandatos do presidente FHC, foram pagos 18 milhões de benefícios. De 2003 a 2009 foram pagos, em média, mais que 24 milhões de benefícios por mês. O valor dos benéficos no segundo mandato do presidente Lula é, em média, 36% maior em termos reais do que era no primeiro mandato do presidente FHC. O Sistema de Seguridade Social brasileiro é um importante elemento que promove crescimento com desenvolvimento porque, por um lado, reduz vulnerabilidades e desigualdades sociais e, por outro, injeta recursos na economia que se transformam diretamente em consumo. Aquele que recebe um benefício previdenciário ou social gasta quase tudo o que recebe imediatamente, gerando consumo, empregos, produção e investimentos.
Em 1995, o montante monetário dos benefícios emitidos ao longo do ano foi de aproximadamente R$ 80 bilhões; em 2009, esse montante alcançou mais que R$ 319 bilhões (ambos os valores corrigidos de acordo com o INPC para os dias de hoje). Nos cálculos referidos anteriormente não estão incluídos os pagamentos feitos pelo programa Bolsa Família, que tem orçamento muito inferior ao Sistema de Seguridade Social. Esse programa precisa ser ampliado para se tornar um elemento mais poderoso do projeto de desenvolvimento. Em 2009, alcançou 12,4 milhões de famílias que foram beneficiadas com R$ 12,4 bilhões, o que equivale a dizer que cada família recebeu aproximadamente R$ 83,00 por mês.
A ampliação do Bolsa Família não pode ser oposta à política de fortalecimento do Sistema de Seguridade Social, que engloba a assistência social (aos idosos e aos deficientes pobres) e o sistema de previdência (que emite aposentadorias, pensões etc.). Os miseráveis, os pobres, a classe média e toda a sociedade brasileira precisam de ambos.
Somente para aqueles que pensam que é possível haver desenvolvimento sem crescimento (ou que desenvolvimento é sinônimo apenas de redução de desigualdades de renda) é que um real a mais para o Sistema de Seguridade Social poderia representar um real a menos para o programa Bolsa Família. São os mesmos que opõem os idosos às crianças, o ensino fundamental ao ensino universitário, o setor público ao privado, a regulação econômica às liberdades democráticas e o Estado ao mercado. Na escassez de crescimento que predominou durante os governos do presidente FHC, apresentavam sempre a solução deveras conhecida: “focalizar nos mais necessitados” por meio dos serviços do terceiro setor (ONGs), já que o Estado é considerado ineficiente, e mediante as doações de empresas que demonstram “responsabilidade social”.
Os ideólogos da área social da era FHC estavam errados. A experiência recente de desenvolvimento tem mostrado que o aumento do salário mínimo, o fortalecimento do Sistema de Seguridade Social e a ampliação do Bolsa Família conformam um tripé essencial de redução da miséria, da pobreza e das vulnerabilidades sociais, por um lado, e de impulso ao crescimento econômico baseado no mercado doméstico com redução de desigualdades, por outro.
Resultado que deve ser enfatizado
A proporção que os salários ocupam no PIB – ou a distribuição funcional da renda entre trabalhadores e detentores das rendas do capital – é um elemento importante para a avaliação da qualidade social da dinâmica econômica. Esse elemento avalia a capacidade de compra de serviços e bens por parte de cada segmento social produtivo; avalia, portanto, o grau de democratização do acesso ao mercado de bens e serviços.
Desde 1995 até 2004, houve um contínuo processo de redução da massa salarial em relação ao PIB. Em 1995, era de 35,2%, em 2004, alcançou o seu pior nível histórico, 30,8%. A partir de então, houve um nítido processo de recuperação. Ao final de 2009, retornou para o patamar de 1995.
Perspectivas: desenvolvimento e planejamento
Há dois projetos em disputa: o estagnacionista, que acentuou vulnerabilidades sociais e econômicas, aplicado no período 1995-2002, e o desenvolvimentista redistributivista, em curso. Portanto, o que está em disputa, particularmente neste ano de 2010, são projetos, já testados, que pregam continuidade ou mudança. Somente no cenário artificial, que a grande mídia tenta criar, chamado de pós-Lula, é que o que estaria aberto para a escolha seria apenas o nome do “administrador do condomínio Brasil”. Seria como se o “ônibus Brasil” tivesse trajeto conhecido, mas seria preciso saber apenas quem seria o melhor, mais eficiente, “motorista”. Se for para usar essa figura, o que verdadeiramente está em jogo em 2010 é o trajeto, ou seja, o projeto, que obviamente está concretizado em candidatos, aliados e bases sociais.
Os resultados da aplicação do projeto estagnacionista durante os anos 1995-2002 e do projeto desenvolvimentista aplicado no período 2007- 2010 são bastante nítidos. Os números são amplamente favoráveis à gestão do presidente Lula em relação à gestão do presidente FHC. Contudo, um alerta é necessário: os resultados alcançados estão ainda muito aquém das necessidades e das potencialidades da economia e da sociedade brasileiras. O primeiro passo de rompimento com a herança deixada por FHC foi o atendimento de necessidades sociais e econômicas. Medidas e programas quase que emergenciais foram implantados. Posteriormente, essas ações foram se transformando em políticas públicas que foram, por sua vez, mostrando consistência entre si e, dia a dia, foram se conformando em um projeto de desenvolvimento. Ao longo do governo do presidente Lula, a palavra desenvolvimento tomou conta dos ministérios, do PT e de demais partidos políticos aliados, tomou conta dos movimentos sociais e retornou ao debate acadêmico.
O próximo passo é consolidar cada política pública como parte indissociável do projeto de desenvolvimento. Mas, para tanto, é necessário pensar, refletir, organizar e planejar. Assim como a ideia de desenvolvimento retornou, agora é hora de retornar com a ideia do planejamento. Uma rota de desenvolvimento somente se tornará segura se estiver acompanhada de planejamento.
Políticas públicas devem ter objetivos e metas quantitativas. Devem conter sistemas de avaliação rigorosos para medir realizações e necessidades. É preciso que cada gestor público cultive a cultura da busca de metas – em todas as áreas e esferas: na cultura, na saúde, na educação, na economia etc. Planejar não significa somente olhar para os próximos cinqüenta anos, significa também planejar cada dia, cada mês, cada ano... De forma detalhada, de forma obsessiva. Sem planejamento, uma trajetória desenvolvimentista promissora pode se transformar em “salto de trampolim”.
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Monstros da Veja revelam desespero
Fundo vermelho-sangue, cabeças de hidras, estrela petista, manchete (“O monstro do radicalismo”) e chamada (“A fera petista que Lula domou agora desafia a candidata Dilma”). A capa da última edição da revista Veja é realmente assustadora, mas ela também é reveladora: mostra que quem está assustada é a famíglia Civita, dona deste panfleto fascistóide. Desesperada, a revista sequer teve criatividade e publicou uma capa muito similar à da véspera da eleição presidencial de 2002.
Na “reporcagem” fica a sensação de que a Veja já jogou a toalha. Ela parece não acreditar mais na possibilidade de vitória do seu candidato, o demotucano José Serra – tanto que não fala das suas dificuldades na escolha do vice e na ausência do registro do seu programa. Apavorada, a revista tentar enquadrar a candidatura de Dilma Rousseff. Ela repete a velha dupla tática da direita: faz campanha aberta para o seu candidato, mas procura interferir na linha política do seu adversário.
Tentativa de domesticar o programa
Já no editorial, o medo transparece. A partir da trapalhada no registro do programa petista, ela critica a “falta de controle da candidata sobre os radicais do seu partido”. O motivo do temor é a afirmação, mantida na segunda versão do programa, de que os meios de comunicação no país são “pouco afeitos à qualidade, ao pluralismo e ao debate democrático” e de que é preciso enfrentar “o monopólio e a concentração” no setor. A revista confessa, mais uma vez, que é inimiga da Constituição Federal, que propõe o fim do monopólio e o estímulo à pluralidade informativa.
A prepotente famíglia Civita, que se acovardou diante da ditadura militar e demitiu jornalistas críticos, como Mino Carta, insiste em se apropriar da bandeira da liberdade de expressão. “A imprensa não tem lições a receber de quem não compreende esse valor universal da democracia”, afirma o editorial. É com esta linha canhestra que a “reporcagem” tentará acuar o comando da campanha de Dilma, domesticando o seu programa e afastando “seus radicais”. O texto não é dirigido ao leitor emburrecido desta revista, mas aos vacilantes e “moderados” da campanha adversária.
