sábado, 13 de novembro de 2010

Quanto vale o voto do nordestino?

Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, publicado no jornal Valor Econômico:

O Brasil elegeu, por dois mandatos, um ex-metalúrgico como presidente da República. Agora elege uma mulher. Ambos de centro-esquerda. Para quem assistiu de fora a eleição de Dilma Rousseff e os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode parecer que o país avança celeremente para uma civilizada socialdemocracia e busca com ardor o Estado de bem-estar social. Para quem assistiu de dentro, todavia, é impossível deixar de registrar a feroz resistência conservadora à ascensão de uma imensa massa de miseráveis à cidadania.

Ocorre hoje um grande descompasso entre classes em movimento e as que mantêm o status quo; e, em consequência de uma realidade anterior, onde a concentração de renda pessoal se refletia em forte concentração da renda federativa, há também um descompasso entre regiões em movimento, tiradas da miséria junto com a massa de beneficiados pelo Bolsa Família ou por outros programas sociais com efeito de distribuição de renda, e outras que pretendem manter a hegemonia. A redução da desigualdade tem trazido à tona os piores preconceitos das classes médias tradicionais e das elites do país não apenas em relação às pessoas que ascendem da mais baixa escala da pirâmide social, mas preconceitos que transbordam para as regiões que, tradicionalmente miseráveis, hoje crescem a taxas chinesas.

A onda de preconceito contra os nordestinos, por exemplo, é semelhante ao preconceito em estado puro jogado pelos setores tradicionais no presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na própria eleita, Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral. É a expressão do temor de que os “de baixo”, embora ainda em condições inferiores às das classes tradicionais, possam ameaçar uma estabilidade que não apenas é econômica, mas que no imaginário social é também de poder e status.

Há resistências à mobilidade social e regional

São Paulo foi a expressão mais acabada da polarização eleitoral entre pobres de um lado, e classe média e ricos de outro. Os primeiros aderiram a Dilma; os últimos, mesmo uma parcela de classe média paulista que foi PT na origem, reforçaram José Serra (PSDB). A partir de agora, pode também polarizar a mudança política que fatalmente será descortinada, à medida que avança o processo de distribuição regional de renda e de aumento do poder aquisitivo das classes mais pobres. A hegemonia política paulista está em questão desde as eleições de 2006 – e Lula foi poupado do desgaste de ter origem política em São Paulo porque era também destinatário do preconceito de ter nascido no Nordeste; e, principalmente, porque foi o responsável pela desconcentração regional de renda.

Com a expansão do eleitorado petista no Norte e no Nordeste do país, houve uma natural perda de força dos petistas paulistas, diante do PT nacional. Do ponto de vista regional, o voto está procedendo a mudanças na formação histórica do PT, em que São Paulo era o centro do poder político do partido. Isso não apenas pelo que ganha no Nordeste, mas pelo que não ganha em São Paulo: o partido estadual tem dificuldade de romper o bloqueio tucano e também de atrair de novos quadros, que possam vencer a resistência do eleitorado paulista ao petismo.

No caso do PSDB, todavia, a quebra da hegemonia paulista será mais complicada. Os tucanos continuam fortes no Estado, têm representação expressiva na bancada federal e há cinco eleições vencem a disputa pelo governo do Estado. No resto no do país, têm perdido espaço. Parte do PSDB concorda com o diagnóstico de que a excessiva paulistização do partido, se consolida seu poder no Estado mais rico da Federação, tem sido um dos responsáveis pelo seu encolhimento no resto do Brasil.

Mas é difícil colocar essa disputa interna no nível da racionalidade, até porque o partido nacional não pode abrir mão do trunfo de estar estabelecido em território paulista; e, de outro lado, o partido de Serra tem uma grande dificuldade de debate interno – como disse o governador Alberto Goldman em entrevista ao Valor, é um partido com cabeça e sem corpo, isto é, tem mais caciques do que base. Não há experiência anterior de agregação de todos os setores do partido para discutir uma “refundação” e diretrizes que permitam sair do enclave paulista. Não há experiência de debate programático. E aí o presidente Fernando Henrique Cardoso tem toda razão: o PSDB assumiu substância ideológica apenas ao longo de seu governo. É essa a história do PSDB. A política de abertura do país à globalização, a privatização de estatais e a redução do Estado foram princípios que se incorporaram ao partido conforme foram sendo assumidos como políticas de Estado pelo governo tucano.

