Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
Na última quarta-feira, o IBGE divulgou os resultados da sua Pesquisa Mensal do Emprego (PME) e, apesar de trazer boas novidades, foi apresentada pela mídia, a partir dali, como sendo ruim por o desemprego de junho deste ano ter sido 0,2 ponto percentual maior do que no mesmo mês do ano passado.
Neste momento político em que os bons níveis de emprego e renda constituem o que impede Dilma Rousseff de perder ainda mais popularidade, essa distorção dos fatos não pode passar batida e, nesse aspecto, o governo viu a distorção sendo feita e, como de costume, não contestou.
No sentido de fazer a sua parte no contraponto à desinformação, o Blog foi ouvir um dos economistas mais importantes do Brasil, o ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) doutor Marcio Pochmann.
Antes da entrevista, porém, alguns dados sobre o entrevistado.
Formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1984. Entre 1985 e 1988 concluiu a sua pós-graduação em Ciências Políticas e foi supervisor do Escritório Regional do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Distrito Federal, além de docente na Universidade Católica de Brasília.
Em 1989, mudou-se para o Estado de São Paulo, onde iniciou seu doutorado – concluído em 1993 – em Ciência Econômica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tornando-se pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do qual seria diretor-executivo anos mais tarde, assim como membro do corpo docente da Unicamp.
Foi, ainda, pesquisador visitante em universidades da França, da Itália e da Inglaterra. Fez pós-doutorado nos temas de relações de trabalho e políticas para juventude e atuou como consultor no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), bem como na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e no Dieese, entre outras instituições nacionais.
No plano internacional, foi consultor em diferentes organismos multilaterais das Nações Unidas, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
De 2001 a 2004, em São Paulo, Pochmann dirigiu a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do governo da prefeita Marta Suplicy. A partir de 2007, passou a exercer a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília, cujo comando deixou no ano passado para disputar a eleição para prefeito de Campinas, na qual foi derrotado.
Na entrevista a seguir, Pochmann fala sobre economia e política e deixa ver expressiva confiança no país.
*****
Doutor Marcio Pochmann, na quarta-feira foram divulgados os dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), do IBGE, referentes a junho último e, em relação a junho de 2012, o desemprego subiu de 5,8% para 6%, correto?
O IBGE realiza essa pesquisa em seis regiões metropolitanas, que representam um terço do Brasil, sobre o mercado de Trabalho. Mas, ainda assim, resume-se a regiões metropolitanas.
A informação relativa ao desemprego, em termos nacionais, é oferecida pelo IBGE apenas uma vez ao ano, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que é realizada no mês de setembro e divulgada sempre com um ano de defasagem.
Essa informação da PME de junho revela uma oscilação no mercado de trabalho que é sazonal, tendo em vista que no primeiro semestre de cada ano o desemprego é, em geral, superior ao do segundo semestre, quando a atividade econômica é mais acelerada.
Quem estuda o mercado de trabalho sabe, portanto, que esse resultado a que você se refere é sazonal e não apresenta nenhuma novidade.
No contexto em que o nível de crescimento do PIB ou a inflação vêm sendo tratados pelo noticiário econômico como sinais de que a economia está afundando, a impressão que se tem é a de que, agora, o desemprego pode se juntar a esses outros “cavalos-de-batalha”.
Ontem (25.7), editorial da Folha de São Paulo intitulado “Mudança de sinal” diz que essa “alta” constitui “Mais um sinal de esgotamento da política econômica do governo Dilma”. O senhor acha que é cabível uma conclusão como essa por conta de uma alta de 0,2% no desemprego de junho deste ano em relação a junho do ano passado?
A prática de terrorismo midiático não é uma novidade no Brasil. Se nós voltássemos no tempo e tivéssemos a oportunidade de analisar as manchetes de jornal de 1953, 1954 ou de 1963, 1964, possivelmente encontraríamos similitudes em relação às notícias econômicas de hoje.
Não há, a meu modo de ver, nada que possa apontar para um sinal – seja da inflação, seja do desemprego – comparável à crítica situação que vive os Estados Unidos, que vive a Europa, os quais têm, inclusive, adotado políticas econômicas que o Brasil adotou nos anos 1990 com resultados extremamente desfavoráveis ao conjunto da população.
