Por Daniel Merli, no sítio Carta Maior:
"[O mensalão] ameaça o sistema político. (...) [A transferência de recursos] confirma-se pela compra de apoio político (...), não interessa se o destino do dinheiro seja para gastos de campanha ou gastos pessoais. (...) Os partidos participaram de votações importantes, emprestando apoio [a quem os pagou]". Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), em seu voto no julgamento de José Dirceu e José Genoíno.
Faltando poucas semanas para o 1º turno das eleições municipais deste ano, os olhos do país dividiram-se entre a complexa trama de Avenida Brasil e outra, bem mais simples, do julgamento do “maior caso de corrupção” da história do país. Ao contrário das nuances e dúvidas do roteiro de João Emanuel Carneiro, os papéis de mocinho e bandido estavam bem mais delineados na segunda trama. De um lado o “herói de toga preta” (1) e “menino pobre que mudou o Brasil” (2). De outro, o “chefe de quadrilha” (3), obstinado a realizar um “golpe [por um] projeto de poder quadrienalmente quadruplicado” (4). O desfecho apoteótico viria na condenação que “lava a alma de todos os brasileiros vítimas dos corruptos” (5), muda nossa história e permite que o Brasil volte “a saber distinguir o certo do errado” (6).
Pois nos mesmos dias, do desenrolar das tramas de Delúbio e Carminha, a poucos metros do STF, o Congresso Nacional votava mais uma tentativa de acordo sobre o Código Florestal. Por trás das cortinas, um enredo bem semelhante ao que estaria sendo condenado exemplarmente do outro lado da rua. Dezenas de parlamentares, que conquistaram o espaço de representação na Câmara dos Deputados com apoio financeiro de empresas do agronegócio, propunham a criação de diferentes tamanhos para as Áreas de Proteção Permanente (APP) em beiras de rio. A medida, que reduziria as chamadas APPs ripárias no Brasil e abriria espaço para o aumento da produção do agronegócio acabou vetada pela presidenta Dilma Rousseff.
No caso do “mensalão” mais famoso, o empresário Marcos Valério de Souza, dono da agência de publicidade SMP&B, e os gestores do Banco Rural haviam sido condenados por fazer transferências de recursos a partidos políticos objetivando ganhos em decisões do governo. Também o empresário Daniel Dantas agora está sendo julgado pelo mesmo caso. Como responsável, na época, pelas empresas Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular, Dantas teria contratado os serviços de publicidade da SMP&B, para repassar recursos ao PT como forma de obter apoio do governo federal (7).
E o que buscavam as empresas do agronegócio que, em 2010, doaram dinheiro a campanhas de parlamentares que votariam o Código Florestal em seus mandatos? E os parlamentares, neste caso, não atuaram “emprestando apoio político” a quem os financiou?
Somente o grupo JBS financiou, com mais de R$ 10 milhões, 38 dos deputados que votaram pela redução das APPs de beira de rio, como exemplifica o livro Partido da Terra, do jornalista Alceu Castilho (8). Mas não só a maior empresa de processamento de carne do mundo buscou apoio parlamentar no Congresso. Somente na lista das 10 maiores empresas do agronegócio em 2010, feita pela revista Exame (9), também a Bunge destinou R$ 1,1 milhão ao financiamento de deputados federais, assim como a CoperSucar, com 450 mil. Quando ocorreu a campanha eleitoral, em 2010, já estava em discussão no Congresso o novo Código Florestal.
Para evitar este e outros tipos de "mensalões", organizações da sociedade civil defendem a aprovação pelo Congresso Nacional de uma reforma política que proíba o financiamento privado de campanhas eleitorais. É o que pede, por exemplo, José Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) (10). Ele é um dos coordenadores da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político que mantém uma lista de abaixo-assinado na internet visando atingir 1,5 milhão de assinaturas para embasar um Projeto de Lei (PL) de iniciativa popular (11).
