Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual:
O impensável aconteceu: num país que vem se recuperando lentamente de uma das suas piores crises econômicas, o rancor da direita provoca o fechamento parcial do governo. De quebra, isto acontece num momento em que o governo Barack Obama está envolvido em cruciais negociações no plano internacional.
Mais impensável ainda é o fato de que o motivo de superfície para tal insanidade é a extensão de seguridade médica para uma larga faixa de população desassistida, através de uma rede pública.
Seria o mesmo, analogamente, se a direita do Congresso brasileiro se mobilizasse para inviabilizar o SUS. Bom, não precisamos ir longe: a direita, com o apoio do setor “ameba” do Congresso brasileiro, composto pelos parlamentares “que vão com a onda do momento”, inviabilizou a cobrança da CPMF, provocando um rombo nas contas da saúde pública nacional.
Mas o cenário presente dos rancores de direita é Washington. O Partido Republicano, que tem maioria na Câmara de Deputados, votou a lei do financiamento das despesas do governo norte-americano para o próximo ano fiscal condicionando esta autorização à suspensão por um ano da entrada em vigor do chamado “Obamacare”, a lei anteriormente aprovada no Congresso e sustentada pela Suprema Corte que universaliza o sistema de saúde.
O Senado, onde a maioria é democrata, não aceitou a chantagem, e rejeitou a proposta aprovada na Câmara, aprovando o financiamento sem aquela condição. A bola voltou para a Câmara, que nada fez. Provavelmente, se houvesse uma nova votação, o condicionamento seria suspenso, pois uma parte do Partido Republicano, inclusive o presidente da Câmara, deputado John Boehner, teme que este endurecimento prejudique o seu desempenho nas eleições parlamentares de 2014. Mas a dureza da sua ala mais sectária provocou o impasse.
O resultado desta situação é o fechamento das agências do governo federal consideradas não essenciais. Parques nacionais, museus, até a NASA estão sendo paralisados. São 800 mil funcionários federais que ficam sem pagamento; outros, como entre os militares, terão seus salários atrasados, criando um efeito cascata que pode, no limite, fazer o país voltar ao estado de recessão em que se encontrava ao alvorecer da crise financeira de 2008.
Uma parte desta temeridade se deve sim ao rancor da maioria dos republicanos em relação a Obama. O “Obamacare” é, sem dúvida, o maior sucesso do presidente na frente interna, ao lado da política, ainda que lenta, gradual e insegura que vem tirando o país da recessão. Na frente externa, sem dúvida, depois do “perfil John Wayne” desenvolvido no tratamento da crise provocada pelo uso do gás Sarin na Síria, o presidente Obama marcou pontos ao abrir uma possível porta de negociação com o presidente do Irã, Hassan Rouhani, recém-eleito e empossado.
Para a extrema-direita internacional (o governo de Israel e a monarquia saudita, por exemplo) e nacional (o Tea Party dos Estados Unidos, por exemplo) a dose foi demasiada. Algo tinha de ser feito. E os republicanos fizeram.
Mas não há só rancor nesta aparente maluquice. Há também cálculo. O que está em jogo para o Tea Party e seus simpatizantes ou próximos não é apenas o enfrentamento imediato com Obama ou uma posição de princípio contra a expansão dos serviços públicos. Está em jogo também o controle sobre o próprio Partido Republicano.
De momento, enquanto os democratas contam com pelo menos três possibilidades fortes para a sucessão de Barack Obama, que já está no segundo mandato e não pode se candidatar de novo (John Kerry, Hillary Clinton e o vice Joe Biden), os republicanos não têm nenhuma (John McCain e Mitt Romney parecem já pertencer ao limbo da história pregressa).
O presidente da Câmara, John Bohener, é visto pelos mais radicais da direita como vacilante demais (!), e há um clima de disputa viva pela liderança do partido entre vários parlamentares que se propõem “mais duros” quanto a princípios ideológicos como o Estado mínimo, a contenção das despesas públicas, a privatização de tudo etc.
São eles, dentre possíveis outros, Ted Cruz (do Texas, que liderou a chantagem contra o “Obamacare”), Paul Ryan (que foi vice de Mitt Romney na última eleição), Eric Cantor, Marco Rubio, Rand Paul. São quase todos jovens políticos ambiciosos, e que contam com uma “progressão conservadora” do eleitorado norte-americano.
Porém não se descarta a possibilidade de que estejam, na verdade, contando com os ovos antes de serem postos pela galinha. Da última vez em que os republicanos “cercaram” um presidente democrata (no caso, Bill Clinton), manietando o financiamento das despesas de governo durante alguns meses, a ousadia custou-lhes caro, e eles perderam o controle do Congresso na eleição seguinte.