Essa prática de terrorismo vem sendo usada, recorrentemente, desde a virada do ano passado para este ano. O “descontrole inflacionário” no Brasil foi apresentado como uma verdade absoluta.
De fato tivemos uma oscilação que acelerou a inflação por causa da safra agrícola e, como se vê, esse fenômeno vai sendo dissipado. Neste momento, há queda da taxa de inflação e, possivelmente, o Brasil vai fechar este ano – como aconteceu nos últimos dez anos – com ela dentro da meta estabelecida pelo Banco Central.
Se tomássemos como referência o que ocorreu nos anos de 2000, 2001, 2002, perceberíamos que, naqueles três anos, em nenhum deles a inflação ficou dentro da meta do Banco Central e não houve, no meu modo de ver, nenhuma manifestação midiática comparável ao que estamos vendo hoje.
Então há, de certa maneira, um terrorismo. Como hoje a inflação não se apresenta em uma trajetória de aceleração e, sim, de queda, então a nova temática passa a ser o desemprego.
O Brasil não vai crescer tanto quanto deveria, mas vai crescer mais do que no ano passado e, portanto, é muito difícil entender que nós tenhamos neste ano de 2013 um desempenho pior do que em 2012, pois se a economia vai crescer mais, ampliam-se os postos de trabalho.
E o nível de emprego crescerá em cima de um patamar alto. A economia brasileira gira hoje em torno de cinco trilhões de reais. Não é isso, doutor Marcio?
É isso mesmo. A economia brasileira encontra-se hoje entre as sete maiores economias do mundo. E o ritmo de expansão que o Brasil está conseguindo ter está ocorrendo em meio a um cenário internacional muito desfavorável.
Perceba que a China, que crescia 10, 11 por cento ao ano, está crescendo 6, 7 por cento ao ano. A Índia, a Rússia, os chamados “países-baleia”, também diminuíram o ritmo de crescimento.
Não é, portanto, um problema de ordem nacional, interna, mas uma decorrência da realidade internacional em que os países ricos estão acirrando a competição internacional e tornando difícil o manejo da atividade econômica.
Há algumas semanas houve a necessidade de se fazer um alinhamento na política monetária justamente porque o Banco Central dos Estados Unidos, sem consultar ninguém, decidiu encerrar a sua política monetária frouxa, o que indica uma subida de juros e, contiguamente, uma fuga de dólares de todas as partes do mundo rumo àquele país.
Dessa forma, o Brasil, como todos os países mais importantes do mundo, tiveram que fazer um realinhamento em suas políticas monetárias. Então, o contexto internacional termina impondo decisões de política econômica que não são aquelas mais favoráveis à expansão econômica.
Todavia, não há dúvida de que o Brasil tem um quadro muito diferente do que hoje nós estamos observando em países ricos que estão convivendo com aumento da pobreza, aumento do desemprego, aumento da desigualdade.
O Brasil está crescendo o que é possível crescer, mas com redução do desemprego, da pobreza e da desigualdade.
E aí, nesse momento, a gente lê um editorial no maior jornal do país em que a primeira frase é a seguinte: “São consistentes os sinais de deterioração da economia brasileira”. O editorial se intitula “Mudança de sinal” e foi publicado na Folha de São Paulo de 25 de julho de 2013.
Doutor Marcio: são consistentes os sinais de deterioração da econômica brasileira?
Interpretações sempre dependem de quem as define. Eu, particularmente, não vejo sinais nessa direção. Infelizmente vamos ter um ano de crescimento menor do que imaginávamos, mas nada que signifique mudança da trajetória dos últimos dez anos, que tem sido uma trajetória de crescimento e distribuição de renda.
Não vai haver nada de trágico – a menos que surja uma hecatombe, e estamos longe disso no mundo. Deveremos concluir este ano com o controle da inflação, com crescimento econômico melhor do que no ano passado e com indicadores sociais seguindo a trajetória comprovada dos últimos dez anos.
