Por Paulo Teixeira, na revista Teoria e Debate:
A informação está disponível na ponta dos dedos, em tempo real, nas telas de smartphones e tablets que carregamos no bolso ou na mochila. Em breve, estará também diante dos nossos olhos, projetada em telas virtuais por óculos conectados à internet, enquanto caminhamos pela rua.
Equipados com câmeras de fotografia e vídeo, smartphones, tablets e óculos eletrônicos servem não apenas ao consumo passivo, mas também à produção de conteúdo, que podemos disponibilizar em seguida para outros consumidores/produtores de informação mundo afora, por meio das redes sociais.
O futuro chegou, e com ele a convergência de mídias, a interatividade, a produção colaborativa de informação, a disputa entre empresas de radiodifusão e de telefonia, as fronteiras cada vez mais tênues entre consumidor/produtor de conteúdo.
O futuro muda quase em tempo real, mas a legislação brasileira permanece imóvel, acorrentada aos anos 1960, quando a internet era coisa de ficção científica e televisores cheios de válvulas exibiam imagens distorcidas em preto e branco. A multiplicidade de pontos de vista, ideias e pensamentos aberta pela internet ainda não chegou aos veículos de comunicação de massa, mesmo sendo eles concessionários de um serviço público da maior relevância para o aperfeiçoamento da democracia.
Esse é, por si só, um bom motivo para discutir um marco regulatório para os meios de comunicação. Mas há também outro forte motivo, cravado no capítulo V da Constituição Federal. Um quarto de século depois, o capítulo que trata da Comunicação Social continua à espera de regulamentação, contrariando a vontade dos constituintes eleitos pelo povo.
A Constituição de 1988 selou o reencontro do Brasil com a democracia. A partir de então, temos avançado nos mais diferentes setores da vida nacional. O Congresso debateu e aprovou leis relativas a saúde, educação, meio ambiente, habitação, segurança pública. No momento estão em discussão os novos Código Penal e Código de Processo Civil, para adequá-los ao país que está longe de ser o mesmo Brasil do século passado.
No entanto, o debate sobre regulamentação e democratização dos meios de comunicação ainda é tabu; permanece interditado pelos grandes grupos de mídia, sob o argumento de que poria em risco a liberdade de expressão. Tal argumento não se sustenta. Antes de tudo, porque liberdade de expressão pressupõe livre debate de ideias e posicionamentos, mas também porque a própria Constituição assegura com todas as letras, em seu artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Para que não ficassem dúvidas, o parágrafo 1º do mesmo artigo garante: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. O parágrafo seguinte é ainda mais explícito: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Afastado o fantasma da censura, e tendo como ponto de partida a inviolabilidade das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação, há que debater se os veículos de comunicação de massa refletem a pluralidade do Brasil – ou se, ao contrário, tentam impor o pensamento único e um modelo cultural hegemônico incompatíveis com a dimensão e a diversidade do país.
A Constituição é clara: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. No entanto, o que vemos hoje é um pequeno grupo de empresas tentando pautar a sociedade brasileira para a defesa de seus interesses privados – políticos e econômicos – por meio da propriedade cruzada de veículos de comunicação. Em vez da multiplicidade de vozes, um dos fundamentos da democracia, temos uma voz única multiplicada por redes de televisão, emissoras de rádio, jornais, revistas, portais de internet.
A propriedade cruzada, proibida por legislações mais avançadas como a dos Estados Unidos, é inimiga da liberdade de expressão, porque a torna monopólio de poucos. É preciso revê-la, assim como é preciso rever o modelo de concessão de canais de rádio e televisão, para que outras vozes e outros pensamentos se expressem livremente.
Entre outros pontos ainda à espera de legislação complementar, a Constituição determina que as programações de rádio e televisão atendam a princípios como preferência por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e o estímulo à produção independente; regionalização da produção cultural, artística e jornalística.