“Cortar as cabeças” dos radicais
A “reporcagem” tenta o tempo todo estimular a cizânia nas esquerdas. “O programa de governo do PT traz de volta a ameaça da censura à imprensa e reacende o debate: Dilma conseguirá controlar os radicais de seu partido e domar o monstro do autoritarismo?... Se eleita, conseguirá repetir o feito de Lula e impedir que os radicais do PT transformem o Brasil numa república socialista, de economia planejada e centralizada e sem garantias à liberdade de expressão?”. Seu objetivo fica patente na frase agressiva: “Lula teve de cortar a cabeça dessa hidra em diversas oportunidades”.
Neste esforço para domesticar o programa e estimular a cizânia, a Veja chega a montar uma lista risível dos “moderados e pragmáticos” (Lula, Palocci e Dulci) e dos “radicais e incendiários” (Marco Aurélio Garcia, Franklin Martins e Paulo Vannuchi). Ainda neste segundo grupo, ela inclui o ministro Celso Amorim e a “imoral política externa brasileira”. Eles seriam as hidras que Dilma deveria “cortar as cabeças”, além de ceifar qualquer proposta mais avançada de mudanças.
Uma nova “carta aos brasileiros”
Ao final da “reporcagem”, como que já assumindo a derrota do seu candidato, a família Civita expressa seu desejo para a adversária, lembrando a manobra patrocinada pelos barões da mídia e do capital financeiro nas eleições de 2002. “O chamado ‘risco Lula’ provocou desvalorização do real, fuga de capitais, instabilidade econômica, e só foi amenizado quando ele [Lula] divulgou a Carta ao Povo Brasileiro... Para afastar definitivamente as desconfianças que ainda rondam sua candidatura, Dilma talvez tenha de seguir o exemplo do seu padrinho político”.
A mídia golpista encara o pleito deste ano como uma batalha de vida ou morte. Ela teme perder a eleição e avalia que este provável resultado aprofundará o processo de mudanças no país. Dilma Rousseff, com seu passado de esquerda e maior firmeza de convicções, apavora as famíglias Civita, Marinho, Frias e Mesquita. Se depender dos barões da mídia, é essa “hidra” que terá sua cabeça cortada numa das campanhas mais sujas da história. Mas, caso isto não ocorra, por uma questão de bom-senso é melhor se precaver, domesticando seu programa e afastando os "radicais".
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Na “reporcagem” fica a sensação de que a Veja já jogou a toalha. Ela parece não acreditar mais na possibilidade de vitória do seu candidato, o demotucano José Serra – tanto que não fala das suas dificuldades na escolha do vice e na ausência do registro do seu programa. Apavorada, a revista tentar enquadrar a candidatura de Dilma Rousseff. Ela repete a velha dupla tática da direita: faz campanha aberta para o seu candidato, mas procura interferir na linha política do seu adversário.
Tentativa de domesticar o programa
Já no editorial, o medo transparece. A partir da trapalhada no registro do programa petista, ela critica a “falta de controle da candidata sobre os radicais do seu partido”. O motivo do temor é a afirmação, mantida na segunda versão do programa, de que os meios de comunicação no país são “pouco afeitos à qualidade, ao pluralismo e ao debate democrático” e de que é preciso enfrentar “o monopólio e a concentração” no setor. A revista confessa, mais uma vez, que é inimiga da Constituição Federal, que propõe o fim do monopólio e o estímulo à pluralidade informativa.
A prepotente famíglia Civita, que se acovardou diante da ditadura militar e demitiu jornalistas críticos, como Mino Carta, insiste em se apropriar da bandeira da liberdade de expressão. “A imprensa não tem lições a receber de quem não compreende esse valor universal da democracia”, afirma o editorial. É com esta linha canhestra que a “reporcagem” tentará acuar o comando da campanha de Dilma, domesticando o seu programa e afastando “seus radicais”. O texto não é dirigido ao leitor emburrecido desta revista, mas aos vacilantes e “moderados” da campanha adversária.
“Cortar as cabeças” dos radicais
A “reporcagem” tenta o tempo todo estimular a cizânia nas esquerdas. “O programa de governo do PT traz de volta a ameaça da censura à imprensa e reacende o debate: Dilma conseguirá controlar os radicais de seu partido e domar o monstro do autoritarismo?... Se eleita, conseguirá repetir o feito de Lula e impedir que os radicais do PT transformem o Brasil numa república socialista, de economia planejada e centralizada e sem garantias à liberdade de expressão?”. Seu objetivo fica patente na frase agressiva: “Lula teve de cortar a cabeça dessa hidra em diversas oportunidades”.
Neste esforço para domesticar o programa e estimular a cizânia, a Veja chega a montar uma lista risível dos “moderados e pragmáticos” (Lula, Palocci e Dulci) e dos “radicais e incendiários” (Marco Aurélio Garcia, Franklin Martins e Paulo Vannuchi). Ainda neste segundo grupo, ela inclui o ministro Celso Amorim e a “imoral política externa brasileira”. Eles seriam as hidras que Dilma deveria “cortar as cabeças”, além de ceifar qualquer proposta mais avançada de mudanças.
Uma nova “carta aos brasileiros”
Ao final da “reporcagem”, como que já assumindo a derrota do seu candidato, a família Civita expressa seu desejo para a adversária, lembrando a manobra patrocinada pelos barões da mídia e do capital financeiro nas eleições de 2002. “O chamado ‘risco Lula’ provocou desvalorização do real, fuga de capitais, instabilidade econômica, e só foi amenizado quando ele [Lula] divulgou a Carta ao Povo Brasileiro... Para afastar definitivamente as desconfianças que ainda rondam sua candidatura, Dilma talvez tenha de seguir o exemplo do seu padrinho político”.
A mídia golpista encara o pleito deste ano como uma batalha de vida ou morte. Ela teme perder a eleição e avalia que este provável resultado aprofundará o processo de mudanças no país. Dilma Rousseff, com seu passado de esquerda e maior firmeza de convicções, apavora as famíglias Civita, Marinho, Frias e Mesquita. Se depender dos barões da mídia, é essa “hidra” que terá sua cabeça cortada numa das campanhas mais sujas da história. Mas, caso isto não ocorra, por uma questão de bom-senso é melhor se precaver, domesticando seu programa e afastando os "radicais".
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Sindicatos devem priorizar a comunicação
Reproduzo entrevista concedida ao jornalista Fernando Damasceno, do Portal da CTB:
“É preciso parar com a ideia de que comunicação é gasto, algo que se faz por obrigação. Comunicação não é gasto e talvez seja um dos mais importantes investimentos da área sindical". É de forma direta que o jornalista Altamiro Borges, o Miro, expõe seu ponto de vista sobre o modo como os sindicatos no Brasil lidam com esse tema.
Para Miro, atual secretário de Questão da Mídia do PCdoB e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, é preciso enfrentar uma certa visão burocratizada sobre comunicação que os sindicatos ainda mantêm, algo que os deixa distantes da maioria da população, em especial dos jovens trabalhadores.
Além de analisar a comunicação realizada pelo mundo sindical, Miro falou também nesta conversa com o Portal CTB sobre os desmembramentos da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), da forma como a chamada “grande mídia” deve se comportar durante as eleições deste ano e de que maneira o Centro de Estudos Barão de Itararé tem se organizado para reunir os profissionais da imprensa que se colocam como alternativa ao monopólio existente no país.
Na opinião de Miro, é importante que os veículos progressistas de comunicação deixem de ser considerados como uma mídia alternativa. “Não podemos ser só ‘alternativa’ num sentido mais marginal, mas sim uma alternativa à mídia tradicional”, defende. Confira abaixo a entrevista:
Após alguns meses de existência do “Barão de Itararé”, que tipo de balanço é possível fazer de sua atuação nesse debate sobre a mídia no país?
O nosso Centro de Estudos é resultado dessa fase recente na qual a mídia hegemônica se assumiu como um veículo da oposição, que blinda os demo-tucanos e ao mesmo tempo ataca, às vezes de forma irresponsável, o governo Lula e sua candidata — como nos casos da ficha falsa da Dilma ou naquela história de que o Lula teria estuprado um rapaz na cadeia. Enfim, são coisas irresponsáveis, que surgem desse desmascaramento da mídia, que avança junto com a luta pela democratização da mídia no Brasil, cujo ponto alto foi a Confecom, em dezembro do ano passado.
