quarta-feira, 24 de abril de 2013

Venezuela, Brasil e ditadura da mídia

Por Caio Teixeira, no blog Crítica da espécie:

O último artigo publicado neste blog no qual tratei da democracia na Venezuela provocou a intervenção de um qualificado leitor. Questionou-me ele em relação às notícias de que Chávez havia mantido uma guerra contra a mídia privada venezuelana citando como exemplo “o enfrentamento constante com os canais de televisão Venevisión, Globovisión e RCTV (que inclusive teve o pedido de renovação de concessão negado)”. Afinal, indaga ele, Chávez foi mocinho ou bandido? Ou foi apenas mais um político que viveu acreditando em suas verdades, como todos nós “normais”?

São dúvidas comuns que assaltam corações e mentes a partir das informações circulantes em nossa mídia, travestidas de jornalismo.

As indagações me levaram de imediato a escrever o que reproduzo a seguir.

Em primeiro lugar, convém observar que todas essas notícias foram divulgadas pela mídia privada brasileira e internacional, portanto defendendo seus interesses.

Sobre a mídia, é preciso registrar também que, de acordo com a Constituição brasileira e também a venezuelana, o espectro eletromagnético (sinais de rádio e TV) pertence ao Estado e pode ser explorado por empresas privadas ou públicas mediante concessões (de 15 anos no caso brasileiro) com consequentes obrigações legais e constitucionais, dentre elas, a proibição de conspirar contra o sistema democrático. As concessões podem ser, portanto, renovadas ou não. Porque então a gritaria quando uma delas não é renovada em razão de ter descumprido suas obrigações constitucionais?

A rede de televisão venezuelana em questão, conspirou ativamente, em 2002, junto com outros grandes empresários e um general, segundo consta comprado pela CIA, para destituir à força um presidente legalmente eleito de acordo com as regras democráticas. A primeira coisa que fez o presidente golpista no seu efêmero exercício foi revogar a Constituição. O presidente deposto entretanto, não era apenas legalmente eleito, mas ocupava o poder com legitimidade, tanto que o golpe não passou de dois dias pois o povo em verdadeira avalanche saiu às ruas para rejeitar a usurpação do Poder por um grupelho de milionários, um governo estrangeiro e uma rede de televisão.

Nos 12 anos da chamada Revolução Bolivariana, com Chávez à frente, o povo foi convocado a decidir diretamente em 17 oportunidades, incluindo três eleições presidenciais, eleição de uma constituinte, eleição de novo legislativo após a constituinte, eleições para governadores, prefeitos e até um referendo revogatório do mandato do presidente vencido por Chávez. Lá se faz plebiscito para decisões importantes e as eleições não são coincidentes de modo que pelo menos uma vez por ano o povo tem chance de mudar. O voto é facultativo, mas o comparecimento às urnas não baixa de 80%, mais do que no Brasil onde é obrigatório. Lá se fez plebiscito para aprovar a Constituição que reestatizou o petróleo, por exemplo.

No Brasil fizemos dois plebiscitos ridículos, um para decidir se voltaríamos à monarquia e outro para “desarmar” pessoas com armas registradas, nome e endereço, como se bandidos precisassem de autorização para comprá-las.

Aqui se entregou a maior reserva de ferro do mundo a empresários privados estrangeiros (ainda que com testa de ferro brasileiro) sem sequer consulta ao Congresso. Leia-se a Privataria Tucana onde constam todos os dados e documentos da entrega do patrimônio público por PSDB e PFL(DEM) com apoio do PMDB e outros de sempre que continuam livres e atuantes. No momento presenciamos uma campanha dos meios de comunicação para privatizar a Petrobrás e todo o petróleo recém descoberto do pré-sal. Que respeito merecem estes meios de comunicação? A serviço de quem operam? Certamente não do povo nem dos interesses nacionais.

De que adianta festejarmos uma Constituição com dispositivos avançados se na primeira tentativa de colocá-los em prática a mídia grita e os revoga tacitamente? Se alguém falar em não renovação de concessões de rádio e TV o que é legal e constitucional, o mundo vem abaixo como se tal ato fosse proibido e antidemocrático.

Afinal, o que está escrito na Constituição é para ser cumprido ou só para mostrar para os outros? No Brasil, onde a propriedade de emissoras de rádio e TV só é permitida a pessoas físicas em empresas limitadas, a esmagadora maioria desses meios de comunicação é propriedade de 7 famílias milionárias que através deles defende seus interesses de famílias milionárias. Será democrático que 7 famílias tenham poder ilimitado de exercer seu direito a liberdade de expressão e todos os demais cidadãos comuns não consigam jamais concretizar esse direito para si?

