Reproduzo artigo de Miguel do Rosário, publicado no blog Gonzum (ex-Óleo do Diabo):
Pensando nos blogueiros que se reuniram em São Paulo em agosto passado, em evento organizado pelo instituto Barão de Itararé, lembro do clássico de Euclides da Cunha, e daí catei o livro para citar um trecho que me servirá de mote para fazer algumas considerações:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”
Os Sertões, uma das maiores obras-primas de nossa literatura, me fornece várias analogias interessantes ao momento atual do Brasil. Os combativos habitantes de Canudos, na minha imaginação, transformam-se nos blogueiros “progressistas”. Não há um Antônio Conselheiro, mas em todos há um toque de fanatismo cujo objeto é o governo Lula.
Deixe-me explicar melhor.
Esse fanatismo, embora tenha servido para dar um ânimo extraordinário à jagunçada virtual, prestando uma importante ajuda na derrota das forças obscuras e retrógradas que se aglutinaram em torno de José Serra e de alguns órgãos de mídia, pode atrapalhar agora a continuidade da mesma luta.
Uso termos talvez meio exagerados, como fanatismo e jagunço, mas num sentido positivo. Os grandes ideais nos arrastam, nos apaixonam, nos fanatizam. A revolução francesa nunca se tornaria uma realidade sem a legião de fanáticos que lhe sacrificou a vida e o bem estar – e, no entanto, pouco depois, essa mesma espécie de fanatismo quase a destruiu. Naturalmente que a história, ou seja, a passagem do tempo e sua inevitável carga de sabedoria, permite-nos pesar atitudes e ideias e assumir a defesa daquilo que é justo com a serenidade dos fortes.
A tarefa mais difícil não é precisamente a disposição para o combate. Qualquer idiota nazista pode ter coragem, espírito de sacrifício, energia e determinação para luta. Urge, antes de tudo, compreender o processo, ter uma visão abrangente, conhecer o terreno histórico onde se pisa. Muitas vezes, quando se abandona uma linha de ação ou se desiste de levar adiante uma determinada batalha, não se faz por covardia ou omissão, mas por intuir que não há uma compreensão satisfatória das circunstâncias e, portanto, não vale a pena ir em frente.
Essa intuição – dom democrático que não precisa, necessariamente, de nenhum tipo de instrução formal para se desenvolver – é a principal ferramenta política do indivíduo, e quando as pessoas se desinteressam por alguma causa social não se deve acusá-las de alienação ou coisa parecida – em alguns casos, a sua atitude é uma opção mais inteligente do que outras.
Quando as pessoas desistem, por exemplo, de participar das articulações da “blogosfera progressista”, fazem-no porque intimamente julgam que o momento não está maduro.
No entanto, assim como aqueles quatro estropiados que tombaram por último em Canudos, assim também haverá, entre nós, aqueles que lutarão até o fim.
Mas lutarão porque mesmo? Para quê?
Eu sempre torci pelos fanáticos de Antônio Conselheiro. Pelos jagunços. Eles venceram três grandes expedições militares.
No entanto, pensando melhor, eles se engajaram numa guerra desde o início suicida e maluca. Se o governo da época foi truculento e assassino, os rebeldes de Canudos foram ingênuos e arrogantes.
Digo isso porque me sinto como se fizesse parte de um grupo restrito de “sobreviventes” da blogosfera progressista, diante dos quais rugem cinco mil jornalistas, publicitários e executivos da grande mídia. Aliás, tenho uma comparação ainda mais direta: (sem querer superestimar a importância da blogosfera, mas só pelo valor da imagem) assim como os jagunços de Canudos esmagaram o exército em três oportunidades, nós vencemos três grandes eleições presidenciais contra forças infinitamente mais poderosas. Eles lutavam contra o latifúndio e seus tentáculos. Nós lutamos contra outra forma de opressão, o latifúndio midiático.
Não podemos, todavia, nos esquecer do destino trágico dos canudenses. Não podemos ser fanáticos.
Ao mesmo tempo, sabemos que a importância política concreta da blogosfera progressista será fazer o contraponto a grande mídia no que se refere (como diria Dilma) à crítica ao governo.
É um grande desafio. Como exercer a crítica sem repetir um modelo ultraesquerdista muitas vezes forçado, artificial? Sem fazer uma crítica tola?
Alguns companheiros já estão tentando fazer isso, mas é complicado.
O Rogério do Conexão Brasília Maranhão escreveu um post criticando o apoio incondicional de Lula à família Sarney. Eu o li com atenção e impressionaram-me os rodeios que o blogueiro se sentiu obrigado a fazer antes de emitir sua opinião. Não o critico pelos rodeios, ao contrário, acho que ele foi inteligente ao esclarecer que, apesar de apoiar Lula no contexto maior das lutas sociais, não entende e critica fortemente um ponto da política do presidente.