O “Barão de Itararé” é fruto disso. Esse Centro, ao propor o fortalecimento da luta pela democratização da comunicação e dessas novas mídias alternativas e comunitárias, ao investir na formação, na reflexão sobre o tema e possibilitar determinados estudos dessa área, acabou agregando gente — nosso Conselho Consultivo é uma foto interessante do que é o “Barão de Itararé”. Ele consegue reunir quase todas as publicações progressistas do Brasil, com jornais, revistas, blogs e sites, veículos como “Revista Fórum”, “Agência Carta Maior”, “CartaCapital”, “Caros Amigos”, jornalistas de renome que vêm tendo uma postura crítica desse papel da mídia, como Luis Nassif, Leandro Fortes, Rodrigo Vianna, Azenha, Paulo Henrique Amorim, Maria Inês Nassif, além de entidades que representam essa mídia pública e comunitária, como a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias, a Associação Brasileira de TVs Comunitárias, a Associação de Rádios Públicas e a Associação Brasileira de TVs Públicas. Há pouco, a Tereza Cruvinel, da TV Brasil e da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), anunciou sua intenção de participar do nosso Conselho, que é algo cuja formação ainda segue em aberto.
Além de reunir todos esses setores que fazem o contraponto à mídia privada (nos dois sentidos possíveis da palavra), a amplitude do “Barão de Itararé” também se dá pela participação dos movimentos sociais. O MST e a Contag, a CUT, a CTB e a Força Sindical, por exemplo, estão lá representados. Isso mostra o quanto ele é representativo.
Estamos no momento encaminhando outras coisas, com destaque para duas: a primeira é o fato de o “Barão de Itararé” ser o organizador, junto com outras entidades, do Primeiro Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, entre os dias 21 e 23 de agosto, ainda em local a ser confirmado. A ideia é discutir o papel de ferramentas como os blogs e o twitter da internet, em meio à disputa de ideias que se dá na sociedade brasileira em um ano de eleições. A ideia é que esse encontro tenha um caráter de formação, no sentido de que os novos blogueiros tenham contato com o que há de mais moderno nessa área, como um curso mesmo.
É importante destacar essa questão da formação. O “Barão de Itararé” tem como por objetivos estimular o surgimento de novos profissionais como esse perfil progressista. Como isso vai se dar nesse Encontro Nacional de Blogueiros?
Esse encontro, além da parte política, será muito rico devido a esse aspecto da formação. O cara chega lá e vai descobrir como se usa o twitter — ou como se faz a “twittelatura”, como diz o nosso colega jornalista Bernardo Joffily. E desse encontro também queremos tirar um saldo organizativo, que deve ser mais bem discutido ainda. Existem ideias de que no Brasil nós deveríamos seguir o modelo de coalizão de blogueiros que existe nos Estados Unidos — algo que já existe há algum tempo e que cresce anualmente.
Queremos que esse encontro seja anual e que esse saldo organizativo analise certos problemas pontuais. Um exemplo é o problema jurídico que muito blogueiros vêm enfrentando, algo que acaba asfixiando muitos deles, pelos custos envolvidos com advogados. No Amapá, o senador José Sarney tem perseguido duas blogueiras. Em Santa Catarina está acontecendo o mesmo com o Amilton Alexandre (responsável pelo blog “Tijoladas do Mosquito”, veículo que denunciou um caso de estupro que envolve o filho do dono da RBS, emissora afiliada à Rede Globo na Região Sul), que já tem ao menos 50 processos. Precisamos ver como criar um anteparo jurídico para os blogueiros.
Além disso, temos que ver qual é a bola da vez. E o que está quicando em nossa área é a questão do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), projeto aprovado na Confecom e apoiado pelo governo federal, mas que vem apanhando das operados de telefonia, pelo prejuízo que elas podem ter caso o plano realmente vingue. Quanto a nós, temos que fazer o contraponto, fazer vingar o PNBL, no sentido de melhorá-lo, pois apesar de representar um avanço, ainda ter limitações.
Assim sendo, o modo como vamos entrar nessa discussão é por meio de um gibi, para atingirmos aqueles que mais têm interesse no acesso à banda larga no país: a juventude. Temos que mexer com a moçada, para mostrar o que isso pode representar e evitar que eles sejam excluídos digitais.
Ainda no que diz respeito à questão da formação de comunicadores, como tem sido o diálogo do Centro com as universidades?
Nas reuniões que já fizemos do Conselho Consultivo essa é uma questão prioritária. Temos que agir junto à juventude e, mais especificamente, junto à juventude que está se formando para ser jornalista. Temos um problema seriíssimo de formação, pois o jornalismo deixou de ser visto como uma atividade ética, que procura a verdade, e faz parte dessa sociedade do espetáculo — muita gente quer ser jornalista pra virar um William Bonner e uma Fátima Bernardes, para virar bobo da corte de alguma dessas empresas. Isso é algo sério e é muito diferente de outras épocas, quando passavam pelos bancos das faculdades pessoas com mais senso crítico, que podiam contribuir para a sociedade.
Assim, uma das prioridades é o trabalho com essa juventude. Temos professores da Cásper Líbero, da UFRJ, o Leandro Fortes é professor em Brasília, o Dênis Oliveira é professor da USP. Queremos ampliar esse quadro, pois o ideal é que a gente tivesse as principais universidades em nosso Conselho. Temos que agregar mais pessoas que estão nas universidades, inclusive deslocando parte de nossas atividades de formação para esses centros de conhecimento. Muitas vezes fazemos nossas reuniões em espaços mais politizados, como nas sedes de sindicatos de jornalistas, mas precisamos levar esses debates para as universidades. Temos que instigar o pensamento crítico nesses locais, falar de outro tipo de jornalismo.
O “Barão de Itararé” tem em sua diretoria profissionais com opiniões distintas sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Qual a sua?
Acho que o diploma estava defasado, em função dessas mudanças do setor de mídia. Acho, sim, que é necessário um novo tipo de regulamentação da profissão, mas isso deveria ter sido discutido pelos jornalistas e pela sociedade, e não por meio de uma ação das empresas de comunicação. Sou favorável a rediscutir o tema, mas creio que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal não levou em conta fatores como as novas mídias, sendo algo a pedido das empresas de comunicação, para precarizar a profissão e facilitar a exploração. Portanto, eu era favorável a rediscutir a questão do diploma, mas sou contra acabar com ele da forma como foi feito.
É fato que a concentração da mídia em poucas empresas abre brechas para que surjam veículos independentes e progressistas, mas como fazer para torná-los mais populares e conhecidos do grande público?
Esse é um problema que requer certo cuidado devido a dois extremos. Um deles é achar que essa mídia que está aí mantém a mesma força de antes. Ela hoje sofre dificuldades, especialmente pelas mudanças tecnológicas (ou pelo avanço das forças produtivas, como diria um certo velho barbudo) que têm na internet seu ponto principal de abalo à mídia tradicional. Por outro lado, ela também está mais vulnerável porque sua credibilidade está sendo questionada.
O outro extremo é achar também que a internet, os blogs e certos sites já “estão com a macaca”. Esses blogs ainda têm um público viciado. Na minha opinião, não dá para não perceber que estão havendo mudanças, mas não podemos achar que estamos com a bola toda — esses dois extremos estão equivocados. Precisamos, então, ver como essa mídia mais alternativa pode vir a cumprir um papel de ser uma alternativa à mídia. Esse é o grande desafio. Leandro Fortes sempre tem falado isso, no sentido de que não podemos nos contentar com a pequenez. Não podemos ser só “alternativa” num sentido mais marginal, mas sim uma alternativa à mídia tradicional. Para isso, temos algumas questões gerais para enfrentar. Uma delas é esse PNBL, pois se há um plano que fala em atingir 48 milhões de residências em quatro anos, com gerenciamento estatal, universalizando esse direito, o que se tem é uma maior chance de mais pessoas acessarem certos conteúdos que se colocam como alternativa à mídia que está aí.
Outro ponto que precisa ser destacado é a melhora do nosso próprio conteúdo. Pela nossa precariedade, ainda somos um jornalismo de muita opinião, enquanto precisamos ter também um jornalismo de produção de notícias, que vá atrás, que pesquise, que faça reportagens. É claro que isso exige certa estrutura, mas temos que ir atrás desse tipo de jornalismo de alta qualidade, para podermos então disputar com esse jornalismo manipulador existente.
