Reproduzo os relatos da jornalista Carol Rocha, demitida pelo Grupo Folha, publicados em seu blog - Veneno Antimonotonia:
A coluna de hoje da ombudsman da Folha de S.Paulo é sobre uma troca de tuítes entre dois jornalistas da empresa - aliás, ex-jornalistas da empresa. A "repórter do Agora", neste caso, sou eu. O diálogo, de três frases, segue abaixo, no texto da própria Suzana Singer - e ao contrário do que alguns disseram, não foi apagado; continua lá no twitter.
Abaixo seguem também, em ordem, a coluna publicada hoje, o email que enviei para a Suzana na quinta-feira, após a minha demissão e, em seguida, a resposta dela.
E cada um que tire suas conclusões.
A minha conclusão é a seguinte: os jornais subestimam a inteligência dos leitores. Para a ombudsman, não é bom lembrar os leitores que o jornal erra. Também não é bom admitir, em público, que o jornal que briga e exige liberdade de expressão pratica censura interna. Além do meu caso, quem não se lembra do Falha de S.Paulo?
Eu ainda não perdi a esperança de encontrar um dia numa redação um editor corajoso como o Ricardo Noblat, que teve a honestidade de manchetar um "erramos" no Correio Braziliense (e levou o Prêmio Esso por isso).
*****
Coluna de Suzana Singer
A blogosfera dá a qualquer um a chance de divulgar o que passa pela sua cabeça a todo momento. No jornalismo, sem o filtro da edição, essa modernidade tem sido uma fonte de problemas. Na quarta-feira passada, após o anúncio da morte de José Alencar, havia no Twitter:
Repórter da Folha: "Nunca um obituário esteve tão pronto. É só apertar o botão."
Repórter do Agora: "Mas na Folha.com nada ainda... esqueceram de apertar o botão. rs" (risos)
Repórter da Folha: "Ah sim, a melhor orientação ever. O último a dar qualquer morte. É o preço por um erro gravíssimo."
Um diálogo ruim, de todos os pontos de vista. É insensível jogar na cara do leitor que há obituários prontos à espera do momento de publicação. Não faz sentido um jornalista criticar, publicamente, um site da mesma empresa. E não deixa de ser desagradável lembrar um problema recente -a divulgação errada, pela Folha.com, da morte do senador Romeu Tuma.
Em janeiro, um fotógrafo colaborador do "Agora", que cobria as eleições para presidente do Palmeiras, escreveu: "Enquanto os porcos não se decidem poderiam mandar mais lanchinhos e refrigerante para a imprensa que assiste ao jogo do Timão na sala de imprensa". A reação foi rápida e violenta: ele apanhou de seguranças do time.
É difícil convencer jornalistas de que suas contas no Twitter, Facebook ou Orkut não podem ser encaradas apenas como pessoais. O repórter é seguido, curtido, recomendado, também como um representante do lugar em que trabalha.
Em um comunicado de 2009, que merece ser atualizado, a chefia da Redação lembrava que todos devem seguir os princípios do projeto editorial quando estiverem on-line.
Seria bom esmiuçar isso. Jornalista não pode declarar voto político, xingar artistas, amaldiçoar o time de futebol rival, bater boca com leitores, expressar preconceito nem tentar obter vantagem pessoal (reclamar, por exemplo, do mau atendimento num restaurante para que saibam que ele é da imprensa).
É muito limitante, mas o repórter precisa considerar que amanhã poderá ser cobrado por uma opinião "inocente". Em um plantão, alguém de Esporte pode ser designado para entrevistar determinado político. E se ele tiver postado, dias antes, que o sujeito é um "corrupto contumaz"?
Quem mais luta pela liberdade de expressão precisa restringir a própria para não perder a razão.
*****
Email enviada para a ombudsman, na quinta-feira
Oi, Suzana. Tudo bem?
Sou a repórter do Agora que você citou na crítica interna de ontem. Escrevo porque gostaria de entender melhor qual foi a sua interpretação sobre a troca de mensagens no twitter? O que havia de tão nocivo ao jornal naquilo?
Até o Comunique-se fez matéria sobre o fato da Folha.com ter demorado tanto a dar a notícia da morte do Alencar.
Você não acha hipocrisia o jornal negar - ou censurar comentário sobre o tema - que depois da notícia errada sobre a morte do Tuma, os cuidados foram redobrados? Nada mais natural.
