terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Frei Betto: Encontro com Fidel

Por Frei Betto, no sítio da Adital:

Comandante, com profunda tristeza para os inimigos deste país - e grande alegria para nós, os amigos deste país -, constatamos sua excelente saúde e lucidez.

Você disse que Chávez se preocupa com cada detalhe; eu gosto do sistema cubano de divisão social do trabalho: o povo cuida da produção econômica, Raul da política e Fidel da ideologia, como todos apreciamos esta tarde passamos aqui. Dois temas não foram tratados aqui. Vou começar pelo primeiro, falado brevemente por Pérez Esquivel:

Quando me perguntam como consegui conhecer bem a Revolução Cubana, eu digo: Não basta conhecer a história de Cuba, não basta conhecer o marxismo; devemos conhecer a vida e a obra de José Martí. Para entender Fidel como tem feito Katyusha (Blanco) precisa conhecer a pedagogia dos jesuítas.

Muitos aqui, como Santiago Alba, o parceiro de Túnez, experimentou o que significa um teste oral em uma escola jesuíta. É difícil. Daí vem Fidel. Eu não sou jesuíta; portanto, não estou fazendo qualquer tipo de publicidade. Sou dominicano; mas, como sou amigo de Fidel, dominicanos e jesuítas fizemos um acordo. Na tradição jesuíta, há um costume que se chama exame de consciência, que é feito neste país, com outros nomes.

Houve um tempo -venho aqui há mais de 30 anos- que se falava de Emulação; depois, de retificação; agora, de Diretrizes. Se Stalin estivesse em vigor, as pessoas aqui em Cuba seriam chamadas de "retificacionistas”. Mas, muitas pessoas não percebem que aqui não se faz mudança na linha de Lampedusa –mudar para deixar como está-; são feitas mudanças para melhorar esta obra social da revolução, que, desde meu ponto de vista, é um trabalho não apenas político ou ideológico; é uma obra Evangélica.

O que significa evangelismo de Jesus? Significa dar comida a quem tem fome; saúde a quem está enfermo; amparo a quem está desamparado; trabalho a quem está desempregado. Isso está na letra do Evangelho. Por isso, digo que essa é uma obra transcendente.

Muitas vezes, nós, nos movimentos progressistas, não estamos fazendo o que a Revolução Cubana faz: nosso exame de consciência ou nossa autocrítica. Por que não há movimentos progressistas no mundo exceto na América Latina? Ante a crise financeira na Europa, qual nossa proposta? Falamos sobre a ocupação de Wall Street, que é um movimento de indignação, mas muitas pessoas não percebem que Wall Street significa "A rua do muro”, e enquanto esse muro não cair, nossa indignação não vai dar em nada. Vai ser bom para nós, não para o povo.

Duas coisas são essenciais, e essas duas coisas têm sido praticadas na história da Revolução Cubana. Primeiro: tem um projeto, não só a indignação. Ter uma proposta, metas. E, segundo: raízes populares, contato com o povo. Gramsci dizia: "O povo tem as vivências, mas muitas vezes não compreende sua situação”. Nós, intelectuais, compreendemos a realidade; porém, não a vivenciamos.

Aqui, muito se falou sobre Internet, e eu acho que nela há uma trincheira de luta muito importante, mas eu tenho 13.000 seguidores no Twitter, e confesso me sinto muito mais feliz trabalhando com 13 agricultores, 13 desempregados, 13 operários. Muitas vezes nossos movimentos falam pelo povo; querem ser a vanguarda do povo; escrevem para o povo; porém, não se comprometem com o povo. Deveríamos fazer uma certa higienização política. O povo não tem bom cheiro para nós os intelectuais, os artistas, os inteligentes, os cultos Se o povo não vai até nós, não vamos a lugar nenhum.

Cuba é o único país na América Latina que teve uma revolução bem sucedida. Recentemente, aconteceram outras revoluções (exemplo: Nicarágua e outras); porém, a mais bem sucedida foi essa. Não é uma revolução como houve na Europa, que era um ‘socialismo peruca’, que vinha de cima para baixo. Aqui, não; aqui é ‘cabelo’ de verdade, de baixo para cima [eu seguiria um pouco mais sobre a equação do cabelo porque Zuleica (Romay, presidente do Instituto Cubano do Livro) tem um cabelo curto, Abel tem cabelo comprido e Fidel tem equilíbrio. E a virtude está no meio].

O tempo passa e eu sei que, esta noite, o Comandante ainda tem que atender a três delegações, fazer oito chamadas internacionais, ler três livros e cerca de 200 mensagens, porque a receita para essa capacidade de trabalho é um segredo de Estado em Cuba. Não queiram saber, porque jamais saberão.

Chamo a atenção para isso: temos que fazer autocrítica; perguntar-nos como está nossa inserção social para a mobilização política e que projeto de sociedade estamos elaborando junto com esse povo, junto com os indignados, camponeses, desempregados.

A segunda questão que não foi discutida:

Por evocação do presidente Lula da Silva e, agora, por acolhida da presidenta Dilma, de 20 a 22 de Junho deste ano se realizará no Rio de Janeiro a Rio+20, da qual o Comandante participou em 1992 e fez seu mais breve discurso (sete minutos), uma surpresa internacional, porque todos pensavam que iria falar muito; porém, disse uma frase que ficou consagrada: "Temos que salvar a principal espécie em extinção: o ser humano”.

O que temos que fazer de agora em diante? Convencer aos nossos governos a estar presentes no Rio de Janeiro. Não podemos permitir que todos esses chefes de Estado deem as costas à questão ambiental, porque não se trata de salvar o meio ambiente; trata-se de salvar o ambiente todo. O pessoal do G-8 não tem interesse nisso. Obama foi a Copenhague, porque recebeu, equivocadamente, o Prêmio Nobel da Paz -para vergonha de Esquivel-, e teve que passar por Copenhague para chegar a Oslo; tinha que fazer uma parada técnica. Ele foi à Conferência para fazer demagogia; mas não está comprometido com isso.

Portanto, temos duas tarefas: Mobilizar os chefes de Estado dos nossos países; convencê-los a estar presentes no Rio de Janeiro, porque estar presente lá é apoiar todo um projeto de preservação ambiental efetivo; de salvação da humanidade; de salvação desse planeta que perdeu 30% da sua capacidade de se autogeração. Ou há uma intervenção humana ou teremos um apocalipse.

Também será realizada a Cúpula dos Povos e a presidenta Dilma nos disse em Porto Alegre, no Fórum Social Temático, que este encontro é mais importante do que a reunião de Chefes de Estado. Então, nossos movimentos devem estar presentes para que esta Cúpula possa soar muito alto em todo o mundo e cada vez mais conscientizar mais gente nesse projeto ambiental, que, por sua urgência, tem também uma dimensão política curiosa. O tema da ecologia, de todos os temas curiosos, é o único que não faz distinção de classes. A ecologia é como os aviões comerciais, que tem duas classes: executiva e econômica; porém, quando o avião cai, todos morrem da mesma forma. Não há privilégios.

Concluo, Comandante, agradecendo-lhe por sua paciência, seu diálogo com todos este grupo, sua capacidade de escutar. Agradeço também ao Abel, Zuleika, todos os companheiros/as de Cuba, ao povo que nos escuta, que se interessa por nosso debate, por nossa conversa. Peço a Deus que abençoe este país e que proteja a vida e a saúde de Fidel.

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