sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Jango, Dirceu e as batalhas da história

Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:

Quis o destino que o corpo do presidente João Goulart chegasse a Brasília no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal concluiu etapa substancial do julgamento do “Mensalão” – o que deve levar ex-dirigentes petistas para a cadeia, entre eles o ex-ministro José Dirceu.



Dilma emocionou-se ao lado da viúva de Jango, na homenagem ao presidente deposto. De alguma forma, Dilma é a ponte entre duas tradições políticas: o trabalhismo de Vargas/Jango/Brizola e o PT. Ao fim da ditadura (depois de pegar em armas, sendo presa e torturada), Dilma escolheu o PDT de Brizola para atuar politicamente. Dilma já fez elogios abertos a Jango e à tradição brizolista.

Curioso que o PT tenha surgido nos anos 70/80 com um discurso de crítica à herança trabalhista. Mas, no poder, Lula aproximou-se da simbologia e das tradições varguistas. Curioso também pensar que, se o “Mensalão” não tivesse existido, hoje o presidente talvez não fosse Dilma, mas exatamente o ex-ministro agora ameaçado de prisão. “Se”. Se Gighia não tivesse acertado aquele chute rente à trave, o Brasil não teria perdido do Uruguai em 1950… Como dizem os comentaristas, não existe “se” no futebol. Nem na política. Nem na vida.

Ainda assim, é possível estabelecer paralelos entre os ataques sofridos pelo PT e o lulismo e aqueles desferidos contra Vargas e Jango. Vargas – não resta dúvida – foi um ditador nos anos 30 e 40. Mas em 1950 voltou ao poder como líder democrático, e foi acuado pelo conservadorismo a serviço dos Estados Unidos. Lacerda tentou cobrir Vargas com o “mar de lama”. Nos anos 50, o discurso udenista sustentava que Vargas comandava um governo corrupto. Contra Jango, em 1964, pesavam as mesmas acusações, e ele ainda era apontado como líder de uma certa “República Sindicalista”.

Vargas deu um tiro no peito em 1954, dentro do Palácio. Jango foi derrubado por um golpe. Na época, a imprensa golpista comemorou: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas” - era o que dizia a “Tribuna da Imprensa”, jornal de Carlos Lacerda.

Mentira, claro. Jango tinha apoio popular – era o que indicavam as pesquisas às vésperas do golpe, como mostra Jorge Ferreira, em excelente livro sobre Jango. A imprensa golpista de 64 criou o clima de caos e deu a impressão de que todos queriam o golpe. Jango não saiu “escorraçado” do poder. Foi derrubado.

“O Globo” também curtiu e compartilhou a ditadura: “Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos” – dizia editorial de Roberto Marinho. Aqui, na Carta Maior, você lê outros textos publicados por nossa brava imprensa democrática, nos dias seguintes ao golpe.

Certos setores de esquerda cultivaram durante anos a tese de que Jango foi “covarde” por não reagir ao golpe. Quem acompanhava de perto o presidente deposto diz que ele estava preocupadíssimo com uma possibilidade: se resistisse, daria aos golpistas a desculpa para pedir a intervenção dos Estados Unidos. Numa conversa recente, o jornalista Mauro Santayanna disse a um grupo de blogueiros que teve o prazer de ouvi-lo: “Jango temia a divisão física do Brasil”. Assim como haviam feito na Koreia (e como fariam depois no Vietnã), os EUA poderiam intervir e dividir o Brasil em dois. Jango preferiu manter a integridade territorial brasileira. Teoria conspiratória?

Durante anos, a ideia de que Jango teria sido envenenado em 1976 (durante o exílio) também parecia uma “teoria conspiratória”. Por insistência da família Goulart, o Brasil finalmente vai tentar descobrir a verdade. Foram muitos anos, e talvez os traços de um suposto veneno já não possam ser encontrados. Mas o governo Dilma toma uma atitude de imenso valor simbólico. O corpo exumado em São Borja (RS) foi levado a Brasília.

Jango “acovardado-escorraçado” dizia Lacerda. Jango estadista, recebido com honras de chefe de Estado. A história se escreve lentamente. O passado está sempre em disputa.

Dirceu, em algumas horas, pode ser preso como símbolo do “maior escândalo da história” – como dizem os mesmos jornais golpistas de 64. A imprensa podre quer mostrar Dirceu algemado, humilhado – da mesma forma que Lacerda tentou humilhar o presidente deposto em 64.

