Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
Comecei a ler sobre política aos 14 anos. Era 1973. Minha família assinava o Estadão. Via sempre o avô, a avó e a mãe devorarem aquelas folhas brancas com letras negras e me perguntava o que continham aqueles textos enormes para lhes prender tanto a atenção. Sobretudo o primeiro caderno. Um dia, então, aventurei-me em um tipo de leitura que nunca mais abandonaria.
A primeira vez que vi a expressão “luta de classes” foi no jornal supracitado. Por terem se passado cerca de quarenta anos, desde então, não posso precisar se foi num artigo, num editorial, numa reportagem ou numa carta de leitor. Contudo, fora usada no contexto de ser indesejável – os “comunistas” eram acusados de promover conflitos entre pobres e ricos.
Parece que foi ontem…
Ao longo da vida, luta de classes sempre me foi apresentada pela imprensa e por certos grupos políticos como sendo tragédia para uma nação, ao passo que os socialistas científicos diziam o contrário.
Demorou até que aceitasse que a melhora das condições de vida dos trabalhadores só se daria através da luta de classes, pois não conseguia dissociá-la da luta armada, que repudiava. Sempre me inclinara mais pelas ideias burguesas dos socialistas utópicos, de que a transformação social aconteceria de forma pacífica.
Por conta desse pensamento, durante a ditadura me mantive distante da política. Contudo, por sempre ter me informado – mesmo quando garotas e festas eram mais importantes –, sempre soube que a forma como o país era governado estava errada. Até porque, minha família, influenciada pelo Estadão, ao longo daqueles anos tenebrosos foi mudando paulatinamente de opinião sobre o regime que um dia apoiara, assim como o jornal.
Todo esse preâmbulo foi necessário para chegar ao ponto central deste texto: a tão temida luta de classes, se um dia ajudou a aprofundar a ditadura militar, hoje pode ser travada sem luta armada, pela via da luta política desencadeada de baixo para cima, como começamos a ver ocorrer.
A revolução proletária, aliás, vai se mostrando uma questão de tempo, neste país – ainda que torça para que transcorra de forma política, sem violência, mas sabendo que ocorrerá de uma forma ou de outra.
De dezembro último para cá, inclusive, surgiram sinais de que um choque de classes está cada vez mais próximo. E o que é mais: só não aconteceu antes por conta da forte inclusão social da era Lula-Dilma. Nesse aspecto, a elite deveria ovacionar os dois presidentes trabalhistas que, com seus programas sociais, conseguiram retardar a fervura do caldeirão social.
E quando cito “sinais de um choque de classes” iminente, refiro-me ao movimento social absolutamente desorganizado e despido de ideologias conhecido como “rolezinho”.
Os milhares de adolescentes que têm ido a templos do consumismo das classes média e alta, aos ditos “shoppings”, são a expressão mais evidente do inconformismo com a desigualdade que cresce por parte de suas vítimas, desse sentimento que vai surgindo entre essas camadas sociais ora inspiradas pelos ventos da liberdade política e ideológica que mais de duas décadas de democracia fizeram soprar.
A reação da sociedade aos abusos das forças de repressão do Estado, que hoje já não encontram espaço para a impunidade total de outrora devido ao fenômeno da democratização da comunicação social gerado pela internet, será inevitável e benéfico conquanto a democracia se mantenha preservada.
A menos que alguém acredite em outro golpe para calar de novo o grito de inconformismo que a pobreza mantém preso na garganta há tanto tempo.
Nesse contexto, surge um dado positivo. Por mais que repudiemos o status quo, não se pode negar que a grande imprensa teve um papel fundamental na denunciação dos abusos contra os meninos e meninas dos “rolezinhos”. E não só da polícia militar, mas da Justiça, que deu uma permissão bizarra para que shoppings pudessem triar quem neles ingressava com base na cor da pele, no modo de se vestir e em outros fatores subjetivos que denotassem pobreza.
A imprensa, portanto, não deixou de ser conservadora, mas vai se vendo obrigada pela comunicação abundante e incontrolável a não se deixar ficar a reboque dos fatos.
Mais de duas décadas de democracia e o advento da internet terminaram por gerar o ambiente ideal para que, cada vez mais, as legiões de vítimas da desigualdade à brasileira possam denunciar seus algozes. E os “rolezinhos” são expressão desse fenômeno.
Claro que não poderia deixar de eclodir aqui e ali, entre advogados e juristas, entre jornalistas e tantos outros expoentes da elite branca de ascendência indo-europeia o discurso absurdo sobre o caráter “privado” que teriam os shoppings, um discurso em defesa de um direito constitucionalmente inexistente de comerciantes selecionarem clientes que possam ou não ingressar nesses locais de frequentação pública.
Estão enganados. O comércio aberto ao público funciona sob a condição de estar aberto ao público, ou seja, a todos, sem discriminação de classe social, etnia, religião, orientação sexual, política e ideológica.
Aliás, discriminar no comércio varejista é crime.
O “rolezinho”, pois, é um direito contanto que não enverede pela violência ou pela criminalidade. E impedir alguém de frequentar algum lugar sob a premissa de que sua aparência denota que poderá cometer vandalismo, roubos ou qualquer outro tipo de crime é fascismo em estado puro.
Esse movimento de imberbes, portanto, na visão deste que escreve é absolutamente legítimo. Fatos e investigações revelaram-me que não guarda relação com os protestos violentos e políticos que eclodiram pelo país a partir de junho do ano passado e que agora pretendem sabotar a Copa do Mundo.
Trata-se de um movimento espontâneo e que poderá cumprir a função cívica de expor a desigualdade hipócrita que vitima o Brasil – e, assim, a função de provocar mudanças.
Os “rolezinhos”, pois, não têm parentesco com as tais “jornadas de junho”, mas com a primeira ocupação de um shopping na história recentíssima. Em 2000, um grupo de sem-teto ocupou um desses templos de consumo e, ao fazê-lo, fincou as raízes de um processo que precisa ocorrer no Brasil, o de esfregar a desigualdade insustentável na cara da elite que dela