Reproduzo artigo de Izaías Almada, publicado no blog Escrevinhador:
Se dúvida houvesse quanto ao fato de se afirmar que existe uma velha e uma nova mídia no Brasil, sendo esta pautada pela procura da responsabilidade na informação e aquela cada vez mais afundada em compromissos corporativistas, distante, pois, dessa responsabilidade, a entrevista concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a blogueiros teve – entre outros méritos – o de provar a verdade desse contraste.
Destituída de maiores formalidades, bem organizada, democrática quanto a participação de cada um dos entrevistadores, solta, sem jogos de vaidade por parte dos jornalistas presentes, a entrevista mostrou um presidente bem humorado, falando abertamente aquilo que era possível falar, conforme suas próprias palavras, e sem fugir a alguns questionamentos mais delicados, mas feitos num ambiente de respeito por alguém que, injustamente, sofreu um verdadeiro linchamento da velha mídia por oito anos seguidos.
Ao contrário de analistas e jornalistas da velha mídia (que vai se mostrando cada vez mais velha, diga-se), os blogueiros presentes, onze representantes – e são muitos mais em toda blogosfera brasileira – de um estilo de jornalismo abandonado por seus pares de jornalões, revistões e televisões, tiveram a sensibilidade de entender aquele momento que viviam e construíam.
Momento histórico, já disseram muitos, porque em duas horas de transmissão, cada pergunta e cada resposta percorriam o simples caminho do diálogo entre pessoas que sabem ouvir, mesmo quanto a resposta do entrevistado era passível de uma réplica ou de contestação.
Toda a entrevista falou de um Brasil novo, que quer mudar, apesar dos enormes entraves ainda existentes. Com diplomacia e bom humor, o presidente Lula botava o dedo na ferida de várias mazelas ainda a serem enfrentadas não só pelo poder executivo, mas principalmente nos gargalos conservadores do legislativo e do judiciário. Sempre com o cuidado de dizer que determinadas mudanças só acontecerão quando a sociedade se conscientizar de que esta ou aquela mudança será necessária, como a Reforma Política, por exemplo. Disse mesmo que começaria a lutar por ela já no dia 02 de janeiro próximo dentro do seu próprio partido.
Uma entrevista que, mesmo discutindo problemas do presente e de nosso passado recente, projetava uma nação para o futuro, numa dialética que só é possível quando se faz entre pessoas cujo interesse é buscar soluções para um determinado número de problemas, de soluções para o país. E não só acuar, difamar, procurar os problemas sem indicar soluções que sejam compatíveis com a realidade que se vive no Brasil e no mundo.
Porque é assim que trabalha a velha mídia: desconstrói e achincalha, sem direito a defesa, sem o contraditório, desde que o governo ou a autoridade achincalhada e difamada em âmbito municipal, estadual e federal não dance conforme a música de seus interesses corporativos, conservadores e antinacionais.
Não é difícil mostrar a diferença de prática jornalística a partir da entrevista do presidente aos blogueiros. Vou usar aqui um exemplo que aprendi com o dramaturgo e professor de dramaturgia, meu velho amigo Chico de Assis, um dos formadores do histórico CPC da UNE nos anos 60. Em suas aulas, para tornar claro algum exemplo do tema que abordava, costumava usar uma técnica que era a de “raciocinar pelo absurdo”, isto é, você exagera uma determinada situação até o imponderável ou absurdo e, pela oposição a ela, você é capaz de compreender melhor o tema (no caso uma ação dramática) estudado.
Vamos usar a técnica aqui e, raciocinando pelo absurdo, imaginemos que naquela mesma situação e naquele mesmo cenário o presidente Lula contasse com a presença de jornalistas como Myriam Leitão, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Eliana Catanhede, Diogo Mainardi, Arnaldo Jabor, Clóvis Rossi, Merval Pereira, Lúcia Hippólito e outros menos votados…
Começaram a perceber a diferença? Para além da empáfia e do preconceito disfarçado por teorias acadêmicas mal assimiladas, aquele ar de quem sabe tudo sobre todas as coisas, do torresmo aos Diálogos de Platão, do álbum de figurinhas às teorias de Steve Hawkins. A vaidade e o auto-elogio se digladiando contra a ignorância do presidente semi-analfabeto, a Casa Grande contra a senzala, o passado contra o presente (e o futuro), tal grupo de jornalistas aproveitaria a oportunidade para expor a verdade incontestável de seus argumentos, irretorquíveis, próximos à infalibilidade papal.
O ranço e o verniz de uma auto-intitulada elite, digamos intelectual, em confronto com a linguagem mais popular do presidente, mais acessível ao cidadão comum, tão bem entendida por este, que foi capaz de lhe dar mais de 80% de popularidade em final de mandato e fazer de Dilma Roussef a nova presidente do Brasil.
O exemplo é até mais do que absurdo, mas escancara para quem acompanha o que se passa no país nesse momento a inequívoca diferença entre um jornalismo envolto em teias de aranha e naftalina e o nascimento de uma alternativa mais democrática, que respeita a inteligência do cidadão brasileiro, tendo na internet um novo e vigoroso meio de informação com responsabilidade. De tal maneira isso é verdade, que a velha mídia tentou ridicularizar o acontecimento, numa demonstração infantil de que não tem argumentos convincentes para se opor ao novo.
Nesse aspecto, as perspectivas para 2011 são promissoras. A herança bendita que o presidente Lula deixa à sua sucessora traz para ela, entre outras, a responsabilidade de efetivar, na prática, a democratização da informação no Brasil. Por aí se amplia o espaço de discussão de temas relevantes no aprofundamento e na garantia de conquistas e avanços que vão ajudar na superação de mazelas há quase cinco séculos introjetadas pela sociedade brasileira. A primeira delas é a de que um povo que estuda, tem emprego e comida na mesa é capaz de pensar melhor e combater a elite do atraso.
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terça-feira, 30 de novembro de 2010
Jobim é ministro da Defesa (dos EUA)
Reproduzo artigo de Paulo Henrique Amorim, publicado no blog Conversa Afiada:
A Folha teve acesso a alguns documentos do WikiLeaks, o melhor fruto da história da internet.
A Folha até que tentou ajudar o ministro serrista Nelson Jobim – tirou-lhe do título – , mas não conseguiu.
Os documentos revelam um escândalo.
O ministro da defesa (dos EUA) espinafra a política externa do Brasil, num almoço com o embaixador americano.
E reforça a impressão do embaixador de que o Itamaraty é antinorte-americano.
Jobim é textual: a política externa brasileira tem “inclinação anti-norte-americana”.
Um escândalo!
Não à toa que o embaixador americano considera Jobim “íntegro e confiável”.
Mas o próprio embaixador se assusta com o aliado Jobim: acha que se trata de um Ministro da Defesa “inusualmente” enxerido: mete o bedelho onde não deve, diria esse ordinário blogueiro.
Essa é a opinião do diplomata que, em Brasília, serve aos interesses nacionais americanos.
Aquele que deveria promover a defesa dos interesses nacionais brasileiros critica a política externa do Brasil e “dá a ficha” de um colega ministro, o embaixador Samuel Pinto Guimarães, que foi vice-ministro das Relações Exteriores: é alguém que “odeia os Estados Unidos”.
O embaixador americano poderia até supor isso.
Mas, uma informação dessas, “de dentro”, vale ouro.
O ministro da defesa (dos EUA), Nelson Jobim, comete outra transgressão absurdamente inaceitável.
Veja bem, amigo navegante.
Lula sai de um encontro com Evo Morales, presidente da Bolívia, em La Paz.
E conta a Jobim (teoricamente Ministro da Defesa do Brasil) que o presidente boliviano tem um tumor muito grave na cabeça.
E ele, Lula, tinha oferecido a Morales vir ao Brasil se tratar.
O que faz o ministro da defesa (dos EUA)?
Passa essa valiosíssima informação ao embaixador dos Estados Unidos, país que vive às turras com Morales e a Bolívia.
Neste mesmo fim de semana, o New York Times, a propósito do Wikileaks, tratou da conversão a “espião” dos diplomatas americanos.
Trocaram em muitos casos a diplomacia pela reles espionagem.
O que é um erro, segundo o editorial de hoje do New York Times:
The Obama administration should definitely be embarrassed by its decision to continue a Bush administration policy directing American diplomats to collect the personal data — including credit card numbers and frequent flier numbers — of foreign officials. That dangerously blurs the distinction between diplomats and spies and is best left to the spies.
Os embaixadores americanos são agora convocados a obter o número do cartão de credito e dos cartões de milhagem de funcionários estrangeiros.
“Isso é coisa para espião”, diz o New York Times e, não, para diplomata.
