Tempos modernos, 1961/Di Cavalcanti |
A segregação é uma cultura e impregna o instinto. A reação ao diferente é impulsiva, irracional. Como a do ianque que despreza muçulmano por identificar nele um terrorista em potencial; do judeu sionista em relação a árabes; do branco racista frente ao negro; do cristão homofóbico diante de um homossexual.
Essa cultura nefasta impregna também governos e instituições. Chega a ser atávica, inconsciente. A família diz não ser racista, até o dia em que a filha, branca, loura, de olhos claros, apresenta o namorado negro...
Caso recente foi a obstrução do voo de Evo Morales, de Moscou a La Paz, em julho deste ano. Supondo que viajava a bordo o jovem Edward Snowden, que revelou como os serviços secretos estadunidenses espionam o mundo, os EUA convenceram França, Itália, Portugal e Espanha a impedirem escala técnica em seus territórios, obrigando a aeronave a pousar em Viena, onde foi revistada.
A 18 de agosto, David Miranda, companheiro do jornalista Glenn Greenwald, que mora no Rio e divulgou as denúncias de Snowden, ficou 9 horas retido no aeroporto de Londres, onde faria uma escala de duas horas ao viajar de Berlim ao Rio. Confiscaram seus equipamentos eletrônicos, incluindo celular, computador, câmera, cartões de memória, DVDs e jogos.
O objetivo da polícia britânica, monitorada pelos EUA, era obrigar Miranda a revelar senhas e códigos do material que trazia de Berlim, onde havia se encontrado com a documentarista Laura Poitras, para dar prosseguimento ao documentário que Glenn Greenwald está fazendo sobre as informações da NSA, reveladas por Snowden sobre como os EUA espionam o planeta.
Eis a lógica do poder: pune-se quem denuncia o crime e não quem o comete.
O pior é como a grande mídia dá pouca importância a tais atos segregacionistas. Aconselhados por Paulo Freire, façamos o exercício contrário e coloquemos o opressor no lugar do oprimido. Como reagiria a mídia se o avião de Obama fosse interceptado por caças de um país africano? Qual seria o impacto se a filha de George W. Bush fosse detida, ao desembarcar no Brasil, por ter um pai que defende a tortura de supostos terroristas, crime considerado inafiançável por nossas leis?
Nossa cultura segregacionista reduz a pessoa à sua função, origem, cor, condição social. Quem de nós indaga o nome do garçom que lhe serve?
Em julho, a atriz estadunidense Oprah Winfrey entrou em uma loja de Zurique, na Suíça, e pediu para ver uma bolsa que custava o equivalente a R$ 90 mil. A lojista se recusou, supondo que, por ser negra, a consumidora não tinha como pagar aquele preço.
Um amigo que pesquisa o tema fez, há pouco, um teste em um restaurante de luxo de São Paulo. Vestiu duas mulheres e um homem, todos brancos, com jeans esfarrapados, como dita a moda, e enviou-os ao restaurante. Foram acolhidos com derramadas cortesias.
Uma semana depois, um trio de negros chegou ao mesmo restaurante vestindo a mesmas roupas do trio de brancos. O porteiro encarou-os como se fossem mendigos, chamou o maitre, que chamou o gerente, que chamou o dono. O ingresso foi permitido, mas o clima segregacionista perdurou no ambiente.
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