O senhor acredita que essa previsão de um segundo semestre melhor do que o primeiro possa sofrer influência de fatores políticos como a promoção de protestos violentos nas ruas, como os que vimos em junho, ou o senhor acha que a economia brasileira não corre o risco de ser afetada por essa questão?
Não percebo que a economia possa dar curso a um problema político de maior dimensão. Agora, o contrário, que a política – ou a radicalização das manifestações – pode ter um impacto na economia como um todo, evidentemente que isso é possível. Mas exigiria um grau de movimentação que não me parece observável.
O que nós tivemos em junho foi um fenômeno importante que revela um processo decorrente das próprias transformações que nós observamos nos últimos dez anos. As pessoas foram à rua não para defender a volta de um modelo econômico ultrapassado; as pessoas foram à rua para reafirmar mais direitos. Não estão satisfeitas com o que estão obtendo e querem avançar mais.
Portanto, vejo nessas manifestações um combustível para o Brasil fazer mudanças mais significativas. Não me parece que possamos chegar a uma conturbação econômica derivada das manifestações políticas.
Fala-se também, doutor Marcio, em problema cambial. A conta corrente externa brasileira estaria correndo risco de retornar ao desequilíbrio de outrora – leia-se durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Então, minha pergunta é se essa questão cambial pode gerar algum problema maior ou se também nessa questão há exagero.
Entendo que a política macroeconômica precisa, sim, de ajustes e eles estão sendo feitos nos últimos dois anos. Essa questão das contas externas, a questão dos importados, os gastos de brasileiros com turismo no exterior, tudo isso coloca uma situação que precisamos olhar com muito cuidado.
Mas é bom lembrar, também, que o Brasil tem – e não tinha no passado – um colchão de proteção que são as reservas externas, o melhor remédio para essa situação desconfortável das contas externas.
Com essa desvalorização que tem sido observada da nossa moeda, o Brasil pode ter melhores condições competitivas nas exportações. É claro que isso não é uma resposta imediata, mas espera-se, também, que a economia mundial reaja e, assim, melhore as condições do comércio internacional. Por fim, o país está fazendo um investimento em infraestrutura que em algum momento irá abrir um ciclo de expansão na economia de longa duração.
Evidentemente, haverá que fazer ajustes pontuais…
Que ajustes, doutor Marcio?
Entendo que, assim como a China foi capaz de construir uma rede produtiva com os países do seu entorno, precisaríamos avançar nesse sentido. A economia sul-americana tem no Brasil a sua principal fonte de dinamismo. Haveria que explorar melhor essa situação.
Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social precisaria funcionar como uma espécie de Eximbank brasileiro [Nota do Editor: estrutura dedicada exclusivamente a financiar exportações e a produção destinada ao mercado exterior] e o Fundo Soberano [Nota do Editor: fundo formado com recursos das reservas brasileiras para ser usado em investimentos] deveria ser usado de uma forma mais agressiva, permitindo ao Brasil ter maior presença em compra de empresas estrangeiras que estão com o valor de suas ações muito baixo, assim como têm feito a China, a Índia, a Suécia. Há oportunidades lá fora que o Brasil poderia aproveitar melhor tendo tantas reservas.
Mudando um pouco de assunto. Por que o senhor acha que a grande imprensa brasileira está tão pessimista e difunde tanto esse seu pessimismo. Ela está equivocada ou sabe que exagera, mas tem algum outro objetivo?
Entendo que há um aspecto estrutural em relação ao comportamento da mídia em geral. Isso porque nos últimos dez anos nós tivemos uma ascensão econômica com o surgimento de novos consumidores, mas isso praticamente em nada impactou em consumo de mídia.
Os jornais, ou perderam ou não aumentaram o número de assinantes. Nós não tivemos, portanto, um aumento significativo desses meios de comunicação em relação à sua penetração. Isso gerou uma decisão desses meios de comunicação de fazer uma espécie de “jornalismo militante”.