Pois, não é que o ministro da defesa (dos EUA) conta ao embaixador americano que o Itamaraty “tem inclinação anti-americana”, que um ministro brasileiro odeia os Estados Unidos e que o presidente da Bolívia tem um grande tumor na cabeça?
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A Folha teve acesso a alguns documentos do WikiLeaks, o melhor fruto da história da internet.
A Folha até que tentou ajudar o ministro serrista Nelson Jobim – tirou-lhe do título – , mas não conseguiu.
Os documentos revelam um escândalo.
O ministro da defesa (dos EUA) espinafra a política externa do Brasil, num almoço com o embaixador americano.
E reforça a impressão do embaixador de que o Itamaraty é antinorte-americano.
Jobim é textual: a política externa brasileira tem “inclinação anti-norte-americana”.
Um escândalo!
Não à toa que o embaixador americano considera Jobim “íntegro e confiável”.
Mas o próprio embaixador se assusta com o aliado Jobim: acha que se trata de um Ministro da Defesa “inusualmente” enxerido: mete o bedelho onde não deve, diria esse ordinário blogueiro.
Essa é a opinião do diplomata que, em Brasília, serve aos interesses nacionais americanos.
Aquele que deveria promover a defesa dos interesses nacionais brasileiros critica a política externa do Brasil e “dá a ficha” de um colega ministro, o embaixador Samuel Pinto Guimarães, que foi vice-ministro das Relações Exteriores: é alguém que “odeia os Estados Unidos”.
O embaixador americano poderia até supor isso.
Mas, uma informação dessas, “de dentro”, vale ouro.
O ministro da defesa (dos EUA), Nelson Jobim, comete outra transgressão absurdamente inaceitável.
Veja bem, amigo navegante.
Lula sai de um encontro com Evo Morales, presidente da Bolívia, em La Paz.
E conta a Jobim (teoricamente Ministro da Defesa do Brasil) que o presidente boliviano tem um tumor muito grave na cabeça.
E ele, Lula, tinha oferecido a Morales vir ao Brasil se tratar.
O que faz o ministro da defesa (dos EUA)?
Passa essa valiosíssima informação ao embaixador dos Estados Unidos, país que vive às turras com Morales e a Bolívia.
Neste mesmo fim de semana, o New York Times, a propósito do Wikileaks, tratou da conversão a “espião” dos diplomatas americanos.
Trocaram em muitos casos a diplomacia pela reles espionagem.
O que é um erro, segundo o editorial de hoje do New York Times:
The Obama administration should definitely be embarrassed by its decision to continue a Bush administration policy directing American diplomats to collect the personal data — including credit card numbers and frequent flier numbers — of foreign officials. That dangerously blurs the distinction between diplomats and spies and is best left to the spies.
Os embaixadores americanos são agora convocados a obter o número do cartão de credito e dos cartões de milhagem de funcionários estrangeiros.
“Isso é coisa para espião”, diz o New York Times e, não, para diplomata.
Pois, não é que o ministro da defesa (dos EUA) conta ao embaixador americano que o Itamaraty “tem inclinação anti-americana”, que um ministro brasileiro odeia os Estados Unidos e que o presidente da Bolívia tem um grande tumor na cabeça?
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As relações perigosas de Nelson Jobim
Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no blog "Brasília, eu vi":
Uma informação incrível, revelada graças às inconfidências do Wikileaks, circula ainda impunemente pela equipe de transição da presidente eleita Dilma Rousseff: o ministro da Defesa, Nelson Jobim, costumava almoçar com o ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil Clifford Sobel para falar mal da diplomacia brasileira e passar informes variados. Para agradar o interlocutor e se mostrar como aliado preferencial dentro do governo Lula, Jobim, ministro de Estado, menosprezava o Itamaraty, apresentado como cidadela antiamericana, e denunciava um colega de governo, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, como militante antiyankee. Segundo o relato produzido por Clifford Sobel, divulgado pelo Wikileaks, Jobim disse que Guimarães “odeia os EUA” e trabalha para “criar problemas” na relação entre os dois países.
Para quem não sabe, Samuel Pinheiro Guimarães, vice-chanceler do Brasil na época em que Jobim participava de convescotes na embaixada americana em Brasília, é o atual ministro-chefe da Secretaria Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). O Ministério da Defesa e a SAE são corresponsáveis pela Estratégia Nacional de Defesa , um documento de Estado montado por Jobim e pelo antecessor de Samuel Guimarães, o advogado Mangabeira Unger – com quem, aliás, Jobim parecia se dar muito bem. Talvez porque Unger, professor em Harvard, é quase um americano, com sotaque e tudo.
Após a divulgação dos telegramas de Sobel ao Departamento de Estado dos EUA, Jobim foi obrigado a se pronunciar a respeito. Em nota oficial, admitiu que realmente “em algum momento” (qual?) conversou sobre Pinheiro com o embaixador americano, mas, na oportunidade, afirma tê-lo mencionado “com respeito”. Para Jobim, o ministro da SAE é “um nacionalista, um homem que ama profundamente o Brasil”, e que Sobel o interpretou mal. Como a chefe do Departamento de Estado dos EUA, Hillary Clinton, decretou silêncio mundial sobre o tema e iniciou uma cruzada contra o Wikileaks, é bem provável que ainda vamos demorar um bocado até ouvir a versão de Mr. Sobel sobre o verdadeiro teor das conversas com Jobim. Por ora, temos apenas a certeza, confirmada pelo ministro brasileiro, de que elas ocorreram “em algum momento”.
Mais adiante, em outro informe recolhido no WikiLeaks, descobrimos que o solícito Nelson Jobim outra vez atuou como diligente informante do embaixador Sobel para tratar da saúde de um notório desafeto dos EUA na América do Sul, o presidente da Bolívia, Evo Morales. Por meio de Jobim, o embaixador Sobel foi informado que Morales teria um “grave tumor” localizado na cabeça. Jobim soube da novidade em 15 de janeiro de 2009, durante uma reunião realizada em La Paz, onde esteve com o presidente Lula. Uma semana depois, em 22 de janeiro, Sobel telegrafava ao Departamento de Estado, em Washington, exultante com a fofoca.
No despacho, Sobel revela que Jobim foi além do simples papel de informante. Teceu, por assim dizer, considerações altamente pertinentes. Jobim revelou ao embaixador americano que Lula tinha oferecido a Morales exame e tratamento em um hospital em São Paulo. A oferta, revela Sobel no telegrama a Washington, com base nas informações de Jobim, acabou protelada porque a Bolívia passava por um “delicado momento político”, o referendo, realizado em 25 de janeiro do ano passado, que aprovou a nova Constituição do país. “O tumor poderia explicar por que Morales demonstrou estar desconcentrado nessa e em outras reuniões recentes”, avisou Jobim, segundo o amigo embaixador.
Não por outra razão, Nelson Jobim é classificado pelo embaixador Clifford Sobel como “talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil”. Não é difícil, à luz do Wikileaks, compreender tamanha admiração. Resta saber se, depois da divulgação desses telegramas, a presidente eleita Dilma Rousseff ainda terá argumentos para manter Jobim na pasta da Defesa, mesmo que por indicação de Lula. Há outros e piores precedentes em questão.
Jobim está no centro da farsa que derrubou o delegado Paulo Lacerda da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), acusado de grampear o ministro Gilmar Mendes, do STF. Jobim apresentou a Lula provas falsas da existência de equipamentos de escutas que teriam sido usados por Lacerda para investigar Mendes. Foi desmentido pelo Exército. Mas, incrivelmente, continuou no cargo. Em seguida, Jobim deu guarida aos comandantes das forças armadas e ameaçou renunciar ao cargo junto com eles caso o governo mantivesse no texto do Plano Nacional de Direitos Humanos a idéia (!) da instalação da Comissão da Verdade para investigar as torturas e os assassinatos durante a ditadura militar. Lula cedeu à chantagem e manteve Jobim no cargo.
Agora, Nelson Jobim, ministro da Defesa do Brasil, foi pego servindo de informante da Embaixada dos Estados Unidos. Isso depois de Lula ter consolidado, à custa de enorme esforço do Itamaraty e da diplomacia brasileira, uma imagem internacional independente e corajosa, justamente em contraponto à política anterior, formalizada no governo FHC, de absoluta subserviência aos interesses dos EUA.
Foi preciso oito anos para o país se livrar da imagem infame do ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer tirando os sapatos no aeroporto de Miami, em dezembro de 2002, para ser revistado por seguranças americanos. De certa forma, os telegramas de Clifford Sobel nos deixaram, outra vez, descalços no quintal do império.