Enquanto isso, a votação do PL de reforma política proposto pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS), que inclui a proposta de financiamento público integral, segue sendo obstruída. O relatório de Fontana (12) é resultado do trabalho da Comissão Especial, criada em fevereiro de 2011, que ouviu juristas e representantes dos movimentos sociais. O texto, no entanto, não foi votado por obstrução. Entre outros fatores, pela extinção do financiamento privado de campanha.
“O abuso do poder econômico termina escolhendo candidatos muito mais pela capacidade de arrecadação do que pelas ideias que eles defendem, criando uma democracia de desiguais”, avalia o deputado Henrique Fontana (PT-RS), em entrevista ao jornal Brasil de Fato (13). “O que corrige essas questões é o financiamento público exclusivo, com teto de gastos e forte diminuição dos custos de campanha”.
NOTAS:
1. Meme que circulou pelas redes sociais durante o julgamento.
2. Capa da edição 2.290 da revista Veja, de 10 de outubro de 2012.
3. Termo usado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) para referir-se ao então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, acusando-o de comandar a suposta operação de compra de votos no Congresso.
4. Voto do ministro do STF Ayres Britto pela condenação dos réus José Dirceu e José Genoino
5. Capa da edição 2.291 da revista Veja, de 17 de outubro de 2012.
6. Capa da edição 2.285 da revista Veja, de 5 de setembro de 2012.
7. “Dantas tenta impedir transferência para SP investigação sobre relação com Valério”, reportagem do repórter Flávio Ferreira no jornal Folha de S. Paulo, edição de 2/11/2012.
8. Partido da Terra, Editora Contexto, 2012,
9. “As 10 maiores empresas do agronegócio no Brasil", revista Exame, set/2010.
10. “Reforma política para acabarmos com escândalos como Mensalão”, entrevista de José Antonio Moroni ao site do Inesc.
(11) http://www.reformapolitica.org.br/
(12) A íntegra do relatório pode ser acessada em http://tinyurl.com/chrrhbe
(13) Organizações querem impulsionar mudança no sistema político, reportagem da edição nº 504 do jornal Brasil de Fato, de 25 a 31 de outubro - disponível em http://www.brasildefato.com.br/node/11128
"[O mensalão] ameaça o sistema político. (...) [A transferência de recursos] confirma-se pela compra de apoio político (...), não interessa se o destino do dinheiro seja para gastos de campanha ou gastos pessoais. (...) Os partidos participaram de votações importantes, emprestando apoio [a quem os pagou]". Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), em seu voto no julgamento de José Dirceu e José Genoíno.
Faltando poucas semanas para o 1º turno das eleições municipais deste ano, os olhos do país dividiram-se entre a complexa trama de Avenida Brasil e outra, bem mais simples, do julgamento do “maior caso de corrupção” da história do país. Ao contrário das nuances e dúvidas do roteiro de João Emanuel Carneiro, os papéis de mocinho e bandido estavam bem mais delineados na segunda trama. De um lado o “herói de toga preta” (1) e “menino pobre que mudou o Brasil” (2). De outro, o “chefe de quadrilha” (3), obstinado a realizar um “golpe [por um] projeto de poder quadrienalmente quadruplicado” (4). O desfecho apoteótico viria na condenação que “lava a alma de todos os brasileiros vítimas dos corruptos” (5), muda nossa história e permite que o Brasil volte “a saber distinguir o certo do errado” (6).
Pois nos mesmos dias, do desenrolar das tramas de Delúbio e Carminha, a poucos metros do STF, o Congresso Nacional votava mais uma tentativa de acordo sobre o Código Florestal. Por trás das cortinas, um enredo bem semelhante ao que estaria sendo condenado exemplarmente do outro lado da rua. Dezenas de parlamentares, que conquistaram o espaço de representação na Câmara dos Deputados com apoio financeiro de empresas do agronegócio, propunham a criação de diferentes tamanhos para as Áreas de Proteção Permanente (APP) em beiras de rio. A medida, que reduziria as chamadas APPs ripárias no Brasil e abriria espaço para o aumento da produção do agronegócio acabou vetada pela presidenta Dilma Rousseff.