Você falou de certo enfraquecimento da mídia tradicional. Em 2006, ela foi forte o bastante para impedir que Lula se reelegesse no primeiro turno, mas não para levar Alckmin à vitória. Passados quatro anos e às vésperas de novas eleições presidenciais, em que patamar se encontra esse poderio da imprensa?
Acho que ainda vamos ver nesses próximos três meses. Espero estar enganado, mas creio que essa imprensa ficará ainda mais raivosa do que em 2006. Naquela ocasião, as próprias circunstâncias trouxeram à tona fatos que permitiram que a mídia desse certa repercussão — alguns gestos “aloprados” facilitaram esse tipo de coisa. Era também o fim de um primeiro mandato do Lula, enquanto agora o que temos é um governo que se consolidou muito, que tem uma popularidade nas alturas e muito difícil de se criticar, por qualquer ótica.
O que se pode falar? A economia está bombando, os empresários ganhando dinheiro como nunca, o governo tem mais destaque internacional e amplia enormemente as políticas sociais. Com esse cenário, a oposição encara sérias dificuldades. Diante disso, acho que Gramsci tinha razão, ao dizer que na crise das instituições burguesas a imprensa assume o papel de partido do capital. E agora eu acho que essa imprensa vai ter que ser muito mais agressiva se quiser evitar a continuidade desse projeto — algo que sem dúvida ela quer, até por uma questão de classe.
Quando esse governo assumiu o segundo mandato, a Globo recebia quase 70% de toda a sua publicidade oficial. Hoje esse número ainda é grande, de 48%, mas essa questão da publicidade foi bastante descentralizada, o governo conseguiu democratizar um pouco isso. Outro dia, a comentarista Cristiana Lobo, da Globo, disse algo que não sei se foi só uma boa análise ou um recado. Ela disse que para o Democratas e o PSDB esta eleição é de vida ou morte, pois em caso de derrota a situação vai se complicar muito. Acho que ela tem razão, mas essa turma está sem proposta, sem discurso. Antes havia a questão da ética, mas depois do episódio Arruda e dos problemas da Yeda, no Rio Grande do Sul, ficou difícil falar nisso. Além disso, ela não pode escancarar seu programa real de governo e chamar o Bolsa Família de “Bolsa Esmola”. Assim, quem vai fazer esse trabalho é a mídia. Sua tendência neste ano é ser mais explicitamente ideologizada — e isso pode ser fatal para ela, de modo a enfraquecê-la.
Diante desse cenário, como você tem visto a forma como a campanha da Dilma tem se preparado para enfrentar a batalha que está por vir?
Ainda é difícil avaliar. O Rui Falcão, que é o coordenador dessa área, é sem dúvida alguém muito competente, um jornalista que entende bastante do assunto. Acho que o pessoal da área de internet também é muito criativo e, mais importante do que isso, creio que a Dilma tem dado respostas muito incisivas às provocações da mídia, desde aquele episódio da “Folha” com o “Ditabranda”. Ela tem se mostrado uma pessoa de mais opinião, comprando certas brigas, indo para certas polêmicas. E, no que diz respeito à parte de TV, ela certamente está assessorada por um grande profissional e excelente estrategista, que é o João Santana. Creio que, de forma geral, o time está bem montado, mas temos que ver como será a guerra, que deverá começar somente agora, com o final da Copa do Mundo e a proximidade das eleições.
No último dia 1º houve uma reunião em Brasília para tratar dos desmembramentos da Confecom. Diante da amplitude das propostas levantadas em dezembro, esse encontro conseguiu ser mais produtivo?
Foi, sim, extremamente positiva a realização dessa reunião, embora ela tenha demorado a acontecer. Ao contrário dos empresários, que sabotaram a Confecom, mas vieram a ser reunir logo depois de sua realização, nós demoramos muito — mas antes tarde do que nunca. Havia cerca de 50 pessoas de vários estados e vimos um esforço para definir o que deve ser prioridade. Das 633 propostas, avaliamos o que era prioritário e chegamos a 70 — o que ainda é muito. Prioridade de verdade seria se tivéssemos apenas dez ou talvez três prioridades, que a meu ver seriam o PNBL, o Conselho Nacional de Comunicação e a Regulamentação da Constituição. Infelizmente cada setor acaba achando que sua reivindicação é a mais importante, mas, de qualquer forma, já tivemos algum avanço.
Outro dado positivo foi o fato de tirarmos um certo cronograma de ação e organização. Temos que recompor a Comissão Nacional pró-Conferência, que se dissipou depois de dezembro — e isso a reunião do dia 1º já definiu. Também no que diz respeito à organização, definimos a necessidade de nos organizarmos nos estados. No que diz respeito à ação política, tentaremos comprometer os candidatos neste ano junto a uma plataforma de democratização da comunicação.
Ainda sobre a Confecom, sabe-se que alguns pequenos empresários progressistas decidiram criar uma nova entidade para defender seus direitos. Em que estágio está a criação da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom)?
A exemplo do “Barão de Itararé”, que surge desse processo da luta pela democratização e é filho da Confecom, a Altercom é mais filho ainda daquela Conferência. Ela foi uma sacada que surgiu ainda no processo de formação da Confecom, no momento em que os empresários tentaram sabotá-la. De repente vimos que a mídia mudou muito. Se por um lado temos os monopólios, de outro temos vários pequenos empresários, donos de pequenos sites. O blogueiro, por exemplo, é um PJ (termo que se usa para “Pessoa Jurídica”), um empresário. Temos os sites e revistas progressistas e, portanto, decidimos adotar a tática do “entrismo”. Já que eles quiseram ficar de fora, vamos ocupar esse espaço.
A Altercom é fruto disso. Ela é uma entidade empresarial. É uma associação como a Abert, que representa a Globo, a Record e a SBT, como a ANJ, que representa jornais como a “Folha” e o “Estadão”, como a ANER, que representa editoras e revistas como a “Veja”. A Altercom, por sua vez, representa as empresas e os empreendedores individuais. Seu objetivo é o de defender os interesses desses empreendedores, como a luta por publicidade, por lugar em bancas, por barateamento de papel e também se pronunciar politicamente.
Recentemente, a Abert voltou a publicar um documento criticando a Confecom; a Altercom, por sua vez, vai parabenizar a Conferência. Resumindo, a Altercom é uma representação de interesses econômicos e políticos desse setor progressista empresarial. Ainda é algo que está dando seus primeiros passos, está neste momento dando entrada em seu registro e vem realizando suas primeiras reuniões.
O Portal CTB terá uma editoria de mídia a partir desta semana. Em termos gerais, que análise você faz sobre como o movimento de trabalhadores e os movimentos sociais em geral podem agir para não ficar para trás nesse debate sobre a mídia e também contribuir para seu aprimoramento?
Tenho para mim que os movimentos sociais em geral — e o movimento sindical em particular, por ter mais estrutura e ser estruturante — têm que parar de chorar. Não adianta mais ficar reclamando que a cobertura da TV Globo é sacana, que a “Veja” chama sindicalista de vagabundo, etc. Não adianta ficar reclamando. Não adiantar ter ilusão com essa mídia que está aí. Muitas vezes algumas lideranças ficam reclamando, mas não veem a hora de serem entrevistados pela “Veja”, pela “Folha” ou pelo “Estadão”. Tudo bem, eles não podem se esconder, mas não adianta ficar reclamando.
Se não adianta mais ficar reclamando, eles têm que investir na sua própria comunicação. É preciso parar com a ideia de que comunicação é gasto, algo que se faz por obrigação. Comunicação não é gasto e talvez seja um dos mais importantes investimentos da área sindical. Às vezes o movimento sindical gasta dinheiro com besteiras e não investe em uma área decisiva como a comunicação. Outro velho barbudo, Friedrich Engels, dizia que a luta de classes se dá em três terrenos: o econômico, o político e o das ideias. O movimento sindical tem que investir nesse último terreno. Não dá mais para achar que um diretor sozinho tem a capacidade de convencer a milhões de trabalhadores. Investir nesse terreno é priorizá-lo.