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Uma informação incrível, revelada graças às inconfidências do Wikileaks, circula ainda impunemente pela equipe de transição da presidente eleita Dilma Rousseff: o ministro da Defesa, Nelson Jobim, costumava almoçar com o ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil Clifford Sobel para falar mal da diplomacia brasileira e passar informes variados. Para agradar o interlocutor e se mostrar como aliado preferencial dentro do governo Lula, Jobim, ministro de Estado, menosprezava o Itamaraty, apresentado como cidadela antiamericana, e denunciava um colega de governo, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, como militante antiyankee. Segundo o relato produzido por Clifford Sobel, divulgado pelo Wikileaks, Jobim disse que Guimarães “odeia os EUA” e trabalha para “criar problemas” na relação entre os dois países.
Para quem não sabe, Samuel Pinheiro Guimarães, vice-chanceler do Brasil na época em que Jobim participava de convescotes na embaixada americana em Brasília, é o atual ministro-chefe da Secretaria Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). O Ministério da Defesa e a SAE são corresponsáveis pela Estratégia Nacional de Defesa , um documento de Estado montado por Jobim e pelo antecessor de Samuel Guimarães, o advogado Mangabeira Unger – com quem, aliás, Jobim parecia se dar muito bem. Talvez porque Unger, professor em Harvard, é quase um americano, com sotaque e tudo.
Após a divulgação dos telegramas de Sobel ao Departamento de Estado dos EUA, Jobim foi obrigado a se pronunciar a respeito. Em nota oficial, admitiu que realmente “em algum momento” (qual?) conversou sobre Pinheiro com o embaixador americano, mas, na oportunidade, afirma tê-lo mencionado “com respeito”. Para Jobim, o ministro da SAE é “um nacionalista, um homem que ama profundamente o Brasil”, e que Sobel o interpretou mal. Como a chefe do Departamento de Estado dos EUA, Hillary Clinton, decretou silêncio mundial sobre o tema e iniciou uma cruzada contra o Wikileaks, é bem provável que ainda vamos demorar um bocado até ouvir a versão de Mr. Sobel sobre o verdadeiro teor das conversas com Jobim. Por ora, temos apenas a certeza, confirmada pelo ministro brasileiro, de que elas ocorreram “em algum momento”.
Mais adiante, em outro informe recolhido no WikiLeaks, descobrimos que o solícito Nelson Jobim outra vez atuou como diligente informante do embaixador Sobel para tratar da saúde de um notório desafeto dos EUA na América do Sul, o presidente da Bolívia, Evo Morales. Por meio de Jobim, o embaixador Sobel foi informado que Morales teria um “grave tumor” localizado na cabeça. Jobim soube da novidade em 15 de janeiro de 2009, durante uma reunião realizada em La Paz, onde esteve com o presidente Lula. Uma semana depois, em 22 de janeiro, Sobel telegrafava ao Departamento de Estado, em Washington, exultante com a fofoca.
No despacho, Sobel revela que Jobim foi além do simples papel de informante. Teceu, por assim dizer, considerações altamente pertinentes. Jobim revelou ao embaixador americano que Lula tinha oferecido a Morales exame e tratamento em um hospital em São Paulo. A oferta, revela Sobel no telegrama a Washington, com base nas informações de Jobim, acabou protelada porque a Bolívia passava por um “delicado momento político”, o referendo, realizado em 25 de janeiro do ano passado, que aprovou a nova Constituição do país. “O tumor poderia explicar por que Morales demonstrou estar desconcentrado nessa e em outras reuniões recentes”, avisou Jobim, segundo o amigo embaixador.
Não por outra razão, Nelson Jobim é classificado pelo embaixador Clifford Sobel como “talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil”. Não é difícil, à luz do Wikileaks, compreender tamanha admiração. Resta saber se, depois da divulgação desses telegramas, a presidente eleita Dilma Rousseff ainda terá argumentos para manter Jobim na pasta da Defesa, mesmo que por indicação de Lula. Há outros e piores precedentes em questão.
Jobim está no centro da farsa que derrubou o delegado Paulo Lacerda da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), acusado de grampear o ministro Gilmar Mendes, do STF. Jobim apresentou a Lula provas falsas da existência de equipamentos de escutas que teriam sido usados por Lacerda para investigar Mendes. Foi desmentido pelo Exército. Mas, incrivelmente, continuou no cargo. Em seguida, Jobim deu guarida aos comandantes das forças armadas e ameaçou renunciar ao cargo junto com eles caso o governo mantivesse no texto do Plano Nacional de Direitos Humanos a idéia (!) da instalação da Comissão da Verdade para investigar as torturas e os assassinatos durante a ditadura militar. Lula cedeu à chantagem e manteve Jobim no cargo.
Agora, Nelson Jobim, ministro da Defesa do Brasil, foi pego servindo de informante da Embaixada dos Estados Unidos. Isso depois de Lula ter consolidado, à custa de enorme esforço do Itamaraty e da diplomacia brasileira, uma imagem internacional independente e corajosa, justamente em contraponto à política anterior, formalizada no governo FHC, de absoluta subserviência aos interesses dos EUA.
Foi preciso oito anos para o país se livrar da imagem infame do ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer tirando os sapatos no aeroporto de Miami, em dezembro de 2002, para ser revistado por seguranças americanos. De certa forma, os telegramas de Clifford Sobel nos deixaram, outra vez, descalços no quintal do império.
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Diplomacia dos EUA e o golpe em Honduras
Reproduzo o telegrama da Embaixada dos EUA em Tegucigalpa datado de 24 de julho de 2009. O documento "confidencial" foi revelado pela ONG Wikileaks e desmascara os defensores do golpe, inclusive na mídia brasileira:
ID:217920
Date:2009-07-24 00:23:00
Origin:09TEGUCIGALPA645
Source:Embassy Tegucigalpa
Classification:CONFIDENTIAL
Dunno:09TEGUCIGALPA578
Destination:VZCZCXYZ0000
OO RUEHWEB
DE RUEHTG #0645/01 2050023
ZNY CCCCC ZZH
O 240023Z JUL 09
FM AMEMBASSY TEGUCIGALPA
TO RUEHC/SECSTATE WASHDC IMMEDIATE 0237
INFO RUEHZA/WHA CENTRAL AMERICAN COLLECTIVE IMMEDIATE
RUEHCV/AMEMBASSY CARACAS IMMEDIATE 0735
RHEHAAA/THE WHITE HOUSE WASHDC IMMEDIATE
RUEAIIA/CIA WASHDC IMMEDIATE
RHEFDIA/DIA WASHINGTON DC IMMEDIATE
RUEIDN/DNI WASHINGTON DC IMMEDIATE
RHEHAAA/NATIONAL SECURITY COUNCIL WASHINGTON DC IMMEDIATE
RUMIAAA/USSOUTHCOM MIAMI FL IMMEDIATE
C O N F I D E N T I A L TEGUCIGALPA 000645
SIPDIS
WHA FOR A/S TOM SHANNON
L FOR HAROLD KOH AND JOAN DONOGHUE
NSC FOR DAN RESTREPO
E.O. 12958: DECL: 07/23/2019
TAGS: PGOV, KDEM, KJUS, TFH01, HO
SUBJECT: TFHO1: OPEN AND SHUT: THE CASE OF THE HONDURAN COUP
REF: TEGUCIGALPA 578
INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL
De: Embaixador Hugo Llorens, razões 1.4 (b e d)
1. (C) RESUMO: Mensagem tentou esclarecer algumas questões legais e constitucionais que cercam a remoção forçada do presidente Manuel “Mel” Zelaya dia 28/6. A perspectiva da embaixada é de que não há dúvidas de que os militares, a Corte Suprema e o Congresso Nacional conspiraram dia 28/6, conspiração que resultou em golpe ilegal e inconstitucional contra o Executivo, ao mesmo tempo en que aceitaram sem qualquer investigação que Zelaya teria cometido ilegalidades inclusive de violação da constituição. Tampouco há qualquer dúvida, de nosso ponto de vista, de que a ascensão ao poder, de Roberto Micheletti foi ilegítima. Contudo, é também evidente que a própria constituição talvez seja deficiente, na medida em que não determina com clareza os procedimentos para lidar com atos ilegais cometidos pelo presidente nem para resolver conflitos entre os vários ramos do governo. FIM DO RESUMO.
2. (U) Desde a remoção e a expulsão do presidente Zelaya dia 28/6 pelas forças armadas, a Embaixada tem consultado advogados especialistas em Direito hondurenho (não se encontra em Honduras nenhuma opinião legal profissional que não seja enviesada, na atual atmosfera politicamente carregada) e temos revisto o texto da Constituição de Honduras e outras leis, para alcançar melhor compreensão dos argumentos apresentandos pelos apoiadores e opositores do golpe.