Mais hipocrisia ainda é um jornal que zela tanto pela liberdade de expressão, que diz não admitir qualquer tipo de censura, praticar a mesma censura contra seus funcionários. Me lembro que o manual de redação diz alguma coisa como "somos abertos a críticas". Sério? Não conheço ninguém que tenha criticado a Folha e não tenha sofrido represália.
Estou sendo bem honesta quando digo que não entendi o que pode ter de tão grave naquelas três postagens, para culminar com a minha demissão e também do meu amigo, Alec. As mensagens não tiveram repercussão nenhuma, com exceção da sua crítica. Ninguém retuitou, nenhum leitor se sentiu ofendido. Nada. Diferente de outros casos de twitter que culminaram em demissão (diretor da Locaweb xingando o clube que a empresa patrocina, o fotógrafo do Agora sendo agredido no Palmeiras, a estagiária de direito que xingou nordestinos etc).
Preciso compreender isso até porque acho o trabalho de ombudsman muito importante, fundamental, aliás, nessa época de jornalismo com a credibilidade tão discutível. Minha mãe foi uma das primeiras ombudsmans do país, numa época em quase nenhuma empresa tinha a função. Ela não é jornalista - ela foi ombudsman por mais de 10 anos numa grande empresa de segurança privada. E eu tenho muita admiração pela função, independentemente do setor no qual ela é praticada.
Além disso, sou casada com um jornalista, com mais de 20 anos de profissão que, além de ainda ser atuante em redação, também é professor de faculdade de comunicação. Em casa sempre discutimos muito sobre todas as teorias do jornalismo, os meandros da profissão, o que se ensina em sala e o que se faz de verdade na redação. E nem ele conseguiu enxergar motivos para essas mensagens culminarem numa crítica tão dura e em demissão. Talvez valesse uma advertência, uma orientação do jornal. Afinal, em que parte da balança entram os serviços prestados, as horas de dedicação a essa redação? Será que um comentário daquele desqualifica totalmente o profissional?
E nessa história toda, me veio à mente um trecho de um livro muito bom do Eugênio Bucci, quando ele tinha um outro discurso diferente do que ele prega hoje, e que podia ser alvo da sua reflexão enquanto crítica do jornal. O livro chama-se Sobre Ética e Imprensa. No capítulo 2, intitulado "A síndrome da auto-suficiência ética", ele tenta explicar por que a imprensa gosta tanto de discutir a ética dos outros, mas não discute a sua. "É como se a imprensa proclamasse: minha função é informar o público, mas os meus valores não estão em discussão, os meus métodos não são da conta de mais ninguém - eles são bons, corretos e justos por definição."
A imprensa gasta todo o seu tempo apontando, criticando e denunciando tudo e todos para não ter que discutir e justificar as suas próprias falhas.
Um abraço, Carol Rocha
*****
Resposta da ombudsman
Carol, agradeço muito a sua mensagem, mesmo.
Não tenho nada a ver com a demissão, porque não tenho nenhuma participação nas decisões das chefias. Mas posso dizer que lamento muito a saída de vocês e me sinto mal por ter provocado isso com a crítica interna.
Eu acho o diálogo de vocês, no mínimo, inapropriado. Não é legal lembrar o leitor que os obituários estão prontos à espera da morte de pessoas queridas do público, não é certo criticar um outro órgão de imprensa (principalmente sendo do mesmo grupo) nem ressuscitar erros graves recentes.
Mais do que tudo isso, acho importante que os jornalistas se controlem, não coloquem suas opiniões no Twitter a qualquer momento, sem refletir. Já tinha acontecido antes: o próprio Alec criticou no Twitter o caderno de Esporte durante a Copa, a editora de política lamentou a morte errada do Tuma na rede etc.
Não acho que isso seja censura. A Folha tem meios de fazer e receber críticas (painel do leitor, ombudsman, o blog da crítica interna, a seção erramos). Imagina se todo jornalista resolvesse colocar na rede os erros de colegas e desafetos.
Vc gostaria que eu publicasse a sua mensagem no blog da crítica amanhã? A ideia é que ele sirva para discussões internas mesmo.
Na coluna de domingo, vou citar o caso sem identificar você ou o Alec, por isso, não pensei em procurá-los para um "outro lado". Acho que é melhor assim, mas se vc preferir ter um espaço para responder, me diga.
att. Suzana Singer - Ombudsman da Folha
*****
E assim segue a imprensa brasileira, falando dos seus direitos para não ter de falar dos seus deveres.