Mas, na ausência de lei complementar, tais princípios não são sequer discutidos com a devida profundidade, o que contribui para a exibição de alguns programas de baixo nível, ofensivos às minorias e alheios às diversas realidades regionais e culturais de um país enorme e plural feito o Brasil.
Em 2011, tive a honra de propor a obrigatoriedade de exibição, pelos canais pagos de televisão, de uma cota mínima de conteúdo brasileiro. A proposta, acatada e aperfeiçoada pelo relator do marco regulatório das tevês por assinatura, deputado Jorge Bittar (PT-RJ), resultou no crescimento expressivo do volume de produções nacionais, sobretudo independentes, vindas das mais diversas regiões do país. Além de dar ao povo brasileiro a oportunidade de se ver cada vez mais refletido na tela da sua tevê, a nova legislação ampliou o mercado de trabalho para atores e atrizes, diretores, produtores, técnicos e roteiristas.
No vácuo da regulamentação do capítulo V, porém, ficam os telespectadores da tevê aberta submetidos a programações sem compromisso com a qualidade artística e com a produção multicultural do Brasil – e, nos intervalos destas, a propagandas que estimulam, por exemplo, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas e de alimentos prejudiciais à saúde, o que contraria frontalmente a Constituição. Como agravante, ficam as crianças expostas ao bombardeio da publicidade infantil, que pode levar tanto ao consumismo precoce quanto à frustração de não ter acesso a todos os produtos exibidos diariamente na tevê.
São muitas questões a ser discutidas. É igualmente necessário um debate amplo e transparente sobre a publicidade oficial. Ao concentrar o maior volume de verbas públicas num pequeno número de grandes veículos, o modelo atual nada mais faz do que avalizar uma grave distorção, perpetuando a hegemonia de poucos sobre a livre expressão da maioria da sociedade brasileira.
Por fim, é preciso que o Estado fortaleça a Telebras e acelere a implantação da rede de banda larga em todo o país. Para que o maravilhoso mundo do futuro da informação, descrito no início deste texto, chegue com a maior velocidade possível a todos os brasileiros e brasileiras.
* Paulo Teixeira é deputado federal (PT-SP).
A informação está disponível na ponta dos dedos, em tempo real, nas telas de smartphones e tablets que carregamos no bolso ou na mochila. Em breve, estará também diante dos nossos olhos, projetada em telas virtuais por óculos conectados à internet, enquanto caminhamos pela rua.
Equipados com câmeras de fotografia e vídeo, smartphones, tablets e óculos eletrônicos servem não apenas ao consumo passivo, mas também à produção de conteúdo, que podemos disponibilizar em seguida para outros consumidores/produtores de informação mundo afora, por meio das redes sociais.
O futuro chegou, e com ele a convergência de mídias, a interatividade, a produção colaborativa de informação, a disputa entre empresas de radiodifusão e de telefonia, as fronteiras cada vez mais tênues entre consumidor/produtor de conteúdo.
O futuro muda quase em tempo real, mas a legislação brasileira permanece imóvel, acorrentada aos anos 1960, quando a internet era coisa de ficção científica e televisores cheios de válvulas exibiam imagens distorcidas em preto e branco. A multiplicidade de pontos de vista, ideias e pensamentos aberta pela internet ainda não chegou aos veículos de comunicação de massa, mesmo sendo eles concessionários de um serviço público da maior relevância para o aperfeiçoamento da democracia.
Esse é, por si só, um bom motivo para discutir um marco regulatório para os meios de comunicação. Mas há também outro forte motivo, cravado no capítulo V da Constituição Federal. Um quarto de século depois, o capítulo que trata da Comunicação Social continua à espera de regulamentação, contrariando a vontade dos constituintes eleitos pelo povo.
A Constituição de 1988 selou o reencontro do Brasil com a democracia. A partir de então, temos avançado nos mais diferentes setores da vida nacional. O Congresso debateu e aprovou leis relativas a saúde, educação, meio ambiente, habitação, segurança pública. No momento estão em discussão os novos Código Penal e Código de Processo Civil, para adequá-los ao país que está longe de ser o mesmo Brasil do século passado.
