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A atitude dos ministros militares, de se manterem distantes e sisudos durante a cerimônia de devolução simbólica do mandato usurpado do presidente João Goulart pela ditadura que se instalou no Brasil pós-64, e da qual até hoje não nos livramos, reflete a realidade política nacional. O ponto é que o conservadorismo e a subserviência aos interesses norte-americanos e ao capital transnacional ainda ditam os rumos da nação, apesar do voto popular aos governos de centro-esquerda, há mais de uma década, e das pesquisas de opinião que asseguram, se a eleição fosse hoje, haver um novo mandato de quatro anos à presidenta Dilma Rousseff.
Percebe-se, claramente, nos olhares de reprimenda à festa promovida no Congresso Nacional, ao se restituir o mandato de Jango, a nódoa ditatorial entranhada nos responsáveis pela Defesa do território brasileiro. Na cartilha dos oficiais mais novos, saídos das academias militares, aos diários do generalato que comanda as Forças Armadas, percebe-se o traço do fantasma que aterroriza a esquerda brasileira até os dias de hoje. A sombra das baionetas pesa sobre os ideais democráticos, no cotidiano dos brasileiros. Não há outra explicação, senão essa, para o sequestro da opinião pública por um cartel midiático tão encarniçado quanto o que se prolifera no Brasil, desde a ditadura civil-militar, patrocinado pela secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Nem é possível saber, sem a condicionante do medo, porque as reformas de base preconizadas por Jango, até hoje, não saíram do papel.
O terror. A tortura. A perseguição sem quartel pelas forças da ultradireita, encasteladas no controle da economia privada e nos meios de comunicação, ainda assustam os principais líderes da esquerda nacional, a começar pela presidenta da República, vítima dos mesmos algozes que, nesta fase mais moderada, limitam-se a rosnar e mostrar os dentes, frente às modestas iniciativas de democratização do país. Os mesmos que chamaram o Programa Bolsa Família de esmola e só faltaram cuspir nos médicos cubanos estão representados no governo e, o que é o pior, com a segurança de que lhes cabe o controle das instituições detentoras do poder armado. Não é à toa que, no jargão da praia, espécimes como os cronistas da imprensa conservadora “tiram onda” com a intenção do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, de promover um pouquinho de justiça social na cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
A vontade civil brasileira está cercada, seja naquele olhar duro dos militares que acreditam, piamente, na história de que Jango iria transformar o país em uma ditadura comunista; seja no Poder Judiciário, trincheira final dos abastados, das classes dominantes que mantêm de joelhos o trabalhador brasileiro. Os eleitores, por mais que reafirmem, nas urnas, a busca por uma República de fato, são engolfados no efeito cardume por predadores contumazes do sistema capitalista, que se apossaram das terras, dos meios de produção, dos mecanismos de formação da opinião pública e, o que é o mais grave, do comando das Forças Armadas. Não faz muito tempo e a caserna festejava o 31 de Março, quando toda a nação repudiava o 1º de Abril.
Mais acentuada, no entanto, é a atitude idílica da presidenta Dilma, de assegurar um desenvolvimento bélico expressivo, como a aquisição da tecnologia sueca para a construção de caças supersônicos, com alto poder de fogo, para o segmento militar que, nada nos garante, na calada da noite poderá voltar os canos dos fuzis na direção oposta. Uma decisão dessas deveria ser precedida pela modernização dos quartéis, na dissolução dos valores capitalistas e na formação de um oficialato disposto a apoiar as reformas sociais de base.
A batalha pela liberdade e a democracia verdadeiras, no Brasil, está longe de ser vencida pela maioria dos eleitores enquanto houver no comando das Forças Armadas um general, um almirante e um comandante que comemorem os feitos dos ditadores em seus manuais de instrução. Enquanto houver uma rua, descalça sequer, batizada com o nome de um torturador. Até quando durar o controle do capital sobre a opinião publicada.
Ano que vem, novamente, o cardume vai às urnas, para o festim dos tubarões. Vamos ver.
* Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
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