Argumentos dos Defensores do Golpe
3. (SBU) Os defensores do golpe de 28/6 apresentam argumentos em que se combinam alguns dos seguintes argumentos, sempre ambíguos, para comprovar a legalidade do golpe:
– Zelaya desrespeitou a lei (alegado, mas não provado);
– Zelaya renunciou (completa invenção);
– Zelaya planejava estender o próprio mandato (suposição);
– Se lhe fosse permitido continuar com o projeto de plebiscito do dia 28/6 para reformar a constituição, Zelaya teria dissolvido o Congresso no dia seguinte e convocado uma assembleia constituinte (suposição);
– Foi necessário remover Zelaya do país, para evitar um banho de sangue;
– O Congresso depôs Zelaya “por unanimidade” (umas versões falam de 123-5 votos); (depois da deposição ter sido feita clandestinamente); e
– Zelaya teria cessado “automaticamente” de ser presidente, no momento em que sugeriu modificações na proibição constitucional de reeleição do presidente.
4. (C) Do nosso ponto de vista, nenhum dos argumentos acima tem qualquer validade substantiva nos termos da Constituição de Honduras. Alguns são absolutamente mentirosos. Outros são meras suposições ou racionalização ex-post de ato patentemente ilegal. Essencialmente:
– os militares não tinham qualquer autoridade para tirar Zelaya do país;
– o Congresso não tinha autoridade constitucional para destituir presidente hondurenho;
– O Congresso e o Judiciário depuseram Zelaya em processo que durou 48 horas, por ato de agressão, ad-hoc, extralegal e secreto;
– a carta “de renúncia” é falsa e sequer foi apresentada como documento que justificasse a ação do Congresso dia 28/6; e
– A prisão e sequestro de Zelaya, levado para fora do país, viola múltiplas garantias constitucionais, inclusive a proibição de expatriação, a presunção de inocência e o direito a devido processo legal perfeito.
O tema do Impeachment, na Constituição de Honduras
5. (U) Nos termos da atual constituição escrita de Honduras, o presidente só pode ser destituído por morte, renúncia ou incapacidade. Só a Suprema Corte pode determinar que um presidente seja destituído “por incapacidade”, ou por prática de crime.
6. (U) Na Constituição de Honduras de 1982, não há qualquer previsão explícita para o procedimento de impeachment. Originalmente, o artigo 205-15 determinava que o Congresso tinha competência para determinar se havia “caso” contra o presidente, mas não estipulava qualquer regra ou mediante quais procedimentos. O artigo 319-2 determinava que a Suprema Corte “ouviria” os casos de acusação de prática de crimes comuns ou oficiais cometidos pelos servidores da alta hierarquia, depois de investigação conduzida pelo Congresso.
Isso implicava um vago processo de impeachment do Executivo envolvendo os dois outros poderes do governo, mas sem especificar critérios ou procedimentos.
Mas o artigo 205 foi suprimido em 2003, e a correspondente provisão do artigo 319 (renumerado para 313) foi revista, passando a dizer apenas que a Suprema Corte ouviria “processos abertos” conta altos funcionários. Assim sendo, parece que nos termos da atual Constituição escrita, a remoção de presidente ou de alto funcionário do governo é questão completamente judicial.
7. (U) Pareceres de respeitados especialistas confirmaram que a remoção de presidente é questão judicial. Segundo livro publicado em 2006 por respeitado professor de Direito, Enrique Flores Valeriano – pai, já falecido, do ministro Enrique Flores Lanza do governo Zelaya –, o artigo 112 da Lei da Justiça Constitucional dispõe que, se funcionário do governo for preso por violação da Constituição, o acusado deve ser imediatamente removido do cargo pela mais alta autoridade Constitucional: a Suprema Corte.
8. (U) Vários especialistas em Direito Constitucional também confirmaram para nós que o processo hondurenho para impedir um presidente ou outros altos governantes é procedimento judicial. Afirmaram que, pela lei de Honduras, o processo é iniciado por acusação formalizada pelo Advogado Geral contra o acusado, apresentada à Suprema Corte. A Suprema Corte pode aceitar ou rejeitar as acusações. Se a Corte indiciar o acusado, nomeará um magistrado ou corte de magistrados para investigar o assunto e acompanhar o julgamento.
O processo é aberto e transparente e o acusado tem pleno direito de autodefesa. Se condenado pelo Tribunal de impeachment, os magristrados têm competência para destituir o Presidente ou outro alto funcionário. Removido o presidente, segue-se o processo constitucional de seleção. Nesse caso, se o presidente é formalmente acusado e condenado, e destituído, deve ser substituído no cargo pelo vice-presidente, que será Presidente Designado. Na atual situação, em Honduras, dado que o vice-presidente Elvin Santos renunciou em dezembro passado, para poder candidatar-se à presidência pelo Partido Liberal, o sucessor do presidente Zelaya seria o presidente do Congresso Roberto Micheletti.
Infelizmente, o presidente não chegou jamais a ser processado ou condenado e não foi destituído da presidência por vias legais, que permitiriam a sucessão também em termos legais.
As acusações feitas a Zelaya
9. (C) Os opositores de Zelaya alegam que ele teria cometido várias violações da Constituição, algumas aparentemente válidas, outras não:
– Recusou-se a submeter o Orçamento ao Congresso: A Constituição ordena claramente que o Executivo submeta o Orçamento ao Congresso até 15 de setembro de cada ano
(Art. 367), que o Congresso aprove o Orçamento (Art. 366) e proíbe pagamentos e recebimentos que não sejam previstos no Orçamento aprovado (Art. 364);
– Recusou-se a prever fundos para o Congresso: O Art. 212 determina que o Terouro aporte semestralmente os fundos necessários para o funcionamento do Congresso;
– Propôs referendum constitucional ilegal: A Constituição só pode ser modificada por maioria de 2/3 dos votos, em duas sessões concecutivas (Art. 373 e 375); por nova Assembleia Constituinte, como Zelaya pretendia, seria, assim, inconstitucional. Mas ninguém afirmou com clareza que a simples proposição de Assembleia Constituinte seria, só a proposição, algum tipo de violação da Constituição, só que as mudanças resultantes dessa Assembleia não seriam válidas;
– Resistiu ao cumprimento de decisão de corte competente: Zelaya insistiu em manter a proposta de referendum para reforma constitucional, mesmo depois de uma corte de primeira instância e uma corte de apelação ordenaram-lhe que suspendesse todos os esforços naquela direção. Contudo, apesar de Zelaya ter manifestado clara intenção de realizar o referendum, de fato não o fez;
– Propôs reformas em artigos não-reformáveis: Dado que a Assembleia Constituinte que Zelaya propôs teria poderes ilimitados para reformar a Constituição, a proposta violaria o Artigo 374 (das cláusulas pétreas, não reformáveis). Também aqui, outra vez, Zelaya jamais propôs qualquer mudança nas cláusulas pétreas. De fato, apenas se pressupõe que ele teria planos de alterá-las;
– Demitiu o Chefe das Forças Armadas: Dia 25/6, a Suprema Corte decidiu que Zelaya teria violado a Constituição ao demitir o Chefe da Defesa Vasquez Velasquez. Mas a Constituição (Art. 280) diz claramente que o presidente pode livremente nomear e demitir o Chefe das Forças Armadas. Apesar disso, a Corte decidiu que, dado que Zelaya demitiu-o porque se recusou a organizar um referendo que a Corte declarara ilegal, a demissão também seria ilegal.
10. (C) Apesar de ser possível instaurar processo contra Zelaya por algumas das alegadas violações da Constituição acima listadas, jamais houve qualquer investigação nem qualquer avaliação pública de provas, nem, em nenhum caso, qualquer processo que se possa considerar como “devido processo legal”.
O ‘golpe’ do artigo 239 [orig: art. 239 Cannard]
11. (U) O artigo 239, que os apoiadores do golpe começaram a citar depois do golpe para justificar a remoção de Zelaya (mas que não aparece mencionado nenhuma vez no volumoso dossiê do processo judicial contra Zelaya), declara que qualquer funcionário que proponha reforma da Constituição no item que proíbe a reeleição do presidente deve ser imediatamente destituído de suas funções e torna-se inelegível para qualquer cargo por 10 anos. Os defensores do golpe declararam que Zelaya teria deixado automaticamente de ser presidente quando propôs a ideia de uma Assembleia Constituinte para reformar a Constituição.