No entanto, o debate sobre regulamentação e democratização dos meios de comunicação ainda é tabu; permanece interditado pelos grandes grupos de mídia, sob o argumento de que poria em risco a liberdade de expressão. Tal argumento não se sustenta. Antes de tudo, porque liberdade de expressão pressupõe livre debate de ideias e posicionamentos, mas também porque a própria Constituição assegura com todas as letras, em seu artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Para que não ficassem dúvidas, o parágrafo 1º do mesmo artigo garante: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. O parágrafo seguinte é ainda mais explícito: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Afastado o fantasma da censura, e tendo como ponto de partida a inviolabilidade das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação, há que debater se os veículos de comunicação de massa refletem a pluralidade do Brasil – ou se, ao contrário, tentam impor o pensamento único e um modelo cultural hegemônico incompatíveis com a dimensão e a diversidade do país.
A Constituição é clara: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. No entanto, o que vemos hoje é um pequeno grupo de empresas tentando pautar a sociedade brasileira para a defesa de seus interesses privados – políticos e econômicos – por meio da propriedade cruzada de veículos de comunicação. Em vez da multiplicidade de vozes, um dos fundamentos da democracia, temos uma voz única multiplicada por redes de televisão, emissoras de rádio, jornais, revistas, portais de internet.
A propriedade cruzada, proibida por legislações mais avançadas como a dos Estados Unidos, é inimiga da liberdade de expressão, porque a torna monopólio de poucos. É preciso revê-la, assim como é preciso rever o modelo de concessão de canais de rádio e televisão, para que outras vozes e outros pensamentos se expressem livremente.
Entre outros pontos ainda à espera de legislação complementar, a Constituição determina que as programações de rádio e televisão atendam a princípios como preferência por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e o estímulo à produção independente; regionalização da produção cultural, artística e jornalística.
Mas, na ausência de lei complementar, tais princípios não são sequer discutidos com a devida profundidade, o que contribui para a exibição de alguns programas de baixo nível, ofensivos às minorias e alheios às diversas realidades regionais e culturais de um país enorme e plural feito o Brasil.
Em 2011, tive a honra de propor a obrigatoriedade de exibição, pelos canais pagos de televisão, de uma cota mínima de conteúdo brasileiro. A proposta, acatada e aperfeiçoada pelo relator do marco regulatório das tevês por assinatura, deputado Jorge Bittar (PT-RJ), resultou no crescimento expressivo do volume de produções nacionais, sobretudo independentes, vindas das mais diversas regiões do país. Além de dar ao povo brasileiro a oportunidade de se ver cada vez mais refletido na tela da sua tevê, a nova legislação ampliou o mercado de trabalho para atores e atrizes, diretores, produtores, técnicos e roteiristas.
No vácuo da regulamentação do capítulo V, porém, ficam os telespectadores da tevê aberta submetidos a programações sem compromisso com a qualidade artística e com a produção multicultural do Brasil – e, nos intervalos destas, a propagandas que estimulam, por exemplo, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas e de alimentos prejudiciais à saúde, o que contraria frontalmente a Constituição. Como agravante, ficam as crianças expostas ao bombardeio da publicidade infantil, que pode levar tanto ao consumismo precoce quanto à frustração de não ter acesso a todos os produtos exibidos diariamente na tevê.
São muitas questões a ser discutidas. É igualmente necessário um debate amplo e transparente sobre a publicidade oficial. Ao concentrar o maior volume de verbas públicas num pequeno número de grandes veículos, o modelo atual nada mais faz do que avalizar uma grave distorção, perpetuando a hegemonia de poucos sobre a livre expressão da maioria da sociedade brasileira.
Por fim, é preciso que o Estado fortaleça a Telebras e acelere a implantação da rede de banda larga em todo o país. Para que o maravilhoso mundo do futuro da informação, descrito no início deste texto, chegue com a maior velocidade possível a todos os brasileiros e brasileiras.
* Paulo Teixeira é deputado federal (PT-SP).
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