Um outro companheiro nosso, o Raphael Tsavkko, do blog Angry Brazilian, anda sempre se metendo em brigas com gente da própria blogosfera progressista por conta de seu desejo de criticar o governo Lula e pela recepção ácida, às vezes inclusive truculenta, que encontra em nosso meio para suas opiniões.
E aí podemos falar de um grande amigo nosso, o Azenha, um dos fundadores da “blogosfera progressista” como a entendemos. Observei que ele ficou atônito (como qualquer um no lugar dele ficaria) diante da força meio anárquica meio monstruosa que ele viu emergir após o Encontro de Blogueiros Progressistas. A vida é assim: as iniciativas criam vida própria, tomam rumos inesperados, crescem subitamente.
Todos estão atônitos agora porque a própria presidência da república reconheceu a importância do movimento como força política da esquerda, maior, mais leal, mais combativa, e muito mais eficaz, do que as mídias de esquerda tradicional: Caros Amigos, Brasil de Fato, etc, que ainda recendem a uma esquerda meio acadêmica, meio ranzinza e impedida por várias razões a se engajar de frente na guerra da comunicação; atingem um público reduzido e específico e não tem o poder da blogosfera para criar debates e provocar fissuras nos consensos midiáticos.
O mais surpreendente foi que a tal blogosfera progressista assumiu, desde o início, ares de um partido político! E não digo isso como crítica. Ao contrário, vejo isso sob um ângulo divertido. É legal, é novo, é histórico e inscreve-se numa sequência lógica: se a grande mídia tornou-se uma espécie de partido conservador, nada mais natural que uma parte da blogosfera, que é também uma grande mídia, desponte como um partido progressista!
Mas essa partidarização também afasta aqueles que desejavam ver a blogosfera como um contraponto puramente jornalístico, pessoas como o Azenha, que não se sentem bem no papel de “liderança política” de que ele se viu investido à sua revelia. A blogosfera cria situações estranhas, inusitadas, com as quais ainda não aprendemos a lidar.
E por ter, espontaneamente, sem que os próprios participantes tenham se dado conta, assumido a forma de um partido, ainda livre de qualquer amarra burocrática, seus membros fazem debates às vezes duros mas que visam a criação de um consenso e de uma agenda únicos. Afinal, por mais que seja democrático, para um partido, abrigar várias tendências e correntes de opinião, a sua eficácia e força será sempre maior quanto mais unidos e coesos forem seus objetivos e propostas.
Tudo ainda está muito verde. Esse tipo de iniciativa pode levar anos para amadurecer e pode inclusive nem ir muito longe. Mas temos que atentar para alguns pontos importantes: primeiro, não adianta negar isso. No Encontro de São Paulo e nas listas, muitas vezes notou-se, no início, a tentativa de coibir as manifestações políticas ou partidárias, como se elas não fossem “adequadas”. Acho bobagem negar essa liberdade às pessoas, e são esses debates justamente os que mais empolgam os participantes. Eles integram o escopo principal de nossa “organização”, que é promover o debate partidário e político que não vemos nos próprios partidos e que é impossível na grande imprensa. Eu já vi o Jornal Globo abrir espaço para que leitores combinassem (na seção impressa de Cartas ao Leitor!) encontros e protestos. Uma amiga que trabalhou muitos anos no Estadão, contou-me que sua colega ligava para o celular de senadores para lembrá-los de não faltar sessões de CPIs antigoverno. Esta amiga me contava que o engajamento de alguns jornalistas em campanhas antiLula era notoriamente partidário, e não me refiro ao PSDB, refiro-me ao PIG mesmo.
Repito: se a mídia virou um partido, a blogosfera, num movimento de força dialético e natural, também virou um, e assim como a mídia tem suas instâncias proto-partidárias, como a ANJ e seus institutos de debate, como o Millenium, a blogosfera anseia por ter as suas instituições.
Assim não esperaríamos, como temos feito, irritados e sempre um pouco frustrados, as decisões de um dirigente partidário. Tomaríamos uma atitude diretamente! Quando houvesse uma conferência nacional de comunicação, nossos representantes estariam lá!
Mais importante: os camaradas da blogosfera progressista sentir-se-iam com muito mais liberdade para criticar pontualmente um governo também progressista, tranquilizados pela consciência de que, nas grandes questões, a sua entidade saberia muito bem de que lado ficar. Não teríamos esse medo de fazer uma crítica, por exemplo, ao Lula, e sermos rapidamente instrumentalizados pela oposição mais conservadora, como fizeram uma vez com um conhecido meu aqui do Rio, um escritor, que fez uma crítica ao abraço de Lula em Collor e virou primeira página do Globo, com direito a uma foto tamanho gigante na página três, como se ele fosse um grande herói na luta contra o diabo barbudo. E isso porque o cara é de esquerda e vota no PT…
Enfim, não podemos nos esquecer que estamos diante de grandes transformações tecnológicas, cujos efeitos políticos e culturais devemos nos esforçar para que sejam revertidos a nosso favor, digo, da blogosfera enquanto plataforma de comunicação.