Os meios de comunicação social não podem direta ou indiretamente ser objeto de monopólio ou oligopólio, diz o parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição brasileira, mas se algum dos poderes do Estado tentar aplicar esta regra, será imediatamente acusado de Ditadura pelos meios de comunicação.

É democrático que essas 7 famílias decidam o que se pode aplicar da Constituição e o que não se pode, atropelando até mesmo a competência do Judiciário e demais poderes constituídos? Condenar os corruptos do PT pode, mas anular a reforma da previdência comprovadamente aprovada por fraude não pode. Regulamentar greves de servidores para restringi-las pode, mas regulamentar a propriedade dos meios de comunicação, ou anular as privatizações fraudulentas e lesivas ao patrimônio público, nem pensar. É verdade que um juiz de primeira instância tem liberdade de decidir conforme sua consciência, mas os ministros do STF, do TST ou do STJ tem a mesma liberdade? É muito mais fácil controlar algumas dezenas de juízes de tribunais superiores do que a ampla maioria que ingressa na magistratura por concurso. O controle dos de cima, como estamos carecas de saber, se dá tanto pela forma de nomeação, quanto pela pressão midiática ou talvez uma combinação das duas.

Na Venezuela há liberdade de expressão, de imprensa e de empresa. O que não há hipocrisia como aqui onde se defende uma improvável imparcialidade da imprensa mas não se a pratica. As sete famílias são defensoras aos quatro ventos da “liberdade de imprensa” que significa a liberdade delas sete e somente elas dizerem o que pensam. Nem ao menos concorrência admitem pois quando se fala em investir em sistema público de comunicação, imediatamente vem os ataques dizendo que é desperdício de dinheiro público, etc. Dinheiro público que deve ser desperdiçado para engordar seus lucros. Só a Globo recebeu RS 5,86 bilhões em verbas públicas desde o ano 2000, a maior parte nos governos do PT, portanto.

Na Venezuela, as quatro grandes redes privadas de televisão, rádios e jornais que perfazem algo em torno de 85% da audiência nacional, são escancaradamente parciais, anti-governo e defendem abertamente os candidatos da direita, além de conclamarem o povo a se posicionar contra o governo. Em campanhas eleitorais a mídia privada faz campanha exclusiva para a direita e seus candidatos 24 horas por dia. O candidato do governo não aparece. Os comícios de Capriles são transmitidos ao vivo, os do candidato governista não são sequer citados. Tudo é permitido e aceito. Se isso não é liberdade de expressão e de imprensa, o que será?

Em contraponto a elas, uma rede estatal de televisão com 15% da audiência aferida pelas auditorias privadas, defende o governo. É justo? Numa primeira olhada, nós brasileiros estranhamos uma televisão estatal defendendo o governo, mas quando vemos que todas as outras privadas em número e audiência muito maior defendem a oposição, percebemos que é mais do que justo. Os campos ideológicos estão definidos claramente sem hipocrisia. Lá não se fala em falsa imparcialidade. Lá cada um defende o que pensa. É uma batalha de ideias explícita, identificada, assinada, com nome e endereço. E as armas da mídia privada são infinitamente maiores.

Chávez foi um presidente que defendeu suas ideias abertamente, foi eleito pela maioria e não traiu em nenhum momento nem as ideias, nem os eleitores. Por isso a Revolução Bolivariana tem apoio real, legítimo, explícito e consciente da maioria. Não da totalidade, mas daquela maioria que estamos acostumados a nunca ver no poder embora repitamos com a mão no peito que Democracia é o desejo da maioria. Claro que não é um governo perfeito. Muitas coisas precisam ser resolvidas, como a questão cambial e a necessidade de industrialização, mas a saúde, a moradia, a educação, vão infinitamente melhor que no país das sete famílias. O dinheiro que aqui se usa para alimentar os lucros dos ricos como os bilhões para a mídia, os juros altos e o saco sem fundo do BNDES a fazer novas fortunas todos os dias, lá é usado para atender as necessidades da população que não tem dinheiro. É claro que todos aqueles que antes tinham sua riqueza garantida pelos cofres públicos e agora não tem mais, gritam, esperneiam e chamam de ditadura com todas as suas forças e alto-falantes amplificados por seus pares nos demais países, loucos de medo que a coisa se espalhe. Por enquanto Chávez foi a figura política mais importante do século XXI. Alguém tem outro candidato ao título? Tomara que venham outros.

Gracias ao leitor pela provocação que me fez escrever mais.

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