12. (C) Várias análises indicam que o argumento do artigo 239 é vicioso sob vários aspectos:
– Embora muitos assumissem que o motivo pelo qual Zelaya tentava convocar uma Assembleia Constituinte seria o desejo de emendar a Constituição para que permitisse a reeleição do presidente, Zelaya jamais o declarou publicamente;
– O artigo 239 não diz quem ou como determina se houve ou não violação da Constituição, mas é razoável supor que não suspenda outras garantias de devido processo legal nem a presunção de inocência;
– O artigo 94 declara que não se aplica pena sem que o acusado seja ouvido e condenado por corte competente;
– Muitos outros funcionários de Honduras, inclusive presidentes, desde o primeiro governo eleito sob a Constituição de 1982, propuseram a legalização da reeleição do presidente, e nem por isso foram declarados automaticamente derrubados da presidência.
13. (C) Acusações posteriores mencionam que o próprio Micheletti também deveria ser forçado a renunciar, pela lógica do mesmo argumento do artigo 239, porque, como Presidente do Congresso, Micheletti encaminhava projeto de lei para que se criasse uma “quarta urna” nas eleições de novembro, na qual os eleitores se manifestariam sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte. E todos os deputados que discutiram a proposta de Micheletti, pelo mesmo argumento, também deveriam ser forçados a renunciar, e o candidato Pepe Lobo, do Partido Nacional, que aprovava a ideia, também se tornaria inelegível por dez anos.
A deposição do presidente pelos militares foi claramente ilegal
14. (C) Independente de determinar se Zelaya violou ou não a constituição, é evidentemente claro. Qualquer leitura, por superficial que seja, comprova que a deposição do presidente por militares foi ilegal. Nem os mais aplicados defensores do golpe conseguiram construir argumentos convincentes que ultrapassassem o fosso intelectual que há, sem sombra de dúvida, entre “Zelaya descumpriu a lei” até “portanto os militares o despacharam para a Costa Rica, sem qualquer tipo de processo ou julgamento legal”.
– Por mais que os apoiadores do golpe aleguem que a Corte Suprema emitiu mandato de prisão contra Zelaya por desobediência a ordens da CS sobre o referendum, o mandato, emitido vários dias depois, autorizava a prendê-lo e apresentá-lo à autoridade competente. Nenhum mandato da Corte Suprema jamais autorizou que o presidente fosse sequestrado e enviado a país estrangeiro.
– Ainda que a CS tivesse ordenado que Zelaya fosse enviado a país estrangeiro, a ordem seria inconstitucional; o artigo 81 determina que todos os cidadãos hondurenhos têm direito de viver em território naciona, exceto em alguns poucos casos, bem claros expostos no art. 187, que podem ser invocados pelo presidente da República, com aprovação do Conselho de Ministros. E o art. 102 proíbe a expatriação de cidadão hondurenho.
– As forças armadas são absolutamente incompetentes para executar ordens judiciais. Originalmente, o art. 272 determinava que as forças amadas eram responsáveis por “manter a paz e a ordem pública e o ‘domínio’ da Constituição”, mas essa terminologia foi alterada em 1998; conforme o texto atual, só a polícia é competente pela execução de ordens judiciais (Art. 293);
– Relatos do sequestro de Zelaya pelos militares indicam que nenhum “mandato” lhe foi exibido, como a lei exige; os soldados invadiram o local onde ele estava, rebentaram cadeados e fechaduras e, de fato, sequestraram o presidente.
15. (U) O Conselheiro Jurídico das Forças Armadas Coronel Herberth Bayardo Inestroza, reconheceu em entrevista publicada na imprensa de Honduras dia 5/7, que as Forças Armadas violaram a lei ao conduzir Zelaya contra sua vontade, para fora do país. Na mesma data, houve notícias de que o Ministéri Público abrira inqueérito para investigar as ações das Forças Armadas na prisão e deportação de Zelaya dia 28/6 e que a Suprema Corte convocara as Forças Armadas para que esclarecessem as circunstâncias sob as quais se dera seu exílio forçado.
16. (C) Como reportado reftel [noutro telegrama], o conselheiro legal da Suprema Corte contou a Poloff que pelo menos alguns magistrados da Corte entendiam que a prisão e deportação de Zelaya pelos militares fora ato ilegal.
O Congresso não tinha autoridade para remover Zelaya
17. (C) Como já se explicou acima, a Constituição, depois da emenda de 2003, aparentemente daria autoridade ao Judiciário para remover presidentes. A ação do Congresso, dia 28/6, foi noticiada em alguns jornais e televisões como gesto de aceitação da renúncia de Zelaya, baseada em carta falsificada, datada de 25/6, que só apareceu depois do golpe. Contudo, a decisão do Congresso, do dia 28/6, não declara que o Congresso aceitaria a renúncia de Zelaya. Diz que o Congresso “desaprova” a conduta de Zelaya e “separa” Zelaya e o gabinete da Presidência – decisão que o autoridade o Congresso não tem. Além disso, fonte na liderança do Congresso contou-nos que não havia quórum na sessão que aprovou aquela resolução – o que invalida a Resolução. Não há votação registrada, nem gravada, nem a chamada oficial para que os deputados votem “sim” ou “não”.
18. (C) Em resumo, para que a substituição de Zelaya por Micheletti acontecesse, teria de acontecer alguma de várias exigências:
Zelaya renuncia, ou morre ou sofre incapacitação médica permanente (a ser determinada por autoridades médicas e judiciaia), ou, como já discutimos, é formalmente julgado, condenado e destituído da presidência. Não se dando nenhum desses casos, e dado que o Congresso não tinha autoridade legal para remover o presidente, as ações de 28/6 têm de ser descritas como golpe de Estado pelos deputados, com apoio das autoridades do Poder Judiciário e dos militares, contra o Executivo.
Vale mencionar que, apesar de a Resolução aprovada pelo Congresso dia 28/6 aplicar-se só a Zelaya, foi utilizada para derrubar todo o poder Executivo. São ações que claramente extrapolam a autoridade legal do Congresso.
Comentário
19. (C) A análise da Constituição lança interessante luz sobre os eventos de 28/6. O establishment hondurenho enfrentava um dilema: praticamente todos, a unanimidade de todas as instituições do Estado e os políticos entendiam que Zelaya extrapolara seus poderes e violara a Constituição. Mas não tinham opinião formada sobre como proceder. Ante a dificulgade, os militares e/ou quem tenha ordenado o golpe, a partir das informações que tinha, – o modo tradicional como se derrubam presidentes em Honduras: falsa carta de renúncia e passagem de ida sem volta para algum país vizinho.
De qualquer modo, sejam quais forem os argumentos que haja contra Zelaya, a remoção do presidente pelos militares foi claramente ilegal e a posse de Micheletti como “presidente interino” foi totalmente ilegítima.
20. (C) Tudo isso considerado, vê-se que a própria incerteza constitucional que pôs a classe política ante aquele dilema ofereceu a via para solucioná-lo. Os mais ardentes defensores do golpe não conseguiram produzir argumentos sólidos nem qualquer tipo de prova dos supostos crimes de Zelaya e que justificassem arrancá-lo da cama à noite e enviá-lo por avião para a Costa Rica.
É estimulante que, hoje, o Gabinete do Procurador Geral e a Corte Suprema estejam questionando a legalidade desse passo final. Daí pode advir alguma ideia que salve a imagem dos dois lados, que ainda estão presos no mesmo impasse. Fim do Comentário. LLORENS
Tradução: Coletivo de Tradutores Vila Vudu
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ID:217920
Date:2009-07-24 00:23:00
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SUBJECT: TFHO1: OPEN AND SHUT: THE CASE OF THE HONDURAN COUP
REF: TEGUCIGALPA 578
INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL
De: Embaixador Hugo Llorens, razões 1.4 (b e d)
1. (C) RESUMO: Mensagem tentou esclarecer algumas questões legais e constitucionais que cercam a remoção forçada do presidente Manuel “Mel” Zelaya dia 28/6. A perspectiva da embaixada é de que não há dúvidas de que os militares, a Corte Suprema e o Congresso Nacional conspiraram dia 28/6, conspiração que resultou em golpe ilegal e inconstitucional contra o Executivo, ao mesmo tempo en que aceitaram sem qualquer investigação que Zelaya teria cometido ilegalidades inclusive de violação da constituição. Tampouco há qualquer dúvida, de nosso ponto de vista, de que a ascensão ao poder, de Roberto Micheletti foi ilegítima. Contudo, é também evidente que a própria constituição talvez seja deficiente, na medida em que não determina com clareza os procedimentos para lidar com atos ilegais cometidos pelo presidente nem para resolver conflitos entre os vários ramos do governo. FIM DO RESUMO.
2. (U) Desde a remoção e a expulsão do presidente Zelaya dia 28/6 pelas forças armadas, a Embaixada tem consultado advogados especialistas em Direito hondurenho (não se encontra em Honduras nenhuma opinião legal profissional que não seja enviesada, na atual atmosfera politicamente carregada) e temos revisto o texto da Constituição de Honduras e outras leis, para alcançar melhor compreensão dos argumentos apresentandos pelos apoiadores e opositores do golpe.