Lembra-me o tipo de jornalismo que se fazia na antiga esquerda, da União Soviética. Você tinha o Pravda, onde sempre tinha que haver alguma matéria contra o capitalismo porque estava-se escrevendo para militantes. E a impressão que eu tenho é que a imprensa optou por assegurar ou fidelizar os seus militantes leitores e escreve aquilo que eles querem ler.
Só não sei até que ponto essa opção é exitosa, pois, se de fato a população tivesse sua opinião formada pela mídia tradicional, não teria havido vitória do presidente Lula e da presidenta Dilma.
O que a imprensa brasileira diz do Brasil, aliás, é muito diferente do que diz a imprensa estrangeira. Então, esse paradoxo está associado a interesses econômicos de nossa imprensa que estão sendo afetados pelo conjunto da política econômica do governo.
Os principais financiadores privados da mídia privada são os bancos, o sistema financeiro, enfim, o rentismo. E certamente o rentismo não está nada feliz com o Brasil de hoje, em que se praticam taxas de juro, em termos reais, muito rebaixadas.
O setor financeiro deixou de auferir, ano passado, alguma coisa em torno de 100 milhões de reais somente com a queda da taxa de juros. Então, obviamente que a imprensa reage a políticas que prejudicam aqueles que a financiam…
Mas doutor Marcio, estamos falando em perda de poder da mídia enquanto o alvo dessa campanha dela de convencimento da população contra a política econômica e quem a impõe, que é a presidente Dilma, perdeu popularidade em uma proporção cataclísmica.
Não lhe parece que estamos em um momento novo? Até há poucos meses, a mídia martelava, martelava o governo e sua política econômica e chegava a pesquisa seguinte e o Lula estava cada vez mais forte, a Dilma estava cada vez mais forte. De repente, tudo isso mudou.
A pesquisa CNI-Ibope, recém divulgada, mostra nova queda da popularidade da presidente Dilma. Em entrevista que fiz na semana passada com o diretor do instituto Vox Populi, doutor Marcos Coimbra, ele disse que vê uma certa ressonância que começa a surgir dos ataques da mídia ao governo entre a sociedade.
Não estou querendo menosprezar o resultado das pesquisas, mas, no meu modo de ver, a perda de popularidade não é exclusiva do governo federal. Houve queda generalizada. Há um descrédito à política brasileira. Há efeitos no Poder Executivo, no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e nas esferas federal, estadual e municipal…
Um momentinho, doutor Marcio. Uma informação para ajudar a sua análise. A presidente Dilma foi quem mais caiu. E houve até ganhos entre seus adversários. Políticos como Marina Silva ganharam muito na disputa da Presidência, no último período. Aécio Neves, como candidato, não perdeu nada. Dilma perdeu muito como candidata.
O problema é que Dilma exerce o governo. Então, é verdade que o governo perdeu apoio, mas também é verdade que outros níveis de governo também perderam apoio. Então isso também abre oportunidade para o PT, que não é governo em muitos Estados, disputar eleição neles em melhores condições.
Em São Paulo, por exemplo, Alckmin perdeu muito apoio. Então há um descrédito generalizado. E também é bom lembrar que as eleições em 2002, 2006 e 2010 foram sempre muito difíceis para o PT, que sempre venceu só no segundo turno. Não houve nenhuma eleição fácil para Lula ou para Dilma.
O senhor está otimista. É bom ver otimismo, mas só lembrando que Alckmin perdeu 16 pontos – ele que mandou a Polícia cometer aquela violência toda contra manifestantes – e Dilma perdeu quase 30 pontos.
Mas é bom ver otimismo em alguém com o seu nível de conhecimento da economia do país – e eu sempre digo que foi uma tragédia o senhor não ter vencido a eleição em Campinas, ano passado, porque seria um luxo para a cidade tê-lo como prefeito.
Quero agradecer muito, portanto, doutor Marcio, a atenção que o senhor me deu e, contando com a sua anuência, pretendo procurá-lo outras vezes para obter novas excelentes análises como essa que o senhor deu aos leitores do Blog da Cidadania.
Eu é que agradeço a oportunidade. E o parabenizo pelo seu trabalho, um trabalho corajoso, um trabalho de buscar a verdade, que é o que nos liberta.