Dirceu pode ter cometido erros. Mas está sendo condenado sem provas. Isso está claro. “Escorraçado, amordaçado e acovardado” - assim jornais e revistas gostariam de ver o homem que comandou a “virada” do PT rumo ao poder. Pelo que se conhece da história de Dirceu, não vai se acovardar.

No curto prazo, parece derrotado politicamente. Jango também parecia derrotado inexoravelmente em 64. Quase 50 anos depois, recebe as justas homenagens no Palácio. A vítima de 64 não foi Jango, mas a democracia brasileira.

Derrubado pela Guerra Fria, pelos Estados Unidos e o conservadorismo brasileiro, Jango é o estadista, vitorioso. Lacerda e os golpistas estão derrotados pela história. ”O Globo” pede desculpas envergonhadas pelo apoio ao golpe criminoso.

Que papel estará reservado a Dirceu na história brasileira? “Maior vilão do país”? “Chefe da quadrilha”? É o que berram por aí blogueiros rotweiller, editorialistas decadentes, revistas ligadas a bicheiros…

Quem venceu a batalha? A Globo? A Veja e seus asseclas judiciais? Ou o homem que ajudou a construir um governo que – apesar de tantos erros e recuos - prestou homenagens a Jango, e tenta acertas as contas com a Democracia?

A História se escreve lentamente. Ainda mais no Brasil.

5 comentários:

  1. Dirceu, mais uma vez, vai sair deste golpe como herói.

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  2. É com muita indignação e vergonha que vejo mais este golpe político municiado pelo poder judiciário, ctrlc e crtlv do golpe paraguaio???.

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  3. Jango acredito ser a maior expressão humanista da história do Brasil.
    Seu nome esta gravado nas tão sonhadas e reclamadas "reformas". Seu nome esta gravado na unidade do chão brasileiro.

    A ganância enraivecida de um tubarão faminto desta direita servil, "Célula Mater" da burguesia, investida sobre o PT, não permite ver que pratica uma barbárie contra a história do pais que também lhe pertence, mesmo que tenha se acostumado as sombras da covardia.
    O golpe de 64 clamou por democracia, avançou sobre um governo democrático e referendado em plebiscito, que estava propondo reformas, as mesmas lamentadas hoje pela sociedade.
    Enquanto a sociedade adulta mantinha-se anônima observando exílios, prisões, cassações, torturas, alguns jovens, quase crianças, buscaram se organizar e lutar pela democracia, pelas suas ações nossa história carrega um alento de esperança àquela época triste e com muita dor, que eles sentiram na pele.
    A democracia retornou sua construção, num estado de direito e uma constituição, o que permite saber-se que ninguém é melhor ou pior que ninguém. Para a democracia é distinção ter um ícone da sua reconstrução, desenhado a partir da resistência ao golpe de 64 submetido a justeza da justiça. A mesma distinção deve ser creditada a sociedade guardiã da sua história. E quem já acumula dúvida e questionamento sério pondo em risco sua idoneidade. A sociedade é a maior vítima quando a justiça não é justa
    Como ignorar o conflito já arquivado pela história, ninguém tem o poder para altera-lo, entre o comportamento do Congresso frente ao mensalão, com o Comportamento do STF pela AP470. Esta desigualdade é justiça negada.
    A sociedade é o protagonista da sua história.

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  4. A Minha primeira resposta: acabei de cancelar a minha assinatura da Sky, inclua-se o tal premierFC! Pedi que registrassem, no sistema, o motivo: ‘não financio GOLPISTAS!…’ Daqui a pouco, estarei cancelando a minha assinatura do portal uol/folha de São Paulo!…

    BRASIL (QUASE-)NAÇÃO [depende de nós enquanto ações e reações!]
    Bahia, Feira de Santana
    Messias Franca de Macedo

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  5. Por volta de 1860 a imprensa brasileira desenhava para a sociedade brasileira , que: o Paraguay era terra de bárbaros. A sociedade convencida que era necessário coibir a barbárie, invadiu o território de bárbaros com suas forças humanistas, mataram 95% da população masculina, restando meninos com menos de 5 anos.
    Os arquivos desta ação humanista são secretos.
    E a imprensa a disposição de sempre informar a verdade e com imparcialidade.

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