A coluna de hoje da ombudsman da Folha de S.Paulo é sobre uma troca de tuítes entre dois jornalistas da empresa - aliás, ex-jornalistas da empresa. A "repórter do Agora", neste caso, sou eu. O diálogo, de três frases, segue abaixo, no texto da própria Suzana Singer - e ao contrário do que alguns disseram, não foi apagado; continua lá no twitter.
Abaixo seguem também, em ordem, a coluna publicada hoje, o email que enviei para a Suzana na quinta-feira, após a minha demissão e, em seguida, a resposta dela.
E cada um que tire suas conclusões.
A minha conclusão é a seguinte: os jornais subestimam a inteligência dos leitores. Para a ombudsman, não é bom lembrar os leitores que o jornal erra. Também não é bom admitir, em público, que o jornal que briga e exige liberdade de expressão pratica censura interna. Além do meu caso, quem não se lembra do Falha de S.Paulo?
Eu ainda não perdi a esperança de encontrar um dia numa redação um editor corajoso como o Ricardo Noblat, que teve a honestidade de manchetar um "erramos" no Correio Braziliense (e levou o Prêmio Esso por isso).
*****
Coluna de Suzana Singer
A blogosfera dá a qualquer um a chance de divulgar o que passa pela sua cabeça a todo momento. No jornalismo, sem o filtro da edição, essa modernidade tem sido uma fonte de problemas. Na quarta-feira passada, após o anúncio da morte de José Alencar, havia no Twitter:
Repórter da Folha: "Nunca um obituário esteve tão pronto. É só apertar o botão."
Repórter do Agora: "Mas na Folha.com nada ainda... esqueceram de apertar o botão. rs" (risos)
Repórter da Folha: "Ah sim, a melhor orientação ever. O último a dar qualquer morte. É o preço por um erro gravíssimo."
Um diálogo ruim, de todos os pontos de vista. É insensível jogar na cara do leitor que há obituários prontos à espera do momento de publicação. Não faz sentido um jornalista criticar, publicamente, um site da mesma empresa. E não deixa de ser desagradável lembrar um problema recente -a divulgação errada, pela Folha.com, da morte do senador Romeu Tuma.
Em janeiro, um fotógrafo colaborador do "Agora", que cobria as eleições para presidente do Palmeiras, escreveu: "Enquanto os porcos não se decidem poderiam mandar mais lanchinhos e refrigerante para a imprensa que assiste ao jogo do Timão na sala de imprensa". A reação foi rápida e violenta: ele apanhou de seguranças do time.
É difícil convencer jornalistas de que suas contas no Twitter, Facebook ou Orkut não podem ser encaradas apenas como pessoais. O repórter é seguido, curtido, recomendado, também como um representante do lugar em que trabalha.
Em um comunicado de 2009, que merece ser atualizado, a chefia da Redação lembrava que todos devem seguir os princípios do projeto editorial quando estiverem on-line.
Seria bom esmiuçar isso. Jornalista não pode declarar voto político, xingar artistas, amaldiçoar o time de futebol rival, bater boca com leitores, expressar preconceito nem tentar obter vantagem pessoal (reclamar, por exemplo, do mau atendimento num restaurante para que saibam que ele é da imprensa).
É muito limitante, mas o repórter precisa considerar que amanhã poderá ser cobrado por uma opinião "inocente". Em um plantão, alguém de Esporte pode ser designado para entrevistar determinado político. E se ele tiver postado, dias antes, que o sujeito é um "corrupto contumaz"?
Quem mais luta pela liberdade de expressão precisa restringir a própria para não perder a razão.
*****
Email enviada para a ombudsman, na quinta-feira
Oi, Suzana. Tudo bem?
Sou a repórter do Agora que você citou na crítica interna de ontem. Escrevo porque gostaria de entender melhor qual foi a sua interpretação sobre a troca de mensagens no twitter? O que havia de tão nocivo ao jornal naquilo?
Até o Comunique-se fez matéria sobre o fato da Folha.com ter demorado tanto a dar a notícia da morte do Alencar.
Você não acha hipocrisia o jornal negar - ou censurar comentário sobre o tema - que depois da notícia errada sobre a morte do Tuma, os cuidados foram redobrados? Nada mais natural.
Mais hipocrisia ainda é um jornal que zela tanto pela liberdade de expressão, que diz não admitir qualquer tipo de censura, praticar a mesma censura contra seus funcionários. Me lembro que o manual de redação diz alguma coisa como "somos abertos a críticas". Sério? Não conheço ninguém que tenha criticado a Folha e não tenha sofrido represália.