Na última quarta-feira, o IBGE divulgou os resultados da sua Pesquisa Mensal do Emprego (PME) e, apesar de trazer boas novidades, foi apresentada pela mídia, a partir dali, como sendo ruim por o desemprego de junho deste ano ter sido 0,2 ponto percentual maior do que no mesmo mês do ano passado.
Neste momento político em que os bons níveis de emprego e renda constituem o que impede Dilma Rousseff de perder ainda mais popularidade, essa distorção dos fatos não pode passar batida e, nesse aspecto, o governo viu a distorção sendo feita e, como de costume, não contestou.
No sentido de fazer a sua parte no contraponto à desinformação, o Blog foi ouvir um dos economistas mais importantes do Brasil, o ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) doutor Marcio Pochmann.
Antes da entrevista, porém, alguns dados sobre o entrevistado.
Formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1984. Entre 1985 e 1988 concluiu a sua pós-graduação em Ciências Políticas e foi supervisor do Escritório Regional do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Distrito Federal, além de docente na Universidade Católica de Brasília.
Em 1989, mudou-se para o Estado de São Paulo, onde iniciou seu doutorado – concluído em 1993 – em Ciência Econômica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tornando-se pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do qual seria diretor-executivo anos mais tarde, assim como membro do corpo docente da Unicamp.
Foi, ainda, pesquisador visitante em universidades da França, da Itália e da Inglaterra. Fez pós-doutorado nos temas de relações de trabalho e políticas para juventude e atuou como consultor no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), bem como na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e no Dieese, entre outras instituições nacionais.
No plano internacional, foi consultor em diferentes organismos multilaterais das Nações Unidas, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
De 2001 a 2004, em São Paulo, Pochmann dirigiu a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do governo da prefeita Marta Suplicy. A partir de 2007, passou a exercer a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília, cujo comando deixou no ano passado para disputar a eleição para prefeito de Campinas, na qual foi derrotado.
Na entrevista a seguir, Pochmann fala sobre economia e política e deixa ver expressiva confiança no país.
*****
Doutor Marcio Pochmann, na quarta-feira foram divulgados os dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), do IBGE, referentes a junho último e, em relação a junho de 2012, o desemprego subiu de 5,8% para 6%, correto?
O IBGE realiza essa pesquisa em seis regiões metropolitanas, que representam um terço do Brasil, sobre o mercado de Trabalho. Mas, ainda assim, resume-se a regiões metropolitanas.
A informação relativa ao desemprego, em termos nacionais, é oferecida pelo IBGE apenas uma vez ao ano, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que é realizada no mês de setembro e divulgada sempre com um ano de defasagem.
Essa informação da PME de junho revela uma oscilação no mercado de trabalho que é sazonal, tendo em vista que no primeiro semestre de cada ano o desemprego é, em geral, superior ao do segundo semestre, quando a atividade econômica é mais acelerada.
Quem estuda o mercado de trabalho sabe, portanto, que esse resultado a que você se refere é sazonal e não apresenta nenhuma novidade.
No contexto em que o nível de crescimento do PIB ou a inflação vêm sendo tratados pelo noticiário econômico como sinais de que a economia está afundando, a impressão que se tem é a de que, agora, o desemprego pode se juntar a esses outros “cavalos-de-batalha”.
Ontem (25.7), editorial da Folha de São Paulo intitulado “Mudança de sinal” diz que essa “alta” constitui “Mais um sinal de esgotamento da política econômica do governo Dilma”. O senhor acha que é cabível uma conclusão como essa por conta de uma alta de 0,2% no desemprego de junho deste ano em relação a junho do ano passado?
A prática de terrorismo midiático não é uma novidade no Brasil. Se nós voltássemos no tempo e tivéssemos a oportunidade de analisar as manchetes de jornal de 1953, 1954 ou de 1963, 1964, possivelmente encontraríamos similitudes em relação às notícias econômicas de hoje.
Não há, a meu modo de ver, nada que possa apontar para um sinal – seja da inflação, seja do desemprego – comparável à crítica situação que vive os Estados Unidos, que vive a Europa, os quais têm, inclusive, adotado políticas econômicas que o Brasil adotou nos anos 1990 com resultados extremamente desfavoráveis ao conjunto da população.