Nesse sentido, é preciso enfrentar uma certa visão burocratizada sobre comunicação que os sindicatos ainda têm. Perdoe-me a dureza, mas parece que o diretor sindical, por ser um ótimo orador, é capaz de fazer todo o necessário para se comunicar. O próprio Lula acha isso — e esse talvez tenha sido um dos motivos pelos quais o governo não investiu como deveria contra essa hegemonia. Essa visão rebaixada de comunicação não é a mesma que os empresários têm. Se você pegar a parcela do PIB dos Estados Unidos investido em comunicação, é algo elevadíssimo.
Eu chego a dizer que deveríamos chamar o Edir Macedo para termos uma noção da importância da comunicação. Sem isso, sua igreja estaria morta. Temos que fazer com que a ficha caia. Temos que sair dessa visão artesanal, espontânea e meio burocrática de comunicação, pois se trata de algo decisivo na luta de ideias. E, ao sair, aperfeiçoar essa visão. Não basta mais investimento sem melhorar os veículos. Não estamos conseguindo trazer a juventude, não conseguimos falar com a juventude — e o pouco que falamos é a partir de uma linguagem envelhecida, que não capta essa nova realidade do áudio, do vídeo, desse mundo das coisas mais rápidas. Essa ficha precisa cair.
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“É preciso parar com a ideia de que comunicação é gasto, algo que se faz por obrigação. Comunicação não é gasto e talvez seja um dos mais importantes investimentos da área sindical". É de forma direta que o jornalista Altamiro Borges, o Miro, expõe seu ponto de vista sobre o modo como os sindicatos no Brasil lidam com esse tema.
Para Miro, atual secretário de Questão da Mídia do PCdoB e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, é preciso enfrentar uma certa visão burocratizada sobre comunicação que os sindicatos ainda mantêm, algo que os deixa distantes da maioria da população, em especial dos jovens trabalhadores.
Além de analisar a comunicação realizada pelo mundo sindical, Miro falou também nesta conversa com o Portal CTB sobre os desmembramentos da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), da forma como a chamada “grande mídia” deve se comportar durante as eleições deste ano e de que maneira o Centro de Estudos Barão de Itararé tem se organizado para reunir os profissionais da imprensa que se colocam como alternativa ao monopólio existente no país.
Na opinião de Miro, é importante que os veículos progressistas de comunicação deixem de ser considerados como uma mídia alternativa. “Não podemos ser só ‘alternativa’ num sentido mais marginal, mas sim uma alternativa à mídia tradicional”, defende. Confira abaixo a entrevista:
Após alguns meses de existência do “Barão de Itararé”, que tipo de balanço é possível fazer de sua atuação nesse debate sobre a mídia no país?
O nosso Centro de Estudos é resultado dessa fase recente na qual a mídia hegemônica se assumiu como um veículo da oposição, que blinda os demo-tucanos e ao mesmo tempo ataca, às vezes de forma irresponsável, o governo Lula e sua candidata — como nos casos da ficha falsa da Dilma ou naquela história de que o Lula teria estuprado um rapaz na cadeia. Enfim, são coisas irresponsáveis, que surgem desse desmascaramento da mídia, que avança junto com a luta pela democratização da mídia no Brasil, cujo ponto alto foi a Confecom, em dezembro do ano passado.
O “Barão de Itararé” é fruto disso. Esse Centro, ao propor o fortalecimento da luta pela democratização da comunicação e dessas novas mídias alternativas e comunitárias, ao investir na formação, na reflexão sobre o tema e possibilitar determinados estudos dessa área, acabou agregando gente — nosso Conselho Consultivo é uma foto interessante do que é o “Barão de Itararé”. Ele consegue reunir quase todas as publicações progressistas do Brasil, com jornais, revistas, blogs e sites, veículos como “Revista Fórum”, “Agência Carta Maior”, “CartaCapital”, “Caros Amigos”, jornalistas de renome que vêm tendo uma postura crítica desse papel da mídia, como Luis Nassif, Leandro Fortes, Rodrigo Vianna, Azenha, Paulo Henrique Amorim, Maria Inês Nassif, além de entidades que representam essa mídia pública e comunitária, como a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias, a Associação Brasileira de TVs Comunitárias, a Associação de Rádios Públicas e a Associação Brasileira de TVs Públicas. Há pouco, a Tereza Cruvinel, da TV Brasil e da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), anunciou sua intenção de participar do nosso Conselho, que é algo cuja formação ainda segue em aberto.
Além de reunir todos esses setores que fazem o contraponto à mídia privada (nos dois sentidos possíveis da palavra), a amplitude do “Barão de Itararé” também se dá pela participação dos movimentos sociais. O MST e a Contag, a CUT, a CTB e a Força Sindical, por exemplo, estão lá representados. Isso mostra o quanto ele é representativo.
Estamos no momento encaminhando outras coisas, com destaque para duas: a primeira é o fato de o “Barão de Itararé” ser o organizador, junto com outras entidades, do Primeiro Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, entre os dias 21 e 23 de agosto, ainda em local a ser confirmado. A ideia é discutir o papel de ferramentas como os blogs e o twitter da internet, em meio à disputa de ideias que se dá na sociedade brasileira em um ano de eleições. A ideia é que esse encontro tenha um caráter de formação, no sentido de que os novos blogueiros tenham contato com o que há de mais moderno nessa área, como um curso mesmo.
É importante destacar essa questão da formação. O “Barão de Itararé” tem como por objetivos estimular o surgimento de novos profissionais como esse perfil progressista. Como isso vai se dar nesse Encontro Nacional de Blogueiros?
Esse encontro, além da parte política, será muito rico devido a esse aspecto da formação. O cara chega lá e vai descobrir como se usa o twitter — ou como se faz a “twittelatura”, como diz o nosso colega jornalista Bernardo Joffily. E desse encontro também queremos tirar um saldo organizativo, que deve ser mais bem discutido ainda. Existem ideias de que no Brasil nós deveríamos seguir o modelo de coalizão de blogueiros que existe nos Estados Unidos — algo que já existe há algum tempo e que cresce anualmente.
Queremos que esse encontro seja anual e que esse saldo organizativo analise certos problemas pontuais. Um exemplo é o problema jurídico que muito blogueiros vêm enfrentando, algo que acaba asfixiando muitos deles, pelos custos envolvidos com advogados. No Amapá, o senador José Sarney tem perseguido duas blogueiras. Em Santa Catarina está acontecendo o mesmo com o Amilton Alexandre (responsável pelo blog “Tijoladas do Mosquito”, veículo que denunciou um caso de estupro que envolve o filho do dono da RBS, emissora afiliada à Rede Globo na Região Sul), que já tem ao menos 50 processos. Precisamos ver como criar um anteparo jurídico para os blogueiros.
Além disso, temos que ver qual é a bola da vez. E o que está quicando em nossa área é a questão do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), projeto aprovado na Confecom e apoiado pelo governo federal, mas que vem apanhando das operados de telefonia, pelo prejuízo que elas podem ter caso o plano realmente vingue. Quanto a nós, temos que fazer o contraponto, fazer vingar o PNBL, no sentido de melhorá-lo, pois apesar de representar um avanço, ainda ter limitações.
Assim sendo, o modo como vamos entrar nessa discussão é por meio de um gibi, para atingirmos aqueles que mais têm interesse no acesso à banda larga no país: a juventude. Temos que mexer com a moçada, para mostrar o que isso pode representar e evitar que eles sejam excluídos digitais.
Ainda no que diz respeito à questão da formação de comunicadores, como tem sido o diálogo do Centro com as universidades?
Nas reuniões que já fizemos do Conselho Consultivo essa é uma questão prioritária. Temos que agir junto à juventude e, mais especificamente, junto à juventude que está se formando para ser jornalista. Temos um problema seriíssimo de formação, pois o jornalismo deixou de ser visto como uma atividade ética, que procura a verdade, e faz parte dessa sociedade do espetáculo — muita gente quer ser jornalista pra virar um William Bonner e uma Fátima Bernardes, para virar bobo da corte de alguma dessas empresas. Isso é algo sério e é muito diferente de outras épocas, quando passavam pelos bancos das faculdades pessoas com mais senso crítico, que podiam contribuir para a sociedade.
Assim, uma das prioridades é o trabalho com essa juventude. Temos professores da Cásper Líbero, da UFRJ, o Leandro Fortes é professor em Brasília, o Dênis Oliveira é professor da USP. Queremos ampliar esse quadro, pois o ideal é que a gente tivesse as principais universidades em nosso Conselho. Temos que agregar mais pessoas que estão nas universidades, inclusive deslocando parte de nossas atividades de formação para esses centros de conhecimento. Muitas vezes fazemos nossas reuniões em espaços mais politizados, como nas sedes de sindicatos de jornalistas, mas precisamos levar esses debates para as universidades. Temos que instigar o pensamento crítico nesses locais, falar de outro tipo de jornalismo.
O “Barão de Itararé” tem em sua diretoria profissionais com opiniões distintas sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Qual a sua?
Acho que o diploma estava defasado, em função dessas mudanças do setor de mídia. Acho, sim, que é necessário um novo tipo de regulamentação da profissão, mas isso deveria ter sido discutido pelos jornalistas e pela sociedade, e não por meio de uma ação das empresas de comunicação. Sou favorável a rediscutir o tema, mas creio que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal não levou em conta fatores como as novas mídias, sendo algo a pedido das empresas de comunicação, para precarizar a profissão e facilitar a exploração. Portanto, eu era favorável a rediscutir a questão do diploma, mas sou contra acabar com ele da forma como foi feito.
É fato que a concentração da mídia em poucas empresas abre brechas para que surjam veículos independentes e progressistas, mas como fazer para torná-los mais populares e conhecidos do grande público?
Esse é um problema que requer certo cuidado devido a dois extremos. Um deles é achar que essa mídia que está aí mantém a mesma força de antes. Ela hoje sofre dificuldades, especialmente pelas mudanças tecnológicas (ou pelo avanço das forças produtivas, como diria um certo velho barbudo) que têm na internet seu ponto principal de abalo à mídia tradicional. Por outro lado, ela também está mais vulnerável porque sua credibilidade está sendo questionada.
O outro extremo é achar também que a internet, os blogs e certos sites já “estão com a macaca”. Esses blogs ainda têm um público viciado. Na minha opinião, não dá para não perceber que estão havendo mudanças, mas não podemos achar que estamos com a bola toda — esses dois extremos estão equivocados. Precisamos, então, ver como essa mídia mais alternativa pode vir a cumprir um papel de ser uma alternativa à mídia. Esse é o grande desafio. Leandro Fortes sempre tem falado isso, no sentido de que não podemos nos contentar com a pequenez. Não podemos ser só “alternativa” num sentido mais marginal, mas sim uma alternativa à mídia tradicional. Para isso, temos algumas questões gerais para enfrentar. Uma delas é esse PNBL, pois se há um plano que fala em atingir 48 milhões de residências em quatro anos, com gerenciamento estatal, universalizando esse direito, o que se tem é uma maior chance de mais pessoas acessarem certos conteúdos que se colocam como alternativa à mídia que está aí.
Outro ponto que precisa ser destacado é a melhora do nosso próprio conteúdo. Pela nossa precariedade, ainda somos um jornalismo de muita opinião, enquanto precisamos ter também um jornalismo de produção de notícias, que vá atrás, que pesquise, que faça reportagens. É claro que isso exige certa estrutura, mas temos que ir atrás desse tipo de jornalismo de alta qualidade, para podermos então disputar com esse jornalismo manipulador existente.
Você falou de certo enfraquecimento da mídia tradicional. Em 2006, ela foi forte o bastante para impedir que Lula se reelegesse no primeiro turno, mas não para levar Alckmin à vitória. Passados quatro anos e às vésperas de novas eleições presidenciais, em que patamar se encontra esse poderio da imprensa?
Acho que ainda vamos ver nesses próximos três meses. Espero estar enganado, mas creio que essa imprensa ficará ainda mais raivosa do que em 2006. Naquela ocasião, as próprias circunstâncias trouxeram à tona fatos que permitiram que a mídia desse certa repercussão — alguns gestos “aloprados” facilitaram esse tipo de coisa. Era também o fim de um primeiro mandato do Lula, enquanto agora o que temos é um governo que se consolidou muito, que tem uma popularidade nas alturas e muito difícil de se criticar, por qualquer ótica.
O que se pode falar? A economia está bombando, os empresários ganhando dinheiro como nunca, o governo tem mais destaque internacional e amplia enormemente as políticas sociais. Com esse cenário, a oposição encara sérias dificuldades. Diante disso, acho que Gramsci tinha razão, ao dizer que na crise das instituições burguesas a imprensa assume o papel de partido do capital. E agora eu acho que essa imprensa vai ter que ser muito mais agressiva se quiser evitar a continuidade desse projeto — algo que sem dúvida ela quer, até por uma questão de classe.
Quando esse governo assumiu o segundo mandato, a Globo recebia quase 70% de toda a sua publicidade oficial. Hoje esse número ainda é grande, de 48%, mas essa questão da publicidade foi bastante descentralizada, o governo conseguiu democratizar um pouco isso. Outro dia, a comentarista Cristiana Lobo, da Globo, disse algo que não sei se foi só uma boa análise ou um recado. Ela disse que para o Democratas e o PSDB esta eleição é de vida ou morte, pois em caso de derrota a situação vai se complicar muito. Acho que ela tem razão, mas essa turma está sem proposta, sem discurso. Antes havia a questão da ética, mas depois do episódio Arruda e dos problemas da Yeda, no Rio Grande do Sul, ficou difícil falar nisso. Além disso, ela não pode escancarar seu programa real de governo e chamar o Bolsa Família de “Bolsa Esmola”. Assim, quem vai fazer esse trabalho é a mídia. Sua tendência neste ano é ser mais explicitamente ideologizada — e isso pode ser fatal para ela, de modo a enfraquecê-la.
Diante desse cenário, como você tem visto a forma como a campanha da Dilma tem se preparado para enfrentar a batalha que está por vir?
Ainda é difícil avaliar. O Rui Falcão, que é o coordenador dessa área, é sem dúvida alguém muito competente, um jornalista que entende bastante do assunto. Acho que o pessoal da área de internet também é muito criativo e, mais importante do que isso, creio que a Dilma tem dado respostas muito incisivas às provocações da mídia, desde aquele episódio da “Folha” com o “Ditabranda”. Ela tem se mostrado uma pessoa de mais opinião, comprando certas brigas, indo para certas polêmicas. E, no que diz respeito à parte de TV, ela certamente está assessorada por um grande profissional e excelente estrategista, que é o João Santana. Creio que, de forma geral, o time está bem montado, mas temos que ver como será a guerra, que deverá começar somente agora, com o final da Copa do Mundo e a proximidade das eleições.
No último dia 1º houve uma reunião em Brasília para tratar dos desmembramentos da Confecom. Diante da amplitude das propostas levantadas em dezembro, esse encontro conseguiu ser mais produtivo?
Foi, sim, extremamente positiva a realização dessa reunião, embora ela tenha demorado a acontecer. Ao contrário dos empresários, que sabotaram a Confecom, mas vieram a ser reunir logo depois de sua realização, nós demoramos muito — mas antes tarde do que nunca. Havia cerca de 50 pessoas de vários estados e vimos um esforço para definir o que deve ser prioridade. Das 633 propostas, avaliamos o que era prioritário e chegamos a 70 — o que ainda é muito. Prioridade de verdade seria se tivéssemos apenas dez ou talvez três prioridades, que a meu ver seriam o PNBL, o Conselho Nacional de Comunicação e a Regulamentação da Constituição. Infelizmente cada setor acaba achando que sua reivindicação é a mais importante, mas, de qualquer forma, já tivemos algum avanço.
Outro dado positivo foi o fato de tirarmos um certo cronograma de ação e organização. Temos que recompor a Comissão Nacional pró-Conferência, que se dissipou depois de dezembro — e isso a reunião do dia 1º já definiu. Também no que diz respeito à organização, definimos a necessidade de nos organizarmos nos estados. No que diz respeito à ação política, tentaremos comprometer os candidatos neste ano junto a uma plataforma de democratização da comunicação.
Ainda sobre a Confecom, sabe-se que alguns pequenos empresários progressistas decidiram criar uma nova entidade para defender seus direitos. Em que estágio está a criação da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom)?
A exemplo do “Barão de Itararé”, que surge desse processo da luta pela democratização e é filho da Confecom, a Altercom é mais filho ainda daquela Conferência. Ela foi uma sacada que surgiu ainda no processo de formação da Confecom, no momento em que os empresários tentaram sabotá-la. De repente vimos que a mídia mudou muito. Se por um lado temos os monopólios, de outro temos vários pequenos empresários, donos de pequenos sites. O blogueiro, por exemplo, é um PJ (termo que se usa para “Pessoa Jurídica”), um empresário. Temos os sites e revistas progressistas e, portanto, decidimos adotar a tática do “entrismo”. Já que eles quiseram ficar de fora, vamos ocupar esse espaço.