Mas nada disso parece deter estes próceres da direita, já que para eles o que conta, de imediato, é ganhar o controle e a liderança dentro do próprio partido.
Mais impensável ainda é o fato de que o motivo de superfície para tal insanidade é a extensão de seguridade médica para uma larga faixa de população desassistida, através de uma rede pública.
Seria o mesmo, analogamente, se a direita do Congresso brasileiro se mobilizasse para inviabilizar o SUS. Bom, não precisamos ir longe: a direita, com o apoio do setor “ameba” do Congresso brasileiro, composto pelos parlamentares “que vão com a onda do momento”, inviabilizou a cobrança da CPMF, provocando um rombo nas contas da saúde pública nacional.
Mas o cenário presente dos rancores de direita é Washington. O Partido Republicano, que tem maioria na Câmara de Deputados, votou a lei do financiamento das despesas do governo norte-americano para o próximo ano fiscal condicionando esta autorização à suspensão por um ano da entrada em vigor do chamado “Obamacare”, a lei anteriormente aprovada no Congresso e sustentada pela Suprema Corte que universaliza o sistema de saúde.
O Senado, onde a maioria é democrata, não aceitou a chantagem, e rejeitou a proposta aprovada na Câmara, aprovando o financiamento sem aquela condição. A bola voltou para a Câmara, que nada fez. Provavelmente, se houvesse uma nova votação, o condicionamento seria suspenso, pois uma parte do Partido Republicano, inclusive o presidente da Câmara, deputado John Boehner, teme que este endurecimento prejudique o seu desempenho nas eleições parlamentares de 2014. Mas a dureza da sua ala mais sectária provocou o impasse.
O resultado desta situação é o fechamento das agências do governo federal consideradas não essenciais. Parques nacionais, museus, até a NASA estão sendo paralisados. São 800 mil funcionários federais que ficam sem pagamento; outros, como entre os militares, terão seus salários atrasados, criando um efeito cascata que pode, no limite, fazer o país voltar ao estado de recessão em que se encontrava ao alvorecer da crise financeira de 2008.
Uma parte desta temeridade se deve sim ao rancor da maioria dos republicanos em relação a Obama. O “Obamacare” é, sem dúvida, o maior sucesso do presidente na frente interna, ao lado da política, ainda que lenta, gradual e insegura que vem tirando o país da recessão. Na frente externa, sem dúvida, depois do “perfil John Wayne” desenvolvido no tratamento da crise provocada pelo uso do gás Sarin na Síria, o presidente Obama marcou pontos ao abrir uma possível porta de negociação com o presidente do Irã, Hassan Rouhani, recém-eleito e empossado.
Para a extrema-direita internacional (o governo de Israel e a monarquia saudita, por exemplo) e nacional (o Tea Party dos Estados Unidos, por exemplo) a dose foi demasiada. Algo tinha de ser feito. E os republicanos fizeram.
Mas não há só rancor nesta aparente maluquice. Há também cálculo. O que está em jogo para o Tea Party e seus simpatizantes ou próximos não é apenas o enfrentamento imediato com Obama ou uma posição de princípio contra a expansão dos serviços públicos. Está em jogo também o controle sobre o próprio Partido Republicano.
De momento, enquanto os democratas contam com pelo menos três possibilidades fortes para a sucessão de Barack Obama, que já está no segundo mandato e não pode se candidatar de novo (John Kerry, Hillary Clinton e o vice Joe Biden), os republicanos não têm nenhuma (John McCain e Mitt Romney parecem já pertencer ao limbo da história pregressa).
O presidente da Câmara, John Bohener, é visto pelos mais radicais da direita como vacilante demais (!), e há um clima de disputa viva pela liderança do partido entre vários parlamentares que se propõem “mais duros” quanto a princípios ideológicos como o Estado mínimo, a contenção das despesas públicas, a privatização de tudo etc.
São eles, dentre possíveis outros, Ted Cruz (do Texas, que liderou a chantagem contra o “Obamacare”), Paul Ryan (que foi vice de Mitt Romney na última eleição), Eric Cantor, Marco Rubio, Rand Paul. São quase todos jovens políticos ambiciosos, e que contam com uma “progressão conservadora” do eleitorado norte-americano.
Porém não se descarta a possibilidade de que estejam, na verdade, contando com os ovos antes de serem postos pela galinha. Da última vez em que os republicanos “cercaram” um presidente democrata (no caso, Bill Clinton), manietando o financiamento das despesas de governo durante alguns meses, a ousadia custou-lhes caro, e eles perderam o controle do Congresso na eleição seguinte.
Mas nada disso parece deter estes próceres da direita, já que para eles o que conta, de imediato, é ganhar o controle e a liderança dentro do próprio partido.
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