Essa prática de terrorismo vem sendo usada, recorrentemente, desde a virada do ano passado para este ano. O “descontrole inflacionário” no Brasil foi apresentado como uma verdade absoluta.
De fato tivemos uma oscilação que acelerou a inflação por causa da safra agrícola e, como se vê, esse fenômeno vai sendo dissipado. Neste momento, há queda da taxa de inflação e, possivelmente, o Brasil vai fechar este ano – como aconteceu nos últimos dez anos – com ela dentro da meta estabelecida pelo Banco Central.
Se tomássemos como referência o que ocorreu nos anos de 2000, 2001, 2002, perceberíamos que, naqueles três anos, em nenhum deles a inflação ficou dentro da meta do Banco Central e não houve, no meu modo de ver, nenhuma manifestação midiática comparável ao que estamos vendo hoje.
Então há, de certa maneira, um terrorismo. Como hoje a inflação não se apresenta em uma trajetória de aceleração e, sim, de queda, então a nova temática passa a ser o desemprego.
O Brasil não vai crescer tanto quanto deveria, mas vai crescer mais do que no ano passado e, portanto, é muito difícil entender que nós tenhamos neste ano de 2013 um desempenho pior do que em 2012, pois se a economia vai crescer mais, ampliam-se os postos de trabalho.
E o nível de emprego crescerá em cima de um patamar alto. A economia brasileira gira hoje em torno de cinco trilhões de reais. Não é isso, doutor Marcio?
É isso mesmo. A economia brasileira encontra-se hoje entre as sete maiores economias do mundo. E o ritmo de expansão que o Brasil está conseguindo ter está ocorrendo em meio a um cenário internacional muito desfavorável.
Perceba que a China, que crescia 10, 11 por cento ao ano, está crescendo 6, 7 por cento ao ano. A Índia, a Rússia, os chamados “países-baleia”, também diminuíram o ritmo de crescimento.
Não é, portanto, um problema de ordem nacional, interna, mas uma decorrência da realidade internacional em que os países ricos estão acirrando a competição internacional e tornando difícil o manejo da atividade econômica.
Há algumas semanas houve a necessidade de se fazer um alinhamento na política monetária justamente porque o Banco Central dos Estados Unidos, sem consultar ninguém, decidiu encerrar a sua política monetária frouxa, o que indica uma subida de juros e, contiguamente, uma fuga de dólares de todas as partes do mundo rumo àquele país.
Dessa forma, o Brasil, como todos os países mais importantes do mundo, tiveram que fazer um realinhamento em suas políticas monetárias. Então, o contexto internacional termina impondo decisões de política econômica que não são aquelas mais favoráveis à expansão econômica.
Todavia, não há dúvida de que o Brasil tem um quadro muito diferente do que hoje nós estamos observando em países ricos que estão convivendo com aumento da pobreza, aumento do desemprego, aumento da desigualdade.
O Brasil está crescendo o que é possível crescer, mas com redução do desemprego, da pobreza e da desigualdade.
E aí, nesse momento, a gente lê um editorial no maior jornal do país em que a primeira frase é a seguinte: “São consistentes os sinais de deterioração da economia brasileira”. O editorial se intitula “Mudança de sinal” e foi publicado na Folha de São Paulo de 25 de julho de 2013.
Doutor Marcio: são consistentes os sinais de deterioração da econômica brasileira?
Interpretações sempre dependem de quem as define. Eu, particularmente, não vejo sinais nessa direção. Infelizmente vamos ter um ano de crescimento menor do que imaginávamos, mas nada que signifique mudança da trajetória dos últimos dez anos, que tem sido uma trajetória de crescimento e distribuição de renda.
Não vai haver nada de trágico – a menos que surja uma hecatombe, e estamos longe disso no mundo. Deveremos concluir este ano com o controle da inflação, com crescimento econômico melhor do que no ano passado e com indicadores sociais seguindo a trajetória comprovada dos últimos dez anos.