A Altercom é fruto disso. Ela é uma entidade empresarial. É uma associação como a Abert, que representa a Globo, a Record e a SBT, como a ANJ, que representa jornais como a “Folha” e o “Estadão”, como a ANER, que representa editoras e revistas como a “Veja”. A Altercom, por sua vez, representa as empresas e os empreendedores individuais. Seu objetivo é o de defender os interesses desses empreendedores, como a luta por publicidade, por lugar em bancas, por barateamento de papel e também se pronunciar politicamente.
Recentemente, a Abert voltou a publicar um documento criticando a Confecom; a Altercom, por sua vez, vai parabenizar a Conferência. Resumindo, a Altercom é uma representação de interesses econômicos e políticos desse setor progressista empresarial. Ainda é algo que está dando seus primeiros passos, está neste momento dando entrada em seu registro e vem realizando suas primeiras reuniões.
O Portal CTB terá uma editoria de mídia a partir desta semana. Em termos gerais, que análise você faz sobre como o movimento de trabalhadores e os movimentos sociais em geral podem agir para não ficar para trás nesse debate sobre a mídia e também contribuir para seu aprimoramento?
Tenho para mim que os movimentos sociais em geral — e o movimento sindical em particular, por ter mais estrutura e ser estruturante — têm que parar de chorar. Não adianta mais ficar reclamando que a cobertura da TV Globo é sacana, que a “Veja” chama sindicalista de vagabundo, etc. Não adianta ficar reclamando. Não adiantar ter ilusão com essa mídia que está aí. Muitas vezes algumas lideranças ficam reclamando, mas não veem a hora de serem entrevistados pela “Veja”, pela “Folha” ou pelo “Estadão”. Tudo bem, eles não podem se esconder, mas não adianta ficar reclamando.
Se não adianta mais ficar reclamando, eles têm que investir na sua própria comunicação. É preciso parar com a ideia de que comunicação é gasto, algo que se faz por obrigação. Comunicação não é gasto e talvez seja um dos mais importantes investimentos da área sindical. Às vezes o movimento sindical gasta dinheiro com besteiras e não investe em uma área decisiva como a comunicação. Outro velho barbudo, Friedrich Engels, dizia que a luta de classes se dá em três terrenos: o econômico, o político e o das ideias. O movimento sindical tem que investir nesse último terreno. Não dá mais para achar que um diretor sozinho tem a capacidade de convencer a milhões de trabalhadores. Investir nesse terreno é priorizá-lo.
Nesse sentido, é preciso enfrentar uma certa visão burocratizada sobre comunicação que os sindicatos ainda têm. Perdoe-me a dureza, mas parece que o diretor sindical, por ser um ótimo orador, é capaz de fazer todo o necessário para se comunicar. O próprio Lula acha isso — e esse talvez tenha sido um dos motivos pelos quais o governo não investiu como deveria contra essa hegemonia. Essa visão rebaixada de comunicação não é a mesma que os empresários têm. Se você pegar a parcela do PIB dos Estados Unidos investido em comunicação, é algo elevadíssimo.
Eu chego a dizer que deveríamos chamar o Edir Macedo para termos uma noção da importância da comunicação. Sem isso, sua igreja estaria morta. Temos que fazer com que a ficha caia. Temos que sair dessa visão artesanal, espontânea e meio burocrática de comunicação, pois se trata de algo decisivo na luta de ideias. E, ao sair, aperfeiçoar essa visão. Não basta mais investimento sem melhorar os veículos. Não estamos conseguindo trazer a juventude, não conseguimos falar com a juventude — e o pouco que falamos é a partir de uma linguagem envelhecida, que não capta essa nova realidade do áudio, do vídeo, desse mundo das coisas mais rápidas. Essa ficha precisa cair.
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segunda-feira, 12 de julho de 2010
A esquerda ganha quando soma, une
Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior:
Fidel foi sempre quem mais bateu nessa tecla. Contra os dogmatismos, os sectarismos, os isolacionismos, ele sempre reiterou que “a arte da política é a arte de unificar”, que a esquerda triunfou quando soube ganhar setores mais amplos, quando unificou, quando soube desenvolver políticas de alianças.
Foi assim que os bolcheviques se tornaram maioria, ao apelar aos camponeses para que tomassem as terras, realizando seu sonho secular de terra própria, mesmo se isso parecia estar em contradição com os interesses do proletariado urbano, que se propunha a socializar os meios de produção. Foi assim na China, com a aliança com setores do empresariado nacional, para expulsar o invasor japonês e realizar a revolução agrária. Foi assim em Cuba, quando Fidel soube unificar a todas as forças antibatistianas para derrubar a ditadura. Foi assim na Nicarágua, com a frente antisomozista organizada pelo sandinismo.
Como se trata de políticas de alianças, é preciso perguntar-nos sobre os limites dessas alianças e como se conquista hegemonia nessas alianças. A arte da construção da uma estratégia hegemônica está, em primeiro lugar, em organizar solidamente as forças próprias, aquelas interessadas profundamente no projeto de transformações da sociedade. No nosso caso, de superação do neoliberalismo e de construção de uma sociedade justa, solidária, democrática e soberana.
O segundo passo é o de construir alianças com forças próximas, no nosso caso, com setores médios da sociedade, que tem diferenças com a grande massa popular, mas que podem somar-se ao novo bloco hegemônico, conforme as plataformas que se consiga elaborar.
Organizadas as forças próprias, somadas as aliadas, se trata de neutralizar as forças que não se somariam ao nosso campo, buscando isolar ao máximo as forças adversárias. Essa a arquitetura que pode permitir a vitória da esquerda, a organização do campo popular e a constituição de um novo bloco de forças no poder.
O sectarismo, o dogmatismo são caminhos de derrota segura. Afincar-se nos princípios, sem enfrentar os obstáculos para construir uma força vitoriosa, é ficar de bem consigo mesmo – “não trair os princípios”, defender a teoria contra a realidade -, centrar a ação na luta ideológica e não nas necessidades de construção política de uma alternativa vitoriosa. O isolamento e a derrota dessas vias no Brasil são a confirmação dessa tese.
Em uma aliança se perde a hegemonia quando se cede o essencial ao aliado, na verdade um inimigo a que se converte quem concede. FHC aliou-se ao então PFL, não para impor o programa do seu partido, mas para realizar o programa da direita – o neoliberal. Nessa aliança se impôs a hegemonia neoliberal. Uma força que se pretendia social democrata realizou um programa originalmente contraposto à sua natureza.
Lula fez uma aliança ampla – não apenas com o PMDB e outros partidos -, mas também com o capital financeiro, mediante a Carta aos brasileiros, o Meirelles no Banco Central e a manutenção do ajuste fiscal e do superávit fiscal, conforme as orientações levadas a cabo por Palocci. Neutralizou forças adversárias, que ameaçavam desestabilizar a economia, mediante ataque especulativo que já havia dobrado o valor do dólar durante a campanha eleitoral.
Ao longo do tempo, com as transformações operadas no governo, a hegemonia do projeto original do Lula foi se impondo. O tema do desenvolvimento passou a ser central, com um modelo intrinsecamente vinculado à distribuição de renda, ao mesmo tempo que a reinserção internacional se consolidou, privilegiando alianças com os governos progressistas da América Latina e com as principais forças do Sul do mundo. O Estado, por sua vez, voltou a ter um papel de indutor do desenvolvimento e de garantia da extensão das políticas sociais.
Os aliados políticos e econômicos continuaram a ter força e a ocupar espaços dentro do governo. A maioria parlamentar do PMDB ficou representada na política do agronegócio, os interesses do setor privado de comunicações, assim como os das FFAA – em três ministérios importantes no governo. Da mesma formal, a centralidade do capital financeiro no neoliberalismo garantiu uma independência de fato do Banco Central.
Esses espaços enfraqueceram a hegemonia do projeto original, mas permitiram sua imposição no essencial. O agronegócio teve contrapontos no Ministério de Desenvolvimento Agrário, a política de comunicações em iniciativas como a TV Brasil e a Conferência Nacional de Comunicações, as FFAA no Plano Nacional dos Direitos Humanos, o Banco Central em ações indutoras sobre a taxa de juros e no papel determinante que políticas com o PAC, o Minha casa, minha vida.