Argumentos dos Defensores do Golpe
3. (SBU) Os defensores do golpe de 28/6 apresentam argumentos em que se combinam alguns dos seguintes argumentos, sempre ambíguos, para comprovar a legalidade do golpe:
– Zelaya desrespeitou a lei (alegado, mas não provado);
– Zelaya renunciou (completa invenção);
– Zelaya planejava estender o próprio mandato (suposição);
– Se lhe fosse permitido continuar com o projeto de plebiscito do dia 28/6 para reformar a constituição, Zelaya teria dissolvido o Congresso no dia seguinte e convocado uma assembleia constituinte (suposição);
– Foi necessário remover Zelaya do país, para evitar um banho de sangue;
– O Congresso depôs Zelaya “por unanimidade” (umas versões falam de 123-5 votos); (depois da deposição ter sido feita clandestinamente); e
– Zelaya teria cessado “automaticamente” de ser presidente, no momento em que sugeriu modificações na proibição constitucional de reeleição do presidente.
4. (C) Do nosso ponto de vista, nenhum dos argumentos acima tem qualquer validade substantiva nos termos da Constituição de Honduras. Alguns são absolutamente mentirosos. Outros são meras suposições ou racionalização ex-post de ato patentemente ilegal. Essencialmente:
– os militares não tinham qualquer autoridade para tirar Zelaya do país;
– o Congresso não tinha autoridade constitucional para destituir presidente hondurenho;
– O Congresso e o Judiciário depuseram Zelaya em processo que durou 48 horas, por ato de agressão, ad-hoc, extralegal e secreto;
– a carta “de renúncia” é falsa e sequer foi apresentada como documento que justificasse a ação do Congresso dia 28/6; e
– A prisão e sequestro de Zelaya, levado para fora do país, viola múltiplas garantias constitucionais, inclusive a proibição de expatriação, a presunção de inocência e o direito a devido processo legal perfeito.
O tema do Impeachment, na Constituição de Honduras
5. (U) Nos termos da atual constituição escrita de Honduras, o presidente só pode ser destituído por morte, renúncia ou incapacidade. Só a Suprema Corte pode determinar que um presidente seja destituído “por incapacidade”, ou por prática de crime.
6. (U) Na Constituição de Honduras de 1982, não há qualquer previsão explícita para o procedimento de impeachment. Originalmente, o artigo 205-15 determinava que o Congresso tinha competência para determinar se havia “caso” contra o presidente, mas não estipulava qualquer regra ou mediante quais procedimentos. O artigo 319-2 determinava que a Suprema Corte “ouviria” os casos de acusação de prática de crimes comuns ou oficiais cometidos pelos servidores da alta hierarquia, depois de investigação conduzida pelo Congresso.
Isso implicava um vago processo de impeachment do Executivo envolvendo os dois outros poderes do governo, mas sem especificar critérios ou procedimentos.
Mas o artigo 205 foi suprimido em 2003, e a correspondente provisão do artigo 319 (renumerado para 313) foi revista, passando a dizer apenas que a Suprema Corte ouviria “processos abertos” conta altos funcionários. Assim sendo, parece que nos termos da atual Constituição escrita, a remoção de presidente ou de alto funcionário do governo é questão completamente judicial.
7. (U) Pareceres de respeitados especialistas confirmaram que a remoção de presidente é questão judicial. Segundo livro publicado em 2006 por respeitado professor de Direito, Enrique Flores Valeriano – pai, já falecido, do ministro Enrique Flores Lanza do governo Zelaya –, o artigo 112 da Lei da Justiça Constitucional dispõe que, se funcionário do governo for preso por violação da Constituição, o acusado deve ser imediatamente removido do cargo pela mais alta autoridade Constitucional: a Suprema Corte.
8. (U) Vários especialistas em Direito Constitucional também confirmaram para nós que o processo hondurenho para impedir um presidente ou outros altos governantes é procedimento judicial. Afirmaram que, pela lei de Honduras, o processo é iniciado por acusação formalizada pelo Advogado Geral contra o acusado, apresentada à Suprema Corte. A Suprema Corte pode aceitar ou rejeitar as acusações. Se a Corte indiciar o acusado, nomeará um magistrado ou corte de magistrados para investigar o assunto e acompanhar o julgamento.
O processo é aberto e transparente e o acusado tem pleno direito de autodefesa. Se condenado pelo Tribunal de impeachment, os magristrados têm competência para destituir o Presidente ou outro alto funcionário. Removido o presidente, segue-se o processo constitucional de seleção. Nesse caso, se o presidente é formalmente acusado e condenado, e destituído, deve ser substituído no cargo pelo vice-presidente, que será Presidente Designado. Na atual situação, em Honduras, dado que o vice-presidente Elvin Santos renunciou em dezembro passado, para poder candidatar-se à presidência pelo Partido Liberal, o sucessor do presidente Zelaya seria o presidente do Congresso Roberto Micheletti.
Infelizmente, o presidente não chegou jamais a ser processado ou condenado e não foi destituído da presidência por vias legais, que permitiriam a sucessão também em termos legais.
As acusações feitas a Zelaya
9. (C) Os opositores de Zelaya alegam que ele teria cometido várias violações da Constituição, algumas aparentemente válidas, outras não:
– Recusou-se a submeter o Orçamento ao Congresso: A Constituição ordena claramente que o Executivo submeta o Orçamento ao Congresso até 15 de setembro de cada ano
(Art. 367), que o Congresso aprove o Orçamento (Art. 366) e proíbe pagamentos e recebimentos que não sejam previstos no Orçamento aprovado (Art. 364);
– Recusou-se a prever fundos para o Congresso: O Art. 212 determina que o Terouro aporte semestralmente os fundos necessários para o funcionamento do Congresso;
– Propôs referendum constitucional ilegal: A Constituição só pode ser modificada por maioria de 2/3 dos votos, em duas sessões concecutivas (Art. 373 e 375); por nova Assembleia Constituinte, como Zelaya pretendia, seria, assim, inconstitucional. Mas ninguém afirmou com clareza que a simples proposição de Assembleia Constituinte seria, só a proposição, algum tipo de violação da Constituição, só que as mudanças resultantes dessa Assembleia não seriam válidas;
– Resistiu ao cumprimento de decisão de corte competente: Zelaya insistiu em manter a proposta de referendum para reforma constitucional, mesmo depois de uma corte de primeira instância e uma corte de apelação ordenaram-lhe que suspendesse todos os esforços naquela direção. Contudo, apesar de Zelaya ter manifestado clara intenção de realizar o referendum, de fato não o fez;
– Propôs reformas em artigos não-reformáveis: Dado que a Assembleia Constituinte que Zelaya propôs teria poderes ilimitados para reformar a Constituição, a proposta violaria o Artigo 374 (das cláusulas pétreas, não reformáveis). Também aqui, outra vez, Zelaya jamais propôs qualquer mudança nas cláusulas pétreas. De fato, apenas se pressupõe que ele teria planos de alterá-las;
– Demitiu o Chefe das Forças Armadas: Dia 25/6, a Suprema Corte decidiu que Zelaya teria violado a Constituição ao demitir o Chefe da Defesa Vasquez Velasquez. Mas a Constituição (Art. 280) diz claramente que o presidente pode livremente nomear e demitir o Chefe das Forças Armadas. Apesar disso, a Corte decidiu que, dado que Zelaya demitiu-o porque se recusou a organizar um referendo que a Corte declarara ilegal, a demissão também seria ilegal.
10. (C) Apesar de ser possível instaurar processo contra Zelaya por algumas das alegadas violações da Constituição acima listadas, jamais houve qualquer investigação nem qualquer avaliação pública de provas, nem, em nenhum caso, qualquer processo que se possa considerar como “devido processo legal”.
O ‘golpe’ do artigo 239 [orig: art. 239 Cannard]
11. (U) O artigo 239, que os apoiadores do golpe começaram a citar depois do golpe para justificar a remoção de Zelaya (mas que não aparece mencionado nenhuma vez no volumoso dossiê do processo judicial contra Zelaya), declara que qualquer funcionário que proponha reforma da Constituição no item que proíbe a reeleição do presidente deve ser imediatamente destituído de suas funções e torna-se inelegível para qualquer cargo por 10 anos. Os defensores do golpe declararam que Zelaya teria deixado automaticamente de ser presidente quando propôs a ideia de uma Assembleia Constituinte para reformar a Constituição.