O senhor acredita que essa previsão de um segundo semestre melhor do que o primeiro possa sofrer influência de fatores políticos como a promoção de protestos violentos nas ruas, como os que vimos em junho, ou o senhor acha que a economia brasileira não corre o risco de ser afetada por essa questão?
Não percebo que a economia possa dar curso a um problema político de maior dimensão. Agora, o contrário, que a política – ou a radicalização das manifestações – pode ter um impacto na economia como um todo, evidentemente que isso é possível. Mas exigiria um grau de movimentação que não me parece observável.
O que nós tivemos em junho foi um fenômeno importante que revela um processo decorrente das próprias transformações que nós observamos nos últimos dez anos. As pessoas foram à rua não para defender a volta de um modelo econômico ultrapassado; as pessoas foram à rua para reafirmar mais direitos. Não estão satisfeitas com o que estão obtendo e querem avançar mais.
Portanto, vejo nessas manifestações um combustível para o Brasil fazer mudanças mais significativas. Não me parece que possamos chegar a uma conturbação econômica derivada das manifestações políticas.
Fala-se também, doutor Marcio, em problema cambial. A conta corrente externa brasileira estaria correndo risco de retornar ao desequilíbrio de outrora – leia-se durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Então, minha pergunta é se essa questão cambial pode gerar algum problema maior ou se também nessa questão há exagero.
Entendo que a política macroeconômica precisa, sim, de ajustes e eles estão sendo feitos nos últimos dois anos. Essa questão das contas externas, a questão dos importados, os gastos de brasileiros com turismo no exterior, tudo isso coloca uma situação que precisamos olhar com muito cuidado.
Mas é bom lembrar, também, que o Brasil tem – e não tinha no passado – um colchão de proteção que são as reservas externas, o melhor remédio para essa situação desconfortável das contas externas.
Com essa desvalorização que tem sido observada da nossa moeda, o Brasil pode ter melhores condições competitivas nas exportações. É claro que isso não é uma resposta imediata, mas espera-se, também, que a economia mundial reaja e, assim, melhore as condições do comércio internacional. Por fim, o país está fazendo um investimento em infraestrutura que em algum momento irá abrir um ciclo de expansão na economia de longa duração.
Evidentemente, haverá que fazer ajustes pontuais…
Que ajustes, doutor Marcio?
Entendo que, assim como a China foi capaz de construir uma rede produtiva com os países do seu entorno, precisaríamos avançar nesse sentido. A economia sul-americana tem no Brasil a sua principal fonte de dinamismo. Haveria que explorar melhor essa situação.
Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social precisaria funcionar como uma espécie de Eximbank brasileiro [Nota do Editor: estrutura dedicada exclusivamente a financiar exportações e a produção destinada ao mercado exterior] e o Fundo Soberano [Nota do Editor: fundo formado com recursos das reservas brasileiras para ser usado em investimentos] deveria ser usado de uma forma mais agressiva, permitindo ao Brasil ter maior presença em compra de empresas estrangeiras que estão com o valor de suas ações muito baixo, assim como têm feito a China, a Índia, a Suécia. Há oportunidades lá fora que o Brasil poderia aproveitar melhor tendo tantas reservas.
Mudando um pouco de assunto. Por que o senhor acha que a grande imprensa brasileira está tão pessimista e difunde tanto esse seu pessimismo. Ela está equivocada ou sabe que exagera, mas tem algum outro objetivo?
Entendo que há um aspecto estrutural em relação ao comportamento da mídia em geral. Isso porque nos últimos dez anos nós tivemos uma ascensão econômica com o surgimento de novos consumidores, mas isso praticamente em nada impactou em consumo de mídia.
Os jornais, ou perderam ou não aumentaram o número de assinantes. Nós não tivemos, portanto, um aumento significativo desses meios de comunicação em relação à sua penetração. Isso gerou uma decisão desses meios de comunicação de fazer uma espécie de “jornalismo militante”.