Por que ler matérias de jornalistas sobre medicina, em geral furadas e tendenciosas, se pudemos lermos o blog de um médico prestigiado, com livros publicados e prêmios internacionais, ou mesmo de um estudante de medicina particularmente talentoso e criativo? Porque ler as furadas resenhas literárias, mistura de exercício de vaidade acadêmica com propaganda comercial, se pudemos ler os próprios escritores discutindo sua obra?
Naturalmente, para que a blogosfera se torne uma realidade, será preciso criar instrumentos que a financiem. As empresas tradicionais de mídia recebem cerca de 5 bilhões de reais por ano do Estado, incluindo aí prefeituras, estados, União e estatais. Só do governo federal, são 1,5 bilhão e meio.
Olhando para o panorama absolutamente miserável da blogosfera brasileira, se governo pingasse apenas 0,1% do que investe na mídia tradicional, já teríamos uma revolução! Mas para que pensar pequeno? Se a blogosfera é muito mais democrática que a grande imprensa e se nossos ideais são mesmo democráticos, o Estado deveria investir os 5 bilhões na blogosfera e mandar a mídia procurar a autosustentabilidade! Com dinheiro, obviamente a blogosfera iria se profissionalizar, com surgimento de blogueiros investigativos de primeiríssima linha, que iriam fazer um trabalho infinitamente melhor do que os almofadinhas da Veja!
E não venham com histórias de “chapa-branca”. Com uma boa legislação e com financiamentos, os blogueiros não perdoariam ninguém, até porque haveria grande pluralidade ideológica. A mídia vem com seu papinho de que, não fosse ela, não seriam descobertos os escândalos tais e quais… Balela, a mídia até descobre, quando põe aí um esforço quase desesperado, uns escândalos por contra própria, mas são raros – a maioria dos falcatruas consistentes chegam às mãos da mídia por órgãos do próprio Estado. As denúncias vazias, sensacionalizadas, ou mesmo falsas, vem de iniciativa própria da mídia. Invistam dinheiro numa blogosfera independente e vejam o resultado fantástico que terão! Os blogueiros de cada cidade investigarão os governos locais, cobrarão consertos nas ruas, melhora no ensino. Somente a capilaridade da blogosfera pode dar conta da complexidade e multiplicidade de demandas da sociedade brasileira, com suas mais de 5 mil cidades. De lambuja lutaremos contra a construção do homem-massa, esse indivíduo protofascista cuja mentalidade é formada justamente por essa padronização emburrecedora exigida dos grandes meios de comunicação, um processo denunciado por Hanna Arendt como princípio do surgimento de uma cultura totalitária.
Para finalizar com algo mais prático, comunico que estamos organizando o Encontro Regional dos Blogueiros Progressistas do Rio de Janeiro. Ainda estamos no início da organização. Quem quiser nos ajudar em alguma coisa, entre em contato pelo email.
Há também uma proposta de realizar o Encontro Nacional aqui no Rio… mas falamos disso depois.
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Concordo, em parte, com o que escreveu o Miguel do Rosário. Como primeira observação, quando se está organizando um grupo tem que se ter claro que o grupo formado e organizado não é o objetivo a ser alcançado. É um meio de chegar a um objetivo. E qual é o objetivo dos Blogueiros Progressistas? Defender o governo Lula? Já acabou. Defender o governo Dilma? Só isto? E, cá entre nós, defender de quem? Dos banqueiros? Ou da mídia? Como está no texto, só do governo federal, são 1,5 bilhão e meio de patrocínio aos "meios tradicionais". E aqueles do PCO, do PSTU, do PSOL? E os movimentos sociais? E o MNLM? E as pastorais? E as Centrais de Movimentos Populares? E o MST? MPA? MMC? Via Campesina? Onde estão? Estão ao lado dos progressistas? Parece-me que sim. Como organizar estes na blogosfera em torno de objetivos (que não são mais um só)? E deixo claro que foi muito boa e competente a participação dos blogueiros no episódio eleitoral que elegeu Dilma como nossa presidente. Mas no palanque da vitória estava José Sarney... Esta angústia reparto com o autor do texto. Isto que eu sou muito mais leitor do que blogueiro. Está claro que não pode ser um grupo chapa branca. Tem que ser de esquerda, ter opção partidária, participar ativamente da sociedade, propor, ser atuante etc. Mas, creio, não pode ser atrelado a governo, qualquer que seja. Pode até receber recursos públicos, pois afinal são nossos, saem de impostos que pagamos diuturnamente. E, deve ser vinculado a projetos e programas, ideias e ideais. Responder aos ataques, às mentiras, ao jogo sujo da direita é o básico. Mas tenho certeza que esta ferramenta nos dá possibilidades que vão além da lutam do enfrentamento direto. Dá-nos opções de construção da sociedade que queremos e podemos fazer acontecer. Encerrando, como diz o ditado antigo, uma rede é tão forte quanto o mais fraco de seus nós.
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