12. (C) Várias análises indicam que o argumento do artigo 239 é vicioso sob vários aspectos:
– Embora muitos assumissem que o motivo pelo qual Zelaya tentava convocar uma Assembleia Constituinte seria o desejo de emendar a Constituição para que permitisse a reeleição do presidente, Zelaya jamais o declarou publicamente;
– O artigo 239 não diz quem ou como determina se houve ou não violação da Constituição, mas é razoável supor que não suspenda outras garantias de devido processo legal nem a presunção de inocência;
– O artigo 94 declara que não se aplica pena sem que o acusado seja ouvido e condenado por corte competente;
– Muitos outros funcionários de Honduras, inclusive presidentes, desde o primeiro governo eleito sob a Constituição de 1982, propuseram a legalização da reeleição do presidente, e nem por isso foram declarados automaticamente derrubados da presidência.
13. (C) Acusações posteriores mencionam que o próprio Micheletti também deveria ser forçado a renunciar, pela lógica do mesmo argumento do artigo 239, porque, como Presidente do Congresso, Micheletti encaminhava projeto de lei para que se criasse uma “quarta urna” nas eleições de novembro, na qual os eleitores se manifestariam sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte. E todos os deputados que discutiram a proposta de Micheletti, pelo mesmo argumento, também deveriam ser forçados a renunciar, e o candidato Pepe Lobo, do Partido Nacional, que aprovava a ideia, também se tornaria inelegível por dez anos.
A deposição do presidente pelos militares foi claramente ilegal
14. (C) Independente de determinar se Zelaya violou ou não a constituição, é evidentemente claro. Qualquer leitura, por superficial que seja, comprova que a deposição do presidente por militares foi ilegal. Nem os mais aplicados defensores do golpe conseguiram construir argumentos convincentes que ultrapassassem o fosso intelectual que há, sem sombra de dúvida, entre “Zelaya descumpriu a lei” até “portanto os militares o despacharam para a Costa Rica, sem qualquer tipo de processo ou julgamento legal”.
– Por mais que os apoiadores do golpe aleguem que a Corte Suprema emitiu mandato de prisão contra Zelaya por desobediência a ordens da CS sobre o referendum, o mandato, emitido vários dias depois, autorizava a prendê-lo e apresentá-lo à autoridade competente. Nenhum mandato da Corte Suprema jamais autorizou que o presidente fosse sequestrado e enviado a país estrangeiro.
– Ainda que a CS tivesse ordenado que Zelaya fosse enviado a país estrangeiro, a ordem seria inconstitucional; o artigo 81 determina que todos os cidadãos hondurenhos têm direito de viver em território naciona, exceto em alguns poucos casos, bem claros expostos no art. 187, que podem ser invocados pelo presidente da República, com aprovação do Conselho de Ministros. E o art. 102 proíbe a expatriação de cidadão hondurenho.
– As forças armadas são absolutamente incompetentes para executar ordens judiciais. Originalmente, o art. 272 determinava que as forças amadas eram responsáveis por “manter a paz e a ordem pública e o ‘domínio’ da Constituição”, mas essa terminologia foi alterada em 1998; conforme o texto atual, só a polícia é competente pela execução de ordens judiciais (Art. 293);
– Relatos do sequestro de Zelaya pelos militares indicam que nenhum “mandato” lhe foi exibido, como a lei exige; os soldados invadiram o local onde ele estava, rebentaram cadeados e fechaduras e, de fato, sequestraram o presidente.
15. (U) O Conselheiro Jurídico das Forças Armadas Coronel Herberth Bayardo Inestroza, reconheceu em entrevista publicada na imprensa de Honduras dia 5/7, que as Forças Armadas violaram a lei ao conduzir Zelaya contra sua vontade, para fora do país. Na mesma data, houve notícias de que o Ministéri Público abrira inqueérito para investigar as ações das Forças Armadas na prisão e deportação de Zelaya dia 28/6 e que a Suprema Corte convocara as Forças Armadas para que esclarecessem as circunstâncias sob as quais se dera seu exílio forçado.
16. (C) Como reportado reftel [noutro telegrama], o conselheiro legal da Suprema Corte contou a Poloff que pelo menos alguns magistrados da Corte entendiam que a prisão e deportação de Zelaya pelos militares fora ato ilegal.
O Congresso não tinha autoridade para remover Zelaya
17. (C) Como já se explicou acima, a Constituição, depois da emenda de 2003, aparentemente daria autoridade ao Judiciário para remover presidentes. A ação do Congresso, dia 28/6, foi noticiada em alguns jornais e televisões como gesto de aceitação da renúncia de Zelaya, baseada em carta falsificada, datada de 25/6, que só apareceu depois do golpe. Contudo, a decisão do Congresso, do dia 28/6, não declara que o Congresso aceitaria a renúncia de Zelaya. Diz que o Congresso “desaprova” a conduta de Zelaya e “separa” Zelaya e o gabinete da Presidência – decisão que o autoridade o Congresso não tem. Além disso, fonte na liderança do Congresso contou-nos que não havia quórum na sessão que aprovou aquela resolução – o que invalida a Resolução. Não há votação registrada, nem gravada, nem a chamada oficial para que os deputados votem “sim” ou “não”.
18. (C) Em resumo, para que a substituição de Zelaya por Micheletti acontecesse, teria de acontecer alguma de várias exigências:
Zelaya renuncia, ou morre ou sofre incapacitação médica permanente (a ser determinada por autoridades médicas e judiciaia), ou, como já discutimos, é formalmente julgado, condenado e destituído da presidência. Não se dando nenhum desses casos, e dado que o Congresso não tinha autoridade legal para remover o presidente, as ações de 28/6 têm de ser descritas como golpe de Estado pelos deputados, com apoio das autoridades do Poder Judiciário e dos militares, contra o Executivo.
Vale mencionar que, apesar de a Resolução aprovada pelo Congresso dia 28/6 aplicar-se só a Zelaya, foi utilizada para derrubar todo o poder Executivo. São ações que claramente extrapolam a autoridade legal do Congresso.
Comentário
19. (C) A análise da Constituição lança interessante luz sobre os eventos de 28/6. O establishment hondurenho enfrentava um dilema: praticamente todos, a unanimidade de todas as instituições do Estado e os políticos entendiam que Zelaya extrapolara seus poderes e violara a Constituição. Mas não tinham opinião formada sobre como proceder. Ante a dificulgade, os militares e/ou quem tenha ordenado o golpe, a partir das informações que tinha, – o modo tradicional como se derrubam presidentes em Honduras: falsa carta de renúncia e passagem de ida sem volta para algum país vizinho.
De qualquer modo, sejam quais forem os argumentos que haja contra Zelaya, a remoção do presidente pelos militares foi claramente ilegal e a posse de Micheletti como “presidente interino” foi totalmente ilegítima.
20. (C) Tudo isso considerado, vê-se que a própria incerteza constitucional que pôs a classe política ante aquele dilema ofereceu a via para solucioná-lo. Os mais ardentes defensores do golpe não conseguiram produzir argumentos sólidos nem qualquer tipo de prova dos supostos crimes de Zelaya e que justificassem arrancá-lo da cama à noite e enviá-lo por avião para a Costa Rica.
É estimulante que, hoje, o Gabinete do Procurador Geral e a Corte Suprema estejam questionando a legalidade desse passo final. Daí pode advir alguma ideia que salve a imagem dos dois lados, que ainda estão presos no mesmo impasse. Fim do Comentário. LLORENS
Tradução: Coletivo de Tradutores Vila Vudu
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WikiLeaks e a face suja dos EUA
Reproduzo matéria publicada no sítio Vermelho:
Com a revelação de mais de 250 mil novos documentos sobre as atividades de espionagem dos Estados Unidos em todo o planeta neste domingo (28), o site WikiLeaks mostra a face verdadeira da diplomacia estadunidense, que trabalha com o objetivo de prolongar o domínio imperial sobre o planeta.
Os 250 mil documentos foram divulgados por vários jornais internacionais e mostraram que os Estados Unidos espionaram dezenas de nações, fizeram planos de mudança de governo e ataques contra nações soberanas e também espionaram o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os documentos contêm informações e avaliações levantadas por centenas de diplomatas americanos sobre temas chave da política externa dos EUA, como as ocupações do Afeganistão e do Iraque, o Irã e o Paquistão. Além disso, estão incluídas nos documentos avaliações sobre negociações bilaterais, conversas privadas e conclusões sobre líderes de vários países do mundo.
Uma das situações mais presentes nos documentos é a pressão que os Estados Unidos têm feito contra o Irã. Tony Blair, ex-premiê do Reino Unido, defende o uso da força militar contra o país do Oriente Médio, enquanto a monarquia saudita pede aos diplomatas-espiões dos EUA "que se corte a cabeça da cobra", em alusão ao presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad.
