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Celso Antônio Bandeira de Mello, sem favor algum, é reconhecido, aqui e no exterior, como um dos mais brilhantes e respeitados juristas brasileiros.
Professor Emérito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-S), Bandeira de Mello sempre esteve à frente de causas progressistas, tais como a luta contra as privatizações realizadas no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP).
Desde o início do julgamento da Ação Penal 470 (AP 470), o chamado mensalão, desejava entrevistá-lo. E quanto mais casuísmos foram aparecendo ao longo do processo, mais essa vontade aumentava. Mas o professor relutava por questões pessoais. Amigo há mais de 40 anos do ex-ministro Carlos Ayres Britto, Bandeira foi quem o indicou ao ex-presidente Lula para uma das vagas do STF.
Finalmente nessa terça-feira 10, às vésperas do final do julgamento da AP 470, consegui que o mestre Bandeira de Mello me concedesse esta entrevista.
Professor, qual a sua avaliação do julgamento da Ação Penal 470?
Eu considero que o processo foi todo viciado. Por várias razões. A começar pelo fato de que ele não respeitou a necessidade de aplicar o duplo grau de jurisdição. O Supremo julgou todos os denunciados como se estivessem incursos no único dispositivo que permite isso — o artigo 101 da Constituição.
Na verdade, a regra dos dois graus de jurisdição é universal, por assim dizer. Os ministros do Supremo passaram por cima dessa regra, eles não quiseram nem saber sua importância. É um absurdo na minha opinião. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto é que os ministros do Supremo adotaram um princípio que, a meu ver, é incabível. O princípio de que as pessoas são culpadas até que se prove o contrário. A regra é outra: as pessoas são inocentes até que se prove o contrário.
No caso do José Dirceu, eles partiram do princípio de que o Dirceu era culpado, porque ele era hierarquicamente superior às outras pessoas. E isso bastaria para configurar a responsabilidade dele. Portanto, uma responsabilidade objetiva.
Do ponto de vista jurídico, não é um absurdo?
Claro que é um absurdo. Isso cria uma inseguridade jurídica enorme. Esse julgamento contrariou a tradição jurídica ocidental, talvez até universal. Mas, com certeza, a tradição jurídica ocidental.
E o caso paradigmático disso é justamente o do José Dirceu. Esse julgamento foi levado a circunstâncias anômalas. Tanto que o ministro Barroso [Luís Roberto Barroso], antes de ser empossado no Supremo, disse que aquela decisão era um ponto que ele considerava fora da curva.
O que ele quis dizer com isso? Que alguma coisa estava fora da linha de julgamento do Supremo. Foi casuístico, na minha opinião.
Por que o Supremo agiu assim?
Acho que foi impacto emocional da pressão maciça e unânime da chamada grande imprensa.
Até hoje o Supremo diz que os recursos do Fundo de Incentivo Visanet eram do Banco do Brasil, portanto públicos. Só que, na verdade, os recursos financeiros eram privados, da Visanet, e o Banco do Brasil nunca colocou um centavo no Fundo. Como é que fica, professor?
A meu ver essa é outra posição errada que eles adotaram. Na verdade, esse julgamento, a meu ver, está cheio de posições erradas.
Eu respeito o pensamento dos outros, que não precisam coincidir com o meu. Ninguém pode achar que é o dono da verdade. Mas, na minha visão, esse aí [o do Fundo de Incentivo Visanet] é um outro equívoco dos ministros.
Qual a consequência desses equívocos?
Tira a confiabilidade do Judiciário. Aqui, não posso deixar de registrar que um ministro eminente, como o Lewandowski, procurou chamar a atenção para vários erros cometidos ao longo do julgamento. E posteriormente, agora, o ministro Teori, recentemente nomeado, foi específico nas maneiras de se pronunciar. Inclusive considerou que estava errado o que ele tinha julgado antes. Como você vê, um homem corretíssimo.
Com todo o meu respeito pela Corte Suprema, que é a posição que todo advogado deve ter em relação à mais alta Corte do país, eu diria que eles erraram. Errar é humano. Todos os seres humanos erram. E, no caso do julgamento da Ação Penal 470, eles erraram e muito.
Vários réus da Ação Penal 470, como José Dirceu, José Genoino e Henrique Pizzolato, correm o risco de passar um bom tempo na prisão por causa desse julgamento. O que pode ser feito, já que o julgamento está cheio de erros, como o senhor acaba de assinalar?
Tudo isso pode ser mitigado agora com o julgamento pelos embargos infringentes. Se esses erros forem admitidos, eles podem ser corrigidos, ou, pelo menos, mitigados. Vamos ter de aguardar. Não dá para a gente se desesperar antes das coisas acontecerem.
Supondo que os ministros do STF rejeitem os embargos infringentes, a quem recorrer?
Aos tribunais internacionais. Seria o caminho natural.
O senhor gostaria de acrescentar algo?
Eu disse o que penso. A minha esperança, enquanto cidadão, é que os embargos infringentes sejam recebidos e eles possam, pelo menos, mitigar as injustiças e os erros do julgamento da Ação Penal 470 que são muitos.
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