Lembra-me o tipo de jornalismo que se fazia na antiga esquerda, da União Soviética. Você tinha o Pravda, onde sempre tinha que haver alguma matéria contra o capitalismo porque estava-se escrevendo para militantes. E a impressão que eu tenho é que a imprensa optou por assegurar ou fidelizar os seus militantes leitores e escreve aquilo que eles querem ler.
Só não sei até que ponto essa opção é exitosa, pois, se de fato a população tivesse sua opinião formada pela mídia tradicional, não teria havido vitória do presidente Lula e da presidenta Dilma.
O que a imprensa brasileira diz do Brasil, aliás, é muito diferente do que diz a imprensa estrangeira. Então, esse paradoxo está associado a interesses econômicos de nossa imprensa que estão sendo afetados pelo conjunto da política econômica do governo.
Os principais financiadores privados da mídia privada são os bancos, o sistema financeiro, enfim, o rentismo. E certamente o rentismo não está nada feliz com o Brasil de hoje, em que se praticam taxas de juro, em termos reais, muito rebaixadas.
O setor financeiro deixou de auferir, ano passado, alguma coisa em torno de 100 milhões de reais somente com a queda da taxa de juros. Então, obviamente que a imprensa reage a políticas que prejudicam aqueles que a financiam…
Mas doutor Marcio, estamos falando em perda de poder da mídia enquanto o alvo dessa campanha dela de convencimento da população contra a política econômica e quem a impõe, que é a presidente Dilma, perdeu popularidade em uma proporção cataclísmica.
Não lhe parece que estamos em um momento novo? Até há poucos meses, a mídia martelava, martelava o governo e sua política econômica e chegava a pesquisa seguinte e o Lula estava cada vez mais forte, a Dilma estava cada vez mais forte. De repente, tudo isso mudou.
A pesquisa CNI-Ibope, recém divulgada, mostra nova queda da popularidade da presidente Dilma. Em entrevista que fiz na semana passada com o diretor do instituto Vox Populi, doutor Marcos Coimbra, ele disse que vê uma certa ressonância que começa a surgir dos ataques da mídia ao governo entre a sociedade.
Não estou querendo menosprezar o resultado das pesquisas, mas, no meu modo de ver, a perda de popularidade não é exclusiva do governo federal. Houve queda generalizada. Há um descrédito à política brasileira. Há efeitos no Poder Executivo, no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e nas esferas federal, estadual e municipal…
Um momentinho, doutor Marcio. Uma informação para ajudar a sua análise. A presidente Dilma foi quem mais caiu. E houve até ganhos entre seus adversários. Políticos como Marina Silva ganharam muito na disputa da Presidência, no último período. Aécio Neves, como candidato, não perdeu nada. Dilma perdeu muito como candidata.
O problema é que Dilma exerce o governo. Então, é verdade que o governo perdeu apoio, mas também é verdade que outros níveis de governo também perderam apoio. Então isso também abre oportunidade para o PT, que não é governo em muitos Estados, disputar eleição neles em melhores condições.
Em São Paulo, por exemplo, Alckmin perdeu muito apoio. Então há um descrédito generalizado. E também é bom lembrar que as eleições em 2002, 2006 e 2010 foram sempre muito difíceis para o PT, que sempre venceu só no segundo turno. Não houve nenhuma eleição fácil para Lula ou para Dilma.
O senhor está otimista. É bom ver otimismo, mas só lembrando que Alckmin perdeu 16 pontos – ele que mandou a Polícia cometer aquela violência toda contra manifestantes – e Dilma perdeu quase 30 pontos.
Mas é bom ver otimismo em alguém com o seu nível de conhecimento da economia do país – e eu sempre digo que foi uma tragédia o senhor não ter vencido a eleição em Campinas, ano passado, porque seria um luxo para a cidade tê-lo como prefeito.
Quero agradecer muito, portanto, doutor Marcio, a atenção que o senhor me deu e, contando com a sua anuência, pretendo procurá-lo outras vezes para obter novas excelentes análises como essa que o senhor deu aos leitores do Blog da Cidadania.
Eu é que agradeço a oportunidade. E o parabenizo pelo seu trabalho, um trabalho corajoso, um trabalho de buscar a verdade, que é o que nos liberta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: