Por Wladimir Pomar, no sítio Correio da Cidadania:
Em grande parte devido às nuvens carregadas da situação internacional, as perspectivas para 2012 variam de moderadamente otimistas a moderadamente pessimistas. A suposição de que nos países centrais haverá um capitalismo mais regulamentado pelo Estado, com regras mais severas, sobretudo sobre o setor financeiro, talvez não passe de um sonho em noite de verão.
Além disso, a ausência de união política, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, mostra justamente que tal regulamentação se choca contra os mecanismos de elevação da taxa média de lucro das grandes corporações. E é, ainda, uma demonstração de quanto o poder dessas mega-empresas sobre o Estado de seus países e sobre a economia mundial é determinante.
Para piorar, nos países capitalistas desenvolvidos há perseverança na tentativa de descarregar os custos da crise sobre os salários e o bem-estar das populações. O problema consiste em saber até que ponto suas classes dominantes estão dispostas a colocar a nu o formalismo de suas democracias, impedindo pela força, como já faz o governo norte-americano, o desencadeamento de movimentos sociais e a ampliação das reações populares que emergiram durante 2011.
No mesmo caminho de piora da situação, os falcões da indústria bélica pressionam para combinar as medidas de ajuste fiscal com planos de disseminação de guerras. O enorme orçamento militar dos Estados Unidos, assim como os novos planos estratégicos desse país e da OTAN, indicam que a opção armada está na mesa dos formuladores políticos e militares dos países centrais. Eles sequer se dão conta de que as guerras dos últimos anos talvez tenham mudado de natureza.
Antes, as guerras permitiam lucros exorbitantes aos fabricantes de armas e aos Estados que as promoviam. Os Estados Unidos, em particular, cujo território ficou livre das destruições das grandes guerras mundiais, transformaram-se em potência riquíssima e hegemônica graças a essa combinação macabra. No entanto, em especial a partir das invasões e guerras do Afeganistão e do Iraque, pode-se notar uma mudança importante nesse processo.
É lógico que os fabricantes e comerciantes de armas continuaram tendo lucros astronômicos. Mas os brutais déficits orçamentários dos Estados Unidos indicam que essas guerras causaram enormes prejuízos ao Estado e à sociedade estadunidenses. Será pedir demais, porém, que os belicistas tomem consciência dessa inversão. Portanto, não se pode descartar que os Estados Unidos, cujo foco estratégico está sendo deslocado para a Ásia, fomentem novas aventuras armadas e novos conflitos militares, tornando a situação internacional ainda mais turbulenta e perigosa, assim como aprofundando sua própria crise e as demais crises nacionais e internacionais.
No caso do Brasil, embora ele esteja em condições macroeconômicas relativamente boas para enfrentar as ondas de choque dessas crises, sua pauta econômica, social e política se tornou muito mais complexa.
A questão chave dessa pauta talvez consista em elevar rápida e firmemente as taxas de investimento para aumentar a capacidade industrial e técnico-científica do país. A rigor, o Brasil necessita alcançar taxas de 25% a 30% do PIB para realizar um desenvolvimento sustentável. O que só pode ser feito se contar com investimentos diretos estrangeiros.
Essa dependência de capitais externos para uma industrialização mais rápida e sustentável coloca o país, por outro lado, diante da necessidade de bloquear o fluxo de capitais de curto prazo, incentivar os investimentos externos diretos na produção, estabelecer uma política clara dos setores que devem merecer prioridade nos investimentos e trabalhar no sentido de que tais investimentos abram a possibilidade de estruturar empresas nacionais, privadas e estatais, nesses setores.
Em outras palavras, o Brasil pode se aproveitar da crise internacional para forçar os capitais estrangeiros a investirem fundamentalmente nos setores produtivos e para reforçar a presença de empresas nacionais, em particular nos ramos hoje oligopolizados pelas multinacionais. Há inúmeros mecanismos políticos, econômicos e administrativos que podem induzir os capitais externos a realizarem associações com empresas nacionais, de tal forma que estas ganhem autonomia após algum tempo e constituam um setor industrial nacional.
Essa é a maneira mais segura de reforçar o mercado interno, seja pelo consumo, ampliando consideravelmente o número de trabalhadores industriais e comerciais, seja pela produção, reforçando a presença de capitais brasileiros para ampliar o produto nacional bruto e garantir a permanência de parte do produto interno bruto no país. O que aumenta a capacidade competitiva da verdadeira indústria nacional, aumenta a soberania do país, reduz o poder interno dos monopólios e oligopólios e cria um ambiente propício para a redução de custos e preços.
Este também parece ser o momento histórico mais favorável para resolver a contradição entre uma enorme área territorial aproveitável para a produção agrícola e a existência de alguns milhões de camponeses sem terra. A população brasileira já deu conta de que a reduzida produção de alimentos destinada ao mercado interno, hoje quase totalmente nas costas das unidades agrícolas familiares, é um dos principais fatores de pressão inflacionária.
Portanto, há justificativas de sobra, sociais, econômicas, financeiras e políticas, para assentar rapidamente os dois a três milhões de camponeses sem terra e incorporá-los à produção alimentar, ampliando a seguridade alimentar e reduzindo as pressões inflacionárias, estas devidas à oferta insuficiente de cereais, verduras e legumes.
Por outro lado, é possível continuar aproveitando as vantagens competitivas do agronegócio e sua capacidade de exportação para utilizar os saldos comerciais na importação de bens de capital de novas e altas tecnologias, de modo a adensar as cadeias industriais e utilizar as ciências e tecnologias como novas forças produtivas.
Paralelamente, o quadro complexo da situação internacional, no qual a maioria dos países do mundo tende a desvalorizar suas moedas, através tanto de medidas econômicas quanto administrativas, pode contribuir para o governo brasileiro abandonar a ortodoxia neoliberal do câmbio subordinado às intempéries do dólar e dos juros elevados e adotar uma política de utilização desses mecanismos macroeconômicos como instrumentos de política industrial e tecnológica.
É provável, também que, no campo político, o ano de 2012 assista a um esforço mais consistente da direita para se reorganizar e tomar a iniciativa contra o governo, em especial se der certo sua estratégia de paralisar o governo Dilma através da ação continuada e seqüencial da grande imprensa em torno de casos reais e fictícios de corrupção.
Diante disso, de duas uma. Ou a esquerda no governo estabelece um programa mais claro de luta, que unifique de modo mais consistente seus diversos partidos e correntes, ou ela continua agindo de forma dispersa e sem foco, numa defensiva geralmente inexplicável, que poderá levá-la a ser atropelada pela direita, tanto nas eleições municipais de 2012, quanto nas eleições gerais de 2014.
Questões chaves para essa maior unificação são o crescimento das lutas dos trabalhadores e das camadas populares por melhores condições de renda e de vida, a adoção de uma linha definida de combate, ideológica, política e administrativa, contra a corrupção, os desmandos nos negócios públicos e a morosidade e leniência do judiciário, e a favor do aumento da participação popular no Estado, da regulamentação dos serviços de telecomunicação e da inversão do sistema tributário, de regressivo em progressivo.
Finalmente, mas sem esgotar o assunto, o Brasil certamente terá que continuar se empenhando em reforçar a ação dos países emergentes, seja através da integração sul-americana e de uma atividade coordenada no grupo dos 20, seja através da luta pela regulamentação dos mercados financeiros, pela contenção do poder do setor financeiro e pelo aumento da participação dos países em desenvolvimento no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial.
Para garantir a projeção conquistada no plano internacional, o Brasil precisará manter com firmeza sua política de não ingerência nos assuntos internos dos demais países, de solução das divergências e conflitos através de negociações, de se opor a qualquer ato agressivo e de concentrar esforços na manutenção da paz regional e mundial.
Vista em perspectiva, a crise mundial do capitalismo desenvolvido impôs ao Brasil acelerar todos os projetos mais ou menos delineados desde a ascensão do PT e de Lula ao governo em 2002. Graças a ela, as forças democráticas e populares voltaram a discutir as questões estratégicas do desenvolvimento nacional e da luta de classes.
Portanto, se ela traz em seu bojo ameaças e desafios imponderáveis, também trouxe oportunidades que não se podem desprezar.
Em grande parte devido às nuvens carregadas da situação internacional, as perspectivas para 2012 variam de moderadamente otimistas a moderadamente pessimistas. A suposição de que nos países centrais haverá um capitalismo mais regulamentado pelo Estado, com regras mais severas, sobretudo sobre o setor financeiro, talvez não passe de um sonho em noite de verão.
Além disso, a ausência de união política, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, mostra justamente que tal regulamentação se choca contra os mecanismos de elevação da taxa média de lucro das grandes corporações. E é, ainda, uma demonstração de quanto o poder dessas mega-empresas sobre o Estado de seus países e sobre a economia mundial é determinante.
Para piorar, nos países capitalistas desenvolvidos há perseverança na tentativa de descarregar os custos da crise sobre os salários e o bem-estar das populações. O problema consiste em saber até que ponto suas classes dominantes estão dispostas a colocar a nu o formalismo de suas democracias, impedindo pela força, como já faz o governo norte-americano, o desencadeamento de movimentos sociais e a ampliação das reações populares que emergiram durante 2011.
No mesmo caminho de piora da situação, os falcões da indústria bélica pressionam para combinar as medidas de ajuste fiscal com planos de disseminação de guerras. O enorme orçamento militar dos Estados Unidos, assim como os novos planos estratégicos desse país e da OTAN, indicam que a opção armada está na mesa dos formuladores políticos e militares dos países centrais. Eles sequer se dão conta de que as guerras dos últimos anos talvez tenham mudado de natureza.
Antes, as guerras permitiam lucros exorbitantes aos fabricantes de armas e aos Estados que as promoviam. Os Estados Unidos, em particular, cujo território ficou livre das destruições das grandes guerras mundiais, transformaram-se em potência riquíssima e hegemônica graças a essa combinação macabra. No entanto, em especial a partir das invasões e guerras do Afeganistão e do Iraque, pode-se notar uma mudança importante nesse processo.
É lógico que os fabricantes e comerciantes de armas continuaram tendo lucros astronômicos. Mas os brutais déficits orçamentários dos Estados Unidos indicam que essas guerras causaram enormes prejuízos ao Estado e à sociedade estadunidenses. Será pedir demais, porém, que os belicistas tomem consciência dessa inversão. Portanto, não se pode descartar que os Estados Unidos, cujo foco estratégico está sendo deslocado para a Ásia, fomentem novas aventuras armadas e novos conflitos militares, tornando a situação internacional ainda mais turbulenta e perigosa, assim como aprofundando sua própria crise e as demais crises nacionais e internacionais.
No caso do Brasil, embora ele esteja em condições macroeconômicas relativamente boas para enfrentar as ondas de choque dessas crises, sua pauta econômica, social e política se tornou muito mais complexa.
A questão chave dessa pauta talvez consista em elevar rápida e firmemente as taxas de investimento para aumentar a capacidade industrial e técnico-científica do país. A rigor, o Brasil necessita alcançar taxas de 25% a 30% do PIB para realizar um desenvolvimento sustentável. O que só pode ser feito se contar com investimentos diretos estrangeiros.
Essa dependência de capitais externos para uma industrialização mais rápida e sustentável coloca o país, por outro lado, diante da necessidade de bloquear o fluxo de capitais de curto prazo, incentivar os investimentos externos diretos na produção, estabelecer uma política clara dos setores que devem merecer prioridade nos investimentos e trabalhar no sentido de que tais investimentos abram a possibilidade de estruturar empresas nacionais, privadas e estatais, nesses setores.
Em outras palavras, o Brasil pode se aproveitar da crise internacional para forçar os capitais estrangeiros a investirem fundamentalmente nos setores produtivos e para reforçar a presença de empresas nacionais, em particular nos ramos hoje oligopolizados pelas multinacionais. Há inúmeros mecanismos políticos, econômicos e administrativos que podem induzir os capitais externos a realizarem associações com empresas nacionais, de tal forma que estas ganhem autonomia após algum tempo e constituam um setor industrial nacional.
Essa é a maneira mais segura de reforçar o mercado interno, seja pelo consumo, ampliando consideravelmente o número de trabalhadores industriais e comerciais, seja pela produção, reforçando a presença de capitais brasileiros para ampliar o produto nacional bruto e garantir a permanência de parte do produto interno bruto no país. O que aumenta a capacidade competitiva da verdadeira indústria nacional, aumenta a soberania do país, reduz o poder interno dos monopólios e oligopólios e cria um ambiente propício para a redução de custos e preços.
Este também parece ser o momento histórico mais favorável para resolver a contradição entre uma enorme área territorial aproveitável para a produção agrícola e a existência de alguns milhões de camponeses sem terra. A população brasileira já deu conta de que a reduzida produção de alimentos destinada ao mercado interno, hoje quase totalmente nas costas das unidades agrícolas familiares, é um dos principais fatores de pressão inflacionária.
Portanto, há justificativas de sobra, sociais, econômicas, financeiras e políticas, para assentar rapidamente os dois a três milhões de camponeses sem terra e incorporá-los à produção alimentar, ampliando a seguridade alimentar e reduzindo as pressões inflacionárias, estas devidas à oferta insuficiente de cereais, verduras e legumes.
Por outro lado, é possível continuar aproveitando as vantagens competitivas do agronegócio e sua capacidade de exportação para utilizar os saldos comerciais na importação de bens de capital de novas e altas tecnologias, de modo a adensar as cadeias industriais e utilizar as ciências e tecnologias como novas forças produtivas.
Paralelamente, o quadro complexo da situação internacional, no qual a maioria dos países do mundo tende a desvalorizar suas moedas, através tanto de medidas econômicas quanto administrativas, pode contribuir para o governo brasileiro abandonar a ortodoxia neoliberal do câmbio subordinado às intempéries do dólar e dos juros elevados e adotar uma política de utilização desses mecanismos macroeconômicos como instrumentos de política industrial e tecnológica.
É provável, também que, no campo político, o ano de 2012 assista a um esforço mais consistente da direita para se reorganizar e tomar a iniciativa contra o governo, em especial se der certo sua estratégia de paralisar o governo Dilma através da ação continuada e seqüencial da grande imprensa em torno de casos reais e fictícios de corrupção.
Diante disso, de duas uma. Ou a esquerda no governo estabelece um programa mais claro de luta, que unifique de modo mais consistente seus diversos partidos e correntes, ou ela continua agindo de forma dispersa e sem foco, numa defensiva geralmente inexplicável, que poderá levá-la a ser atropelada pela direita, tanto nas eleições municipais de 2012, quanto nas eleições gerais de 2014.
Questões chaves para essa maior unificação são o crescimento das lutas dos trabalhadores e das camadas populares por melhores condições de renda e de vida, a adoção de uma linha definida de combate, ideológica, política e administrativa, contra a corrupção, os desmandos nos negócios públicos e a morosidade e leniência do judiciário, e a favor do aumento da participação popular no Estado, da regulamentação dos serviços de telecomunicação e da inversão do sistema tributário, de regressivo em progressivo.
Finalmente, mas sem esgotar o assunto, o Brasil certamente terá que continuar se empenhando em reforçar a ação dos países emergentes, seja através da integração sul-americana e de uma atividade coordenada no grupo dos 20, seja através da luta pela regulamentação dos mercados financeiros, pela contenção do poder do setor financeiro e pelo aumento da participação dos países em desenvolvimento no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial.
Para garantir a projeção conquistada no plano internacional, o Brasil precisará manter com firmeza sua política de não ingerência nos assuntos internos dos demais países, de solução das divergências e conflitos através de negociações, de se opor a qualquer ato agressivo e de concentrar esforços na manutenção da paz regional e mundial.
Vista em perspectiva, a crise mundial do capitalismo desenvolvido impôs ao Brasil acelerar todos os projetos mais ou menos delineados desde a ascensão do PT e de Lula ao governo em 2002. Graças a ela, as forças democráticas e populares voltaram a discutir as questões estratégicas do desenvolvimento nacional e da luta de classes.
Portanto, se ela traz em seu bojo ameaças e desafios imponderáveis, também trouxe oportunidades que não se podem desprezar.
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