No caso do “mensalão” mais famoso, o empresário Marcos Valério de Souza, dono da agência de publicidade SMP&B, e os gestores do Banco Rural haviam sido condenados por fazer transferências de recursos a partidos políticos objetivando ganhos em decisões do governo. Também o empresário Daniel Dantas agora está sendo julgado pelo mesmo caso. Como responsável, na época, pelas empresas Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular, Dantas teria contratado os serviços de publicidade da SMP&B, para repassar recursos ao PT como forma de obter apoio do governo federal (7).
E o que buscavam as empresas do agronegócio que, em 2010, doaram dinheiro a campanhas de parlamentares que votariam o Código Florestal em seus mandatos? E os parlamentares, neste caso, não atuaram “emprestando apoio político” a quem os financiou?
Somente o grupo JBS financiou, com mais de R$ 10 milhões, 38 dos deputados que votaram pela redução das APPs de beira de rio, como exemplifica o livro Partido da Terra, do jornalista Alceu Castilho (8). Mas não só a maior empresa de processamento de carne do mundo buscou apoio parlamentar no Congresso. Somente na lista das 10 maiores empresas do agronegócio em 2010, feita pela revista Exame (9), também a Bunge destinou R$ 1,1 milhão ao financiamento de deputados federais, assim como a CoperSucar, com 450 mil. Quando ocorreu a campanha eleitoral, em 2010, já estava em discussão no Congresso o novo Código Florestal.
Para evitar este e outros tipos de "mensalões", organizações da sociedade civil defendem a aprovação pelo Congresso Nacional de uma reforma política que proíba o financiamento privado de campanhas eleitorais. É o que pede, por exemplo, José Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) (10). Ele é um dos coordenadores da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político que mantém uma lista de abaixo-assinado na internet visando atingir 1,5 milhão de assinaturas para embasar um Projeto de Lei (PL) de iniciativa popular (11).
Enquanto isso, a votação do PL de reforma política proposto pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS), que inclui a proposta de financiamento público integral, segue sendo obstruída. O relatório de Fontana (12) é resultado do trabalho da Comissão Especial, criada em fevereiro de 2011, que ouviu juristas e representantes dos movimentos sociais. O texto, no entanto, não foi votado por obstrução. Entre outros fatores, pela extinção do financiamento privado de campanha.
“O abuso do poder econômico termina escolhendo candidatos muito mais pela capacidade de arrecadação do que pelas ideias que eles defendem, criando uma democracia de desiguais”, avalia o deputado Henrique Fontana (PT-RS), em entrevista ao jornal Brasil de Fato (13). “O que corrige essas questões é o financiamento público exclusivo, com teto de gastos e forte diminuição dos custos de campanha”.
NOTAS:
1. Meme que circulou pelas redes sociais durante o julgamento.
2. Capa da edição 2.290 da revista Veja, de 10 de outubro de 2012.
3. Termo usado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) para referir-se ao então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, acusando-o de comandar a suposta operação de compra de votos no Congresso.
4. Voto do ministro do STF Ayres Britto pela condenação dos réus José Dirceu e José Genoino
5. Capa da edição 2.291 da revista Veja, de 17 de outubro de 2012.
6. Capa da edição 2.285 da revista Veja, de 5 de setembro de 2012.
7. “Dantas tenta impedir transferência para SP investigação sobre relação com Valério”, reportagem do repórter Flávio Ferreira no jornal Folha de S. Paulo, edição de 2/11/2012.
8. Partido da Terra, Editora Contexto, 2012,
9. “As 10 maiores empresas do agronegócio no Brasil", revista Exame, set/2010.
10. “Reforma política para acabarmos com escândalos como Mensalão”, entrevista de José Antonio Moroni ao site do Inesc.
(11) http://www.reformapolitica.org.br/
(12) A íntegra do relatório pode ser acessada em http://tinyurl.com/chrrhbe
(13) Organizações querem impulsionar mudança no sistema político, reportagem da edição nº 504 do jornal Brasil de Fato, de 25 a 31 de outubro - disponível em http://www.brasildefato.com.br/node/11128
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