Foto: Igor Carvalho |
A exemplo do contexto mundial de tensão e instabilidade, o cenário brasileiro também é de incertezas. Até junho passado, alguns otimistas de plantão avaliavam que o país estava totalmente imune às turbulências internacionais. Apesar dos impactos da crise capitalista e do terrorismo de setores da mídia rentista, a economia nacional não parecia afundar numa nova recessão econômica. No campo político, o Palácio do Planalto já dava como certa a reeleição de Dilma Rousseff e a oposição conservadora estava abatida e dividida.
De repente, para surpresa de muitos, milhões de pessoas saíram às ruas do Brasil para demonstrar a sua insatisfação e exigir mudanças mais profundas no país. Em curto espaço de tempo, nos meses de junho e julho, ocorreram mais de mil manifestações em todos os estados e recantos da federação – algumas com centenas de milhares de presentes, outras menores e mais agressivas. O governo federal entrou em pânico; já a direita nativa, que sempre temeu as ruas, tentou pegar carona nos protestos para se reabilitar; e alguns setores sonharam que a revolução socialista estaria na próxima esquina.
Passada a tormenta inicial, as manifestações refluíram, mas o país continua sentado num vulcão em processo de erupção. As incertezas estão no ar carregado, o que coloca novos desafios para a luta dos trabalhadores. É possível avançar nas mudanças no Brasil, superando as suas desigualdades sociais crônicas e suas graves distorções nas instituições democráticas; mas também há riscos evidentes de retrocesso.
A chamada ‘jornada de junho’ teve início com uma demanda concreta e simples – a redução de 20 centavos nas passagens do transporte público em São Paulo. Mas ela já expressava um grande anseio da sociedade por mobilidade urbana. Atualmente, segundo várias pesquisas, os brasileiros gastam quase três horas no trânsito caótico para ir e voltar do trabalho. As próprias melhorias recentes no país, com a inclusão de mais de 40 milhões de pessoas no mercado de consumo e a geração de 19 milhões de empregos, agravaram o problema da mobilidade nos principais centros urbanos do país.
O Movimento Passe Livre (MPL), que já existe há mais de dez anos, convocou as manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus e trens, mas nem ele esperava a enorme receptividade à iniciativa. Diante dos protestos quase diários, o governador Geraldo Alckmin fez o que já é uma marca dos tucanos: abusou da violência policial com o uso de spray de pimenta e de balas de borracha. Dezenas de manifestantes foram presos, espancados e feridos – inclusive vários jornalistas da velha mídia que clamou pela truculência contra os jovens. A brutal repressão, rapidamente difundida pelas redes sociais na internet, gerou um forte sentimento de solidariedade em todo o país.
Os protestos se espalharam pelo território nacional e ampliaram sua pauta de exigências, tornando-a mais difusa. Neste cenário confuso e tenso, a direita nativa – inclusive setores neonazistas – tentou capturar o movimento de rua, impondo a sua agenda conservadora e direcionando a revolta contra o governo federal. Diante do perigo iminente, os trabalhadores entraram em cena para exigir avanços e para evitar retrocessos no país. As centrais sindicais, de maneira unificada, convocaram dois dias nacionais de mobilizações e paralisações. A disputa sobre os rumos do Brasil foi para as ruas e praças públicas.
A mídia patronal, concentrada nas mãos de apenas sete famílias e com enorme poder de manipulação dos corações e mentes, jogou papel decisivo nesta contenda. Num primeiro momento, ela fez o que sempre faz diante das lutas populares, tentando ocultar os protestos. Num segundo momento, como também é do seu hábito, ela apostou na criminalização do movimento, exigindo imediata e implacável repressão da Polícia Militar. Servil à mídia, o governador tucano Geraldo Alckmin atendeu ao pedido e promoveu um verdadeiro massacre nas ruas de São Paulo. A violenta repressão teve efeito inverso, gerando forte solidariedade nacional aos protestos liderados pelo MPL.
Diante deste resultado inesperado, a mídia adotou numa terceira estratégia, revelando todo o seu oportunismo. Ela passou a incentivar as manifestações e passou a disputar os rumos do movimento, impondo sua agenda conservadora e oposicionista. A Rede Globo – a mesma que confessou em agosto seu “erro” no apoio ao golpe militar de 1964 – foi a mais explícita nesta manobra. Um dos seus colunistas, Arnaldo Jabor, chegou a comparar os manifestantes aos criminosos do PCC. Pouco depois, ele pediu desculpas e conclamou os jovens a irem às ruas contra o governo Dilma.
A TV Globo até deu dicas de como os manifestantes deveriam se vestir e, num gesto inusitado, derrubou a sua grade de programação, suspendendo a apresentação da sua “sagrada” novela. A manobra golpista da mídia patronal, porém, não alcançou completamente os seus objetivos. Ela serviu para desgastar a presidenta Dilma Rousseff, que despencou nas pesquisas de opinião, mas não resultou no fortalecimento da oposição de direita nem paralisou o governo. Um dos gritos mais entoados nos protestos de rua foi “O povo não é bobo, fora Rede Globo”. As sedes da emissora e de suas afiliadas em vários estados passaram a ser alvo das criticas irreverentes dos jovens manifestantes, que lançaram raios laser em seus estúdios e jogaram esterco em seus portões.
* Texto elaborado para o congresso do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema).
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Leia também:
- A crise capitalista e os trabalhadores [1]
- A crise capitalista e os trabalhadores [2]
- A crise capitalista e os trabalhadores [3]
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