Estou sendo bem honesta quando digo que não entendi o que pode ter de tão grave naquelas três postagens, para culminar com a minha demissão e também do meu amigo, Alec. As mensagens não tiveram repercussão nenhuma, com exceção da sua crítica. Ninguém retuitou, nenhum leitor se sentiu ofendido. Nada. Diferente de outros casos de twitter que culminaram em demissão (diretor da Locaweb xingando o clube que a empresa patrocina, o fotógrafo do Agora sendo agredido no Palmeiras, a estagiária de direito que xingou nordestinos etc).
Preciso compreender isso até porque acho o trabalho de ombudsman muito importante, fundamental, aliás, nessa época de jornalismo com a credibilidade tão discutível. Minha mãe foi uma das primeiras ombudsmans do país, numa época em quase nenhuma empresa tinha a função. Ela não é jornalista - ela foi ombudsman por mais de 10 anos numa grande empresa de segurança privada. E eu tenho muita admiração pela função, independentemente do setor no qual ela é praticada.
Além disso, sou casada com um jornalista, com mais de 20 anos de profissão que, além de ainda ser atuante em redação, também é professor de faculdade de comunicação. Em casa sempre discutimos muito sobre todas as teorias do jornalismo, os meandros da profissão, o que se ensina em sala e o que se faz de verdade na redação. E nem ele conseguiu enxergar motivos para essas mensagens culminarem numa crítica tão dura e em demissão. Talvez valesse uma advertência, uma orientação do jornal. Afinal, em que parte da balança entram os serviços prestados, as horas de dedicação a essa redação? Será que um comentário daquele desqualifica totalmente o profissional?
E nessa história toda, me veio à mente um trecho de um livro muito bom do Eugênio Bucci, quando ele tinha um outro discurso diferente do que ele prega hoje, e que podia ser alvo da sua reflexão enquanto crítica do jornal. O livro chama-se Sobre Ética e Imprensa. No capítulo 2, intitulado "A síndrome da auto-suficiência ética", ele tenta explicar por que a imprensa gosta tanto de discutir a ética dos outros, mas não discute a sua. "É como se a imprensa proclamasse: minha função é informar o público, mas os meus valores não estão em discussão, os meus métodos não são da conta de mais ninguém - eles são bons, corretos e justos por definição."
A imprensa gasta todo o seu tempo apontando, criticando e denunciando tudo e todos para não ter que discutir e justificar as suas próprias falhas.
Um abraço, Carol Rocha
*****
Resposta da ombudsman
Carol, agradeço muito a sua mensagem, mesmo.
Não tenho nada a ver com a demissão, porque não tenho nenhuma participação nas decisões das chefias. Mas posso dizer que lamento muito a saída de vocês e me sinto mal por ter provocado isso com a crítica interna.
Eu acho o diálogo de vocês, no mínimo, inapropriado. Não é legal lembrar o leitor que os obituários estão prontos à espera da morte de pessoas queridas do público, não é certo criticar um outro órgão de imprensa (principalmente sendo do mesmo grupo) nem ressuscitar erros graves recentes.
Mais do que tudo isso, acho importante que os jornalistas se controlem, não coloquem suas opiniões no Twitter a qualquer momento, sem refletir. Já tinha acontecido antes: o próprio Alec criticou no Twitter o caderno de Esporte durante a Copa, a editora de política lamentou a morte errada do Tuma na rede etc.
Não acho que isso seja censura. A Folha tem meios de fazer e receber críticas (painel do leitor, ombudsman, o blog da crítica interna, a seção erramos). Imagina se todo jornalista resolvesse colocar na rede os erros de colegas e desafetos.
Vc gostaria que eu publicasse a sua mensagem no blog da crítica amanhã? A ideia é que ele sirva para discussões internas mesmo.
Na coluna de domingo, vou citar o caso sem identificar você ou o Alec, por isso, não pensei em procurá-los para um "outro lado". Acho que é melhor assim, mas se vc preferir ter um espaço para responder, me diga.
att. Suzana Singer - Ombudsman da Folha
*****
E assim segue a imprensa brasileira, falando dos seus direitos para não ter de falar dos seus deveres.
Primeiro, ela elogia o Ricardo Noblat. Lamentável.
ResponderExcluirSegundo, existe um ditado que diz: "Andas com porcos, comerás farelo"