Apesar de espionar também os líderes aliados, o papel da diplomacia-espiã dos Estados Unidos já foi cantado antes por dirigentes como Fidel Castro, que alertou há meses a existência de planos militares dos EUA para derrubar o governo iraniano e destruir suas centrais de energia nuclear.
Fidel Castro há meses vem alertando o mundo sobre o risco de uma conflagração nuclear desatada pelos Estados Unidos, que agora veio à tona com os documentos sobre ataques ao Irã. Outro objetivo, já denunciado antes, é derrubar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
A base de dados a que o jornal britânico The Guardian teve acesso revela a atividade de espionagem exercida pelas embaixadas dos Estados Unidos na Bósnia, Bulgária, Croácia, Macedônia e Turquia, em busca de informação que possa ser utilizada em chantagens contra esses países, alguns deles aliados dos Estados Unidos na Europa Oriental.
Armênia, Azerbaijão e Geórgia também aparecem nos documentos vazados, além também de Rússia, China e República Popular Democrática da Coreia (RPDC). Índia, Afeganistão, Paquistão, países árabes e africanos, assim como Honduras, Colômbia, Paraguai, Brasil e Venezuela, na América Latina, foram também objetos de ampla espionagem por parte dos Estados Unidos.
Ban Ki-moon espionado
Os documentos revelados no domingo incluem um pedido da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, para que seus diplomatas descubram detalhes técnicos sobre a comunicação entre funcionários da ONU, o que incluiria o secretário-geral Ban Ki-moon.
O porta-voz das Nações Unidas, Farhan Haq, evitou falar especificamente sobre os documentos, mas lembrou que a ONU deve ser tratada como uma organização inviolável.
"A ONU não está em posição de comentar a autenticidade do documento que tem por objetivo reunir informações sobre funcionários da ONU e suas atividades", afirmou.
Israel não tem vergonha
O premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou para a mídia internacional que os documentos mostram "apenas" que seu país estava "cuidando" da situação de tensão com o Irã. Segundo os documentos, o serviço secreto israelense, o Mossad, trocou informações com os arapongas americanos para executar um plano militar contra o Irã.
Outro envolvido na questão contra o Irã é o rei Abdullah, da Arábia Saudita, que pediu reiteradamente a Washington que atacasse o Irã para destruir seu programa nuclear. O rei saudita afirma textualmente que é necessário "cortar a cabeça da cobra", em alusão ao presidente do Irã.
O governo americano também capturou ilicitamente dados biográficos e biométricos, inclusive do DNA, de candidatos à presidência do Paraguai. Um dos documentos vazados dava ordens aos diplomatas no Paraguai para que fizessem perfis das posições políticas de cada candidato.
Em relação à China, os espiões americanos foram instruídos a recolher informações sobre a segurança cibernética do país, a situação da Região Autônoma do Tibete e de Xinjiang, objeto de atos de terrorismo nos anos de 2008 e 2009.
WikiLeaks prova golpe
Manuel Zelaya, presidente hondurenho deposto em um golpe no ano de 2009, falou sobre a cumplicidade americana no golpe que o tirou do governo em julho de 2009, após verificar os documentos sobre o seu país.
"Fica clara a cumplicidade dos EUA ao conhecer previamente o planejamento e a execução do golpe de Estado e mesmo assim fazer silêncio", diz Zelaya em nota enviada da República Dominicana.
Hillary irada
A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, considerou o vazamento das informações como "não só um ataque à diplomacia dos Estados Unidos, mas à comunidade internacional".
Hillary é hoje a chefe da diplomacia americana e, na entrevista coletiva, evidentemente não fez nenhuma censura à espionagem diplomática cometida sob os auspícios de George W. Bush e do atual presidente, Barack Obama. Hillary quer que o assunto seja visto como um ataque às "alianças e negociações em busca da paz e da segurança mundial que estão andamento em nível internacional".
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Com a revelação de mais de 250 mil novos documentos sobre as atividades de espionagem dos Estados Unidos em todo o planeta neste domingo (28), o site WikiLeaks mostra a face verdadeira da diplomacia estadunidense, que trabalha com o objetivo de prolongar o domínio imperial sobre o planeta.
Os 250 mil documentos foram divulgados por vários jornais internacionais e mostraram que os Estados Unidos espionaram dezenas de nações, fizeram planos de mudança de governo e ataques contra nações soberanas e também espionaram o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os documentos contêm informações e avaliações levantadas por centenas de diplomatas americanos sobre temas chave da política externa dos EUA, como as ocupações do Afeganistão e do Iraque, o Irã e o Paquistão. Além disso, estão incluídas nos documentos avaliações sobre negociações bilaterais, conversas privadas e conclusões sobre líderes de vários países do mundo.
Uma das situações mais presentes nos documentos é a pressão que os Estados Unidos têm feito contra o Irã. Tony Blair, ex-premiê do Reino Unido, defende o uso da força militar contra o país do Oriente Médio, enquanto a monarquia saudita pede aos diplomatas-espiões dos EUA "que se corte a cabeça da cobra", em alusão ao presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad.
Apesar de espionar também os líderes aliados, o papel da diplomacia-espiã dos Estados Unidos já foi cantado antes por dirigentes como Fidel Castro, que alertou há meses a existência de planos militares dos EUA para derrubar o governo iraniano e destruir suas centrais de energia nuclear.
Fidel Castro há meses vem alertando o mundo sobre o risco de uma conflagração nuclear desatada pelos Estados Unidos, que agora veio à tona com os documentos sobre ataques ao Irã. Outro objetivo, já denunciado antes, é derrubar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
A base de dados a que o jornal britânico The Guardian teve acesso revela a atividade de espionagem exercida pelas embaixadas dos Estados Unidos na Bósnia, Bulgária, Croácia, Macedônia e Turquia, em busca de informação que possa ser utilizada em chantagens contra esses países, alguns deles aliados dos Estados Unidos na Europa Oriental.
Armênia, Azerbaijão e Geórgia também aparecem nos documentos vazados, além também de Rússia, China e República Popular Democrática da Coreia (RPDC). Índia, Afeganistão, Paquistão, países árabes e africanos, assim como Honduras, Colômbia, Paraguai, Brasil e Venezuela, na América Latina, foram também objetos de ampla espionagem por parte dos Estados Unidos.
Ban Ki-moon espionado
Os documentos revelados no domingo incluem um pedido da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, para que seus diplomatas descubram detalhes técnicos sobre a comunicação entre funcionários da ONU, o que incluiria o secretário-geral Ban Ki-moon.
O porta-voz das Nações Unidas, Farhan Haq, evitou falar especificamente sobre os documentos, mas lembrou que a ONU deve ser tratada como uma organização inviolável.
"A ONU não está em posição de comentar a autenticidade do documento que tem por objetivo reunir informações sobre funcionários da ONU e suas atividades", afirmou.
Israel não tem vergonha
O premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou para a mídia internacional que os documentos mostram "apenas" que seu país estava "cuidando" da situação de tensão com o Irã. Segundo os documentos, o serviço secreto israelense, o Mossad, trocou informações com os arapongas americanos para executar um plano militar contra o Irã.
Outro envolvido na questão contra o Irã é o rei Abdullah, da Arábia Saudita, que pediu reiteradamente a Washington que atacasse o Irã para destruir seu programa nuclear. O rei saudita afirma textualmente que é necessário "cortar a cabeça da cobra", em alusão ao presidente do Irã.
O governo americano também capturou ilicitamente dados biográficos e biométricos, inclusive do DNA, de candidatos à presidência do Paraguai. Um dos documentos vazados dava ordens aos diplomatas no Paraguai para que fizessem perfis das posições políticas de cada candidato.
Em relação à China, os espiões americanos foram instruídos a recolher informações sobre a segurança cibernética do país, a situação da Região Autônoma do Tibete e de Xinjiang, objeto de atos de terrorismo nos anos de 2008 e 2009.
WikiLeaks prova golpe
Manuel Zelaya, presidente hondurenho deposto em um golpe no ano de 2009, falou sobre a cumplicidade americana no golpe que o tirou do governo em julho de 2009, após verificar os documentos sobre o seu país.
"Fica clara a cumplicidade dos EUA ao conhecer previamente o planejamento e a execução do golpe de Estado e mesmo assim fazer silêncio", diz Zelaya em nota enviada da República Dominicana.
Hillary irada
A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, considerou o vazamento das informações como "não só um ataque à diplomacia dos Estados Unidos, mas à comunidade internacional".
Hillary é hoje a chefe da diplomacia americana e, na entrevista coletiva, evidentemente não fez nenhuma censura à espionagem diplomática cometida sob os auspícios de George W. Bush e do atual presidente, Barack Obama. Hillary quer que o assunto seja visto como um ataque às "alianças e negociações em busca da paz e da segurança mundial que estão andamento em nível internacional".
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