As fronteiras das alianças e a questão da hegemonia provocaram tensões permanentes, pelos equilíbrios instáveis que provocam essas convivências. Mas, como se sabe, sem maioria no Congresso, o governo quase caiu em 2005. A aliança com o PMDB – com as contrapartidas dos ministérios mencionados – foi o preço a pagar para a estabilidade política do governo.
Um dos problemas originários do governo Lula foi que ele triunfou depois de uma década de ofensiva contra o movimento popular, que passou a uma situação de refluxo, tendo como um dos resultados a minoria parlamentar e de governos estaduais com que o governo Lula teve que conviver, mesmo depois da reeleição de 2006.
Por isso uma das disputas mais importantes este ano é o da correlação de forças no Parlamento, para garantir para um governo Dilma uma maioria de esquerda no Congresso, com dependência menor ali e na composição do governo. Assim se disputam os limites das alianças e a hegemonia.
Diferença fundamental na política de alianças de FHC e de Lula é a questão da hegemonia, da política levada adiante. A prioridade das políticas sociais – que muda a face da sociedade brasileira –, a nova inserção internacional do Brasil, o papel do Estado e das políticas de desenvolvimento – dão o caráter do governo Lula. As alianças devem viabilizar sua centralidade. A correlação de forças das alianças está em jogo nas eleições parlamentares deste ano.
Foi um governo em permanente disputa, com duas etapas claramente delineadas, com o ajuste fiscal predominando na primeira, o desenvolvimento econômico e social na segunda. A coordenação do governo realizada pela Dilma representou exatamente essa segunda fase, de que o seu governo deve ser continuação. O que não significava que as tensões apontadas não permaneçam. Mas elas podem ser enfrentadas numa correlação de forças mais favorável à esquerda e em um marco de uma nova grande derrota da direita, que abre espaço para um avanço estratégico do projeto de construção de uma sociedade justa, solidária, democrática e soberana.
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Fidel foi sempre quem mais bateu nessa tecla. Contra os dogmatismos, os sectarismos, os isolacionismos, ele sempre reiterou que “a arte da política é a arte de unificar”, que a esquerda triunfou quando soube ganhar setores mais amplos, quando unificou, quando soube desenvolver políticas de alianças.
Foi assim que os bolcheviques se tornaram maioria, ao apelar aos camponeses para que tomassem as terras, realizando seu sonho secular de terra própria, mesmo se isso parecia estar em contradição com os interesses do proletariado urbano, que se propunha a socializar os meios de produção. Foi assim na China, com a aliança com setores do empresariado nacional, para expulsar o invasor japonês e realizar a revolução agrária. Foi assim em Cuba, quando Fidel soube unificar a todas as forças antibatistianas para derrubar a ditadura. Foi assim na Nicarágua, com a frente antisomozista organizada pelo sandinismo.
Como se trata de políticas de alianças, é preciso perguntar-nos sobre os limites dessas alianças e como se conquista hegemonia nessas alianças. A arte da construção da uma estratégia hegemônica está, em primeiro lugar, em organizar solidamente as forças próprias, aquelas interessadas profundamente no projeto de transformações da sociedade. No nosso caso, de superação do neoliberalismo e de construção de uma sociedade justa, solidária, democrática e soberana.
O segundo passo é o de construir alianças com forças próximas, no nosso caso, com setores médios da sociedade, que tem diferenças com a grande massa popular, mas que podem somar-se ao novo bloco hegemônico, conforme as plataformas que se consiga elaborar.
Organizadas as forças próprias, somadas as aliadas, se trata de neutralizar as forças que não se somariam ao nosso campo, buscando isolar ao máximo as forças adversárias. Essa a arquitetura que pode permitir a vitória da esquerda, a organização do campo popular e a constituição de um novo bloco de forças no poder.
O sectarismo, o dogmatismo são caminhos de derrota segura. Afincar-se nos princípios, sem enfrentar os obstáculos para construir uma força vitoriosa, é ficar de bem consigo mesmo – “não trair os princípios”, defender a teoria contra a realidade -, centrar a ação na luta ideológica e não nas necessidades de construção política de uma alternativa vitoriosa. O isolamento e a derrota dessas vias no Brasil são a confirmação dessa tese.
Em uma aliança se perde a hegemonia quando se cede o essencial ao aliado, na verdade um inimigo a que se converte quem concede. FHC aliou-se ao então PFL, não para impor o programa do seu partido, mas para realizar o programa da direita – o neoliberal. Nessa aliança se impôs a hegemonia neoliberal. Uma força que se pretendia social democrata realizou um programa originalmente contraposto à sua natureza.
Lula fez uma aliança ampla – não apenas com o PMDB e outros partidos -, mas também com o capital financeiro, mediante a Carta aos brasileiros, o Meirelles no Banco Central e a manutenção do ajuste fiscal e do superávit fiscal, conforme as orientações levadas a cabo por Palocci. Neutralizou forças adversárias, que ameaçavam desestabilizar a economia, mediante ataque especulativo que já havia dobrado o valor do dólar durante a campanha eleitoral.
Ao longo do tempo, com as transformações operadas no governo, a hegemonia do projeto original do Lula foi se impondo. O tema do desenvolvimento passou a ser central, com um modelo intrinsecamente vinculado à distribuição de renda, ao mesmo tempo que a reinserção internacional se consolidou, privilegiando alianças com os governos progressistas da América Latina e com as principais forças do Sul do mundo. O Estado, por sua vez, voltou a ter um papel de indutor do desenvolvimento e de garantia da extensão das políticas sociais.
Os aliados políticos e econômicos continuaram a ter força e a ocupar espaços dentro do governo. A maioria parlamentar do PMDB ficou representada na política do agronegócio, os interesses do setor privado de comunicações, assim como os das FFAA – em três ministérios importantes no governo. Da mesma formal, a centralidade do capital financeiro no neoliberalismo garantiu uma independência de fato do Banco Central.
Esses espaços enfraqueceram a hegemonia do projeto original, mas permitiram sua imposição no essencial. O agronegócio teve contrapontos no Ministério de Desenvolvimento Agrário, a política de comunicações em iniciativas como a TV Brasil e a Conferência Nacional de Comunicações, as FFAA no Plano Nacional dos Direitos Humanos, o Banco Central em ações indutoras sobre a taxa de juros e no papel determinante que políticas com o PAC, o Minha casa, minha vida.
As fronteiras das alianças e a questão da hegemonia provocaram tensões permanentes, pelos equilíbrios instáveis que provocam essas convivências. Mas, como se sabe, sem maioria no Congresso, o governo quase caiu em 2005. A aliança com o PMDB – com as contrapartidas dos ministérios mencionados – foi o preço a pagar para a estabilidade política do governo.
Um dos problemas originários do governo Lula foi que ele triunfou depois de uma década de ofensiva contra o movimento popular, que passou a uma situação de refluxo, tendo como um dos resultados a minoria parlamentar e de governos estaduais com que o governo Lula teve que conviver, mesmo depois da reeleição de 2006.
Por isso uma das disputas mais importantes este ano é o da correlação de forças no Parlamento, para garantir para um governo Dilma uma maioria de esquerda no Congresso, com dependência menor ali e na composição do governo. Assim se disputam os limites das alianças e a hegemonia.
Diferença fundamental na política de alianças de FHC e de Lula é a questão da hegemonia, da política levada adiante. A prioridade das políticas sociais – que muda a face da sociedade brasileira –, a nova inserção internacional do Brasil, o papel do Estado e das políticas de desenvolvimento – dão o caráter do governo Lula. As alianças devem viabilizar sua centralidade. A correlação de forças das alianças está em jogo nas eleições parlamentares deste ano.
Foi um governo em permanente disputa, com duas etapas claramente delineadas, com o ajuste fiscal predominando na primeira, o desenvolvimento econômico e social na segunda. A coordenação do governo realizada pela Dilma representou exatamente essa segunda fase, de que o seu governo deve ser continuação. O que não significava que as tensões apontadas não permaneçam. Mas elas podem ser enfrentadas numa correlação de forças mais favorável à esquerda e em um marco de uma nova grande derrota da direita, que abre espaço para um avanço estratégico do projeto de construção de uma sociedade justa, solidária, democrática e soberana.
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