Todos os partidos, sem exceção, estão diante de um quadro de profundas mudanças no país e terão que se adaptar a isso. Fora a mobilidade social e regional que ocorreu no período, houve nas últimas décadas um grande avanço de escolaridade. A isso, os programas de transferência de renda agregaram consciência de direitos de cidadania. O país é outro. Não se ganha mais eleição com preconceito – até porque o voto do alvo do preconceito tem o mesmo valor que o voto da velha elite. Se os grandes partidos não se assumirem ideologicamente, outros, menores, tomarão o seu espaço.

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Um comentário:

  1. Chamado aos artistas! Construamos o festival-ato INTERUNESP contra a opressão!



    A última edição do INTERUNESP na cidade de Araraquara foi palco de
    cenas de violência explicita contra a mulher com o chamado “rodeio de
    gordas”. Este consistia em que os homens inscritos em uma competição
    montassem em cima da estudante ridicularizando-a perante todos que
    estavam participando da festa. Este ato nos revela o quanto se
    naturalizou a imposição de um padrão estético aos corpos femininos e a
    idéia da mulher como objeto ao desfrute dos homens.

    Na Universidade de São Paulo, nos deparamos no começo
    deste ano com a proposta de premiação por parte um jornal organizado
    por um grupo de estudantes para quem “arremessasse fezes em um gay” e
    mais recentemente com as agressões físicas contra um casal de
    homossexuais em uma festa da Escola de Comunicação e Artes (ECA).
    Ainda na capital paulista, vemos o surgimento de um movimento que pede
    a morte de nordestinos e que já planejam até atos por uma “São Paulo
    para os paulistanos”.

    O Diretório Central dos Estudantes da Unesp-Fatec, em
    resposta a execrável atitude ocorrida no INTERUNESP convocou a
    realização de um grande Festival contra as opressões. O chamado à
    construção do festival abre o debate sobre o papel que deve cumprir as
    manifestações artísticas e atuação dos artistas em geral. Estes se
    colocaram muitas vezes na linha de frente contra as tendências
    retrógradas que teimam voltar às cenas. Reivindicamos este setor
    importante de artistas que sempre foi o mais corajoso em combater com
    sua arte as tendências preconceituosas e autoritárias de todo tipo.
    Foi assim na ditadura militar com Chico Buarque, Teatro Oficina,
    Geraldo Vandré entre muitos. Recentemente, acolhemos com entusiasmo o
    apoio de Tom Zé e BNegão entre outros quando das perseguições do
    governo do estado ao combativo sindicato dos trabalhadores da USP.

    A partir disso, convidamos a todas/os artistas que se colocam na
    perspectiva de superação da discriminação e opressão a construírem
    este grande festival que será realizado no dia 3 e 4 de novembro no
    campus da UNESP/Marília.

    Enquanto entidade estudantil estamos encontrando dificuldades
    financeiras para a realização do festival. No entanto, antecipamos que
    estamos dispostos a arcar com todas as despesas com estadia e
    transporte daqueles que se propuserem a se apresentar durante o
    festival. Além disso, iniciamos uma campanha financeira para tentar
    arcar com as despesas do festival, portanto, estamos abertos a
    conversar sobre o pagamento dos próprios shows, ainda que ressaltamos
    que este chamado tem o objetivo de sensibilizar os/as artistas de
    participarem solidariamente do mesmo.

    Também chamamos a todos os que não possam participar, que façam uma
    declaração filmada ou escrita, que digam se podem participar de outras
    atividades em outra data e local ou se podem dar outro tipo de
    colaboração à esta importante campanha.



    Os artistas e as artistas devem se colocar contra estas violências!

    Construamos uma grande campanha contra a opressão!



    Diretório Central dos Estudantes da UNESP/Fatec – Helenira Rezende
    dceunespfatec.blogspot.com

    Entre em contato com o DCE para organizarmos juntas/os essa luta:
    dceunespfatec@gmail.com

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