Reproduzo artigo de Wladimir Pomar, publicado no sítio do Correio da Cidadania:
As eleições de 2010 não tiveram o debate político como seu forte. No entanto, as discussões políticas sobre o futuro se avolumam e apresentam uma pauta desafiante a ser enfrentada pelo governo Dilma, pelo PT e, em geral, pela esquerda.
O governo Dilma terá que ser diferente do governo Lula. Ser uma simples continuidade do governo que sucede significaria prostrar-se diante dos limites que adversários e alguns aliados pretendem impor a governos democráticos e populares. O que seria um desastre para o desenvolvimento dessas experiências inusitadas da história brasileira.
O governo Dilma só pode ter sucesso se for muito além dos avanços do governo Lula. Pode e deve tomá-los como suporte, mas terá de considerar diferentes tanto os problemas herdados quanto os emergentes. Queira ou não, sua pauta terá que partir dessa constatação, porque a realidade é sempre mais forte do que os desejos.
Entre tais problemas, ganhou destaque, legitimidade e prioridade ainda maiores a questão social. O populismo praticado por Serra foi o reconhecimento do peso político que essa questão tem hoje no país. A derrota do candidato da direita foi, em grande parte, resultado da consciência do eleitorado quanto à falsidade de seu populismo, ao comparar os governos FHC e Lula.
Assim, mais do que o governo Lula, o governo Dilma terá que operar medidas que avancem na solução das questões sociais. Não pode limitar-se à educação e à saúde. Precisará avançar na solução do saneamento, transportes públicos e moradias, aproveitando os eventos internacionais a serem realizados no Brasil. Precisará alcançar o pleno emprego, seja através do desenvolvimento industrial, seja através das demandas de aumento substancial da produção agrícola, para assentar os milhares de trabalhadores que não têm terra para trabalhar.
O mesmo é verdade para o combate à corrupção. Se esta já era uma questão constrangedora da sociedade brasileira, ela se tornou ainda mais virulenta com o processo de globalização e um perigo constante para um governo que pretende avançar na ampliação democrática e no benefício das grandes camadas populares. Será necessário avançar ainda mais na legislação que pune corruptos e corruptores e não vacilar em afastar aqueles que, mesmo estando no governo, no PT ou na esquerda, cometem atos dessa natureza.
O governo Dilma também se verá compelido a combinar, de forma ainda mais consciente, os processos aparentemente antagônicos de desenvolvimento econômico e social e de proteção ambiental, através da solução das questões fundiária, do zoneamento agrícola e do zoneamento florestal. O que demandará uma revisão mais profunda do Código Florestal, em tramitação no Congresso.
A questão nacional e as relações internacionais multipolares continuarão sendo um tema estratégico de primeira grandeza para o governo Dilma. Diante de um quadro cada vez mais complexo, em virtude da crise mundial do capitalismo, precisará reafirmar a soberania e a independência, ao mesmo tempo em que deverá se esforçar para manter relações pacíficas com todas as nações, independentemente de seu regime político, tendo os interesses nacionais do Brasil em primeiro lugar.
A ampliação da democracia, abrindo cada vez mais espaços para as grandes camadas sociais da população brasileira, e tendo em conta sua opção de solucionar seus problemas através do voto, continuará sendo crucial para o sucesso do novo governo. O que demanda enfrentar a realização da reforma política, sem deixar de levar em conta que os projetos alternativos de sociedade e a disputa entre classes continuam presentes na sociedade brasileira.
Cada setor social tem seu próprio projeto classista, independentemente da forma como o apresenta. Portanto, detectar como a disputa entre os diferentes projetos se expressa será fundamental para a estratégia de desenvolver as forças produtivas, gerar riqueza e recompor a força social da classe dos trabalhadores assalariados.
O governo Dilma, da mesma forma que o governo Lula, terá que administrar as contradições do processo em que coexistem diferentes formas de propriedade, e em que a redistribuição de renda passou a ser um componente essencial, tanto de unidade, quanto das disputas entre classes. E é nesse contexto que terá que ser enfrentada a reforma tributária.
Além disso, essas questões estratégicas deverão ser influenciadas por problemas emergenciais de diferentes tipos, a exemplo do câmbio e da reforma da previdência. O problema cambial é imediato e carrega grande perigo para o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Os Estados Unidos ingressaram numa política de desvalorização cambial comandada pelo Estado, no rumo contrário do câmbio flutuante que exigem para os demais países, enquanto o governo brasileiro continua engajado nesse tipo de câmbio. Em algum momento, para evitar a necessidade de uma maxidesvalorização, o governo brasileiro terá que adotar mudanças que garantam a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional.
O problema cambial, assim como os demais problemas emergentes, se refletirá no comportamento dos partidos, inclusive dos aliados do governo. Nesse sentido, o governo Dilma terá sempre de trabalhar para obter maioria em seus projetos no Congresso, em especial aqueles que podem beneficiar as camadas populares e a nação, em detrimento de alguns interesses econômicos e sociais da burguesia.
Terá que praticar constantemente o método de unidade e de luta no seio da coalizão governamental, tendo sempre as questões sociais e nacionais como parâmetros principais. Supor que contará eternamente com os votos de todos os parlamentares da chamada base aliada não passa de um sonho.
A pauta mínima, tanto para o governo Dilma quanto para o PT e a esquerda em geral, exige que as lições das eleições de 2010 sejam tomadas na devida conta, partindo da constatação de que a direita no Brasil, mesmo travestida de social-democrata, se tornou ainda mais conservadora e reacionária.
A ação dessa direita sobre cada um dos itens dessa pauta será no sentido de abrir brechas na coalizão governamental, paralisar o governo diante de reais ou fictícios deslizes, desacreditá-lo frente às grandes massas da população e, mesmo, impor saídas extra-constitucionais para liquidar uma experiência que, apesar de lenta, aponta na direção de as camadas populares se transformarem em reais participantes na história. O que se torna cada vez mais inconcebível para uma burguesia que reinava sozinha.
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