Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Uma leitura transversal dos jornais desta quarta-feira (8/5) permite observar como a imprensa tradicional vem se tornando previsível e incapaz de se descolar do lugar-comum. Por outro lado, pode-se também perceber como o discurso jornalístico se constrói em torno de convenções muito restritas. Finalmente, o olhar sobre o conjunto de notícias e opiniões com que a mídia procura definir a agenda pública coloca em dúvida a validade de seu maior trunfo, a suposta objetividade.
A notícia sobre a eleição do brasileiro Roberto Azevêdo para o cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio desata o orgulho nacional, mas a euforia é contida nos trechos em que os jornais precisam explicar como se deu o processo de colocar um patrício no alto cargo da diplomacia mundial.
Para explicar como o governo brasileiro conseguiu reunir votos suficientes para vencer o candidato dos países ricos, é preciso reconhecer que o Brasil construiu, na última década, uma liderança sólida entre os países emergentes. Acontece que essa constatação contraria tudo o que a imprensa disse em todos esses anos sobre a estratégia nacional de relações exteriores. A opção por uma diplomacia voltada para a diversidade, rompendo o alinhamento automático com os Estados Unidos, foi inaugurada em 2003, e a imprensa brasileira adotou imediatamente uma posição antagônica a essa escolha, que era chamada de “terceiro-mundista”.
Apesar de o grande sonho brasileiro de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ainda não ter sido alcançado, conforme faz questão de registrar a Folha de S. Paulo, a escolha de Azevêdo para dirigir a OMC demonstra que a estratégia para tirar o Brasil da periferia do mundo está dando certo. Quem sabe esse fato venha a contribuir para desfazer por aqui o complexo de vira-latas.
Em praticamente todos os temas, como as discussões sobre reforma tributária ou o rescaldo da crise entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, o discurso jornalístico percorre o mesmo trajeto, que começa sempre na percepção genérica do fato, envereda por algumas possibilidades e retorna ao senso comum.
O fim das vanguardas
Em outra seção dos diários, a descoberta de que o autor de um assalto seguido de estupro num ônibus no Rio de Janeiro era menor de 18 anos reaquece as discussões sobre a questão da maioridade penal.
Numa das entrevistas publicadas, o pai de uma vítima de homicídio praticado por um jovem de 17 anos refaz em poucas linhas o percurso circular do debate que se repete na imprensa: ele defende a redução da maioridade, mas acha que responsabilizar adolescentes de 16 anos não bastaria para conter a violência, porque as quadrilhas acabariam usando meninos de quinze anos para assumir a culpa de crimes graves – e a diminuição da idade penal não teria efeito, porque mesmo os condenados adultos acabam cumprindo penas muito brandas proporcionalmente ao ato de violência.
As narrativas cumprem regularmente um círculo e voltam ao ponto de partida. São raros os casos em que a imprensa consegue surpreender o leitor com um olhar mais instigante sobre qualquer assunto.
Mesmo quando trata de manifestações artísticas, a impressão que passa para o público é de que não há novidades no mundo e que tudo se transformou em mercadoria barata, em commodity. Não há mais vanguarda em nenhum campo da cultura, ou a imprensa se tornou incapaz de reconhecer as rupturas?
O mais provável é que a mídia tradicional esteja presa a uma visão de mundo convencional e conservadora, pelo fato de que, se reconhecer um novo estado do mundo, teria que colocar em xeque seu próprio papel social. Diante desse novo estado do mundo, no qual se questiona a hegemonia dos países desenvolvidos, ou quando a conveniência do crescimento econômico impõe uma reorganização das forças produtivas nacionais, ou quando a impunidade exige uma revisão na legislação penal que privilegia quem pode pagar advogados, qual seria o papel remanescente da mídia?
Objetivamente, a imprensa deveria reconhecer a necessidade de mudanças profundas na organização da sociedade. Sabe-se que a imprensa fundamenta seu valor na suposição da capacidade de produzir alguma objetividade na compreensão do mundo. No entanto, a prática indica que essa objetividade é apenas um fetiche, porque há temas nos quais a mídia não pode se aprofundar, sob pena de produzir interpretações contrárias ao seu próprio interesse como instituição.
Incapaz de se desprender do senso comum, o sistema tradicional de mediação se descola da realidade mais ampla. O espetáculo do mundo, com seus encantamentos e horrores, faz mais sentido nas telas minúsculas de um telefone celular do que nas páginas de um jornal.
Uma leitura transversal dos jornais desta quarta-feira (8/5) permite observar como a imprensa tradicional vem se tornando previsível e incapaz de se descolar do lugar-comum. Por outro lado, pode-se também perceber como o discurso jornalístico se constrói em torno de convenções muito restritas. Finalmente, o olhar sobre o conjunto de notícias e opiniões com que a mídia procura definir a agenda pública coloca em dúvida a validade de seu maior trunfo, a suposta objetividade.
A notícia sobre a eleição do brasileiro Roberto Azevêdo para o cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio desata o orgulho nacional, mas a euforia é contida nos trechos em que os jornais precisam explicar como se deu o processo de colocar um patrício no alto cargo da diplomacia mundial.
Para explicar como o governo brasileiro conseguiu reunir votos suficientes para vencer o candidato dos países ricos, é preciso reconhecer que o Brasil construiu, na última década, uma liderança sólida entre os países emergentes. Acontece que essa constatação contraria tudo o que a imprensa disse em todos esses anos sobre a estratégia nacional de relações exteriores. A opção por uma diplomacia voltada para a diversidade, rompendo o alinhamento automático com os Estados Unidos, foi inaugurada em 2003, e a imprensa brasileira adotou imediatamente uma posição antagônica a essa escolha, que era chamada de “terceiro-mundista”.
Apesar de o grande sonho brasileiro de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ainda não ter sido alcançado, conforme faz questão de registrar a Folha de S. Paulo, a escolha de Azevêdo para dirigir a OMC demonstra que a estratégia para tirar o Brasil da periferia do mundo está dando certo. Quem sabe esse fato venha a contribuir para desfazer por aqui o complexo de vira-latas.
Em praticamente todos os temas, como as discussões sobre reforma tributária ou o rescaldo da crise entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, o discurso jornalístico percorre o mesmo trajeto, que começa sempre na percepção genérica do fato, envereda por algumas possibilidades e retorna ao senso comum.
O fim das vanguardas
Em outra seção dos diários, a descoberta de que o autor de um assalto seguido de estupro num ônibus no Rio de Janeiro era menor de 18 anos reaquece as discussões sobre a questão da maioridade penal.
Numa das entrevistas publicadas, o pai de uma vítima de homicídio praticado por um jovem de 17 anos refaz em poucas linhas o percurso circular do debate que se repete na imprensa: ele defende a redução da maioridade, mas acha que responsabilizar adolescentes de 16 anos não bastaria para conter a violência, porque as quadrilhas acabariam usando meninos de quinze anos para assumir a culpa de crimes graves – e a diminuição da idade penal não teria efeito, porque mesmo os condenados adultos acabam cumprindo penas muito brandas proporcionalmente ao ato de violência.
As narrativas cumprem regularmente um círculo e voltam ao ponto de partida. São raros os casos em que a imprensa consegue surpreender o leitor com um olhar mais instigante sobre qualquer assunto.
Mesmo quando trata de manifestações artísticas, a impressão que passa para o público é de que não há novidades no mundo e que tudo se transformou em mercadoria barata, em commodity. Não há mais vanguarda em nenhum campo da cultura, ou a imprensa se tornou incapaz de reconhecer as rupturas?
O mais provável é que a mídia tradicional esteja presa a uma visão de mundo convencional e conservadora, pelo fato de que, se reconhecer um novo estado do mundo, teria que colocar em xeque seu próprio papel social. Diante desse novo estado do mundo, no qual se questiona a hegemonia dos países desenvolvidos, ou quando a conveniência do crescimento econômico impõe uma reorganização das forças produtivas nacionais, ou quando a impunidade exige uma revisão na legislação penal que privilegia quem pode pagar advogados, qual seria o papel remanescente da mídia?
Objetivamente, a imprensa deveria reconhecer a necessidade de mudanças profundas na organização da sociedade. Sabe-se que a imprensa fundamenta seu valor na suposição da capacidade de produzir alguma objetividade na compreensão do mundo. No entanto, a prática indica que essa objetividade é apenas um fetiche, porque há temas nos quais a mídia não pode se aprofundar, sob pena de produzir interpretações contrárias ao seu próprio interesse como instituição.
Incapaz de se desprender do senso comum, o sistema tradicional de mediação se descola da realidade mais ampla. O espetáculo do mundo, com seus encantamentos e horrores, faz mais sentido nas telas minúsculas de um telefone celular do que nas páginas de um jornal.
a entrada da nova direita(PSD,PSB,PSC,PV,PL,PR)no governo Dilma, paralisou a agenda progressista e deu fôlego aos arroubos golpistas da velha e carcomida imprensa-empresa nacional conservadora. Eis aí a raiz dessa inércia do governo Dilma em combater essa mídia antidemocrática: agradar seus aliados,a nova direita.
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