Reproduzo artigo de Izaías Almada, publicado no blog Escrevinhador:
Nem bem a tinta do jornal havia secado, onde, entre outras sensaborias se podia ler a entrevista da atriz (sic) Maitê Proença, já o Jornal Nacional na sua edição do dia 09 de agosto escancarava aos seus espectadores a “estratégia” de Dona Beija.
Já me explico. O jornalão o Estado de São Paulo publicou uma entrevista com a atriz, onde se destaca um curioso e patético raciocínio. Ela se diz feminista, mas abriria mão parcialmente desta condição, desde que os machistas brasileiros, selvagens de preferência, ajudassem a colocar a candidata Dilma Roussef no seu lugar, isto é: ou na cozinha ou atrás do tanque. Afinal, o que é que ela tem que ficar se metendo em política e ainda ter a petulância de ser candidata a presidente da república?
William Bonner, jornalista com mestrado em Hommer Simpson, não perdeu tempo. Ao lado da mulher, Fátima Bernardes, iniciou uma sequência de entrevistas tendo Dilma Roussef como primeira a ser inquirida (o termo é esse mesmo). Ansioso, tomado de elevado grau de nervosismo, do alto de sua presunçosa arrogância, disparou contra a candidata uma sequencia de perguntas (muitas delas contraditórias, para quem busca alguma consistência nas respostas), atropelando essas mesmas respostas, em demonstração inequívoca do seu despreparo para aquele momento.
Fiquei pensando, enquanto acompanhava a entrevista, o porquê de tal destempero. De repente, acendeu a luzinha: Bonner, aceitando o desafio da atriz, lançado pela manhã, incorpora de imediato o papel de machista selvagem e avança sobre Dilma Roussef de microfone em punho. Quis o destino que ao seu lado estivesse a sua própria mulher, jornalista, dona de casa e mãe de seus filhos. E ficou evidente ali, diante de milhões de espectadores, que Fátima Bernardes não tem lá muitas simpatias por machistas selvagens e – sem que conseguisse disfarçar a sutileza do gesto – procurou mostrar os excessos do marido em agradar aos donos da casa.
Extravagante, patético, sensacional. O pior jornalismo brasileiro (e não são poucos os que o fazem) mostrava as suas vísceras no horário nobre. Para não deixar dúvidas sobre o fosso que vai se abrindo entre um Brasil que a duras penas quer mudar e um Brasil arcaico que insiste em não enxergar a realidade à sua volta.
Neste, no arcaico, os que entraram nos trilhos da resistência e do passadismo caminham para o precipício, mas seguros da sua própria ignorância.
* Izaías Almada é escritor, dramaturgo e roteirista cinematográfico. É autor, entre outros, do livro "Venezuela, povo e Forças Armadas" (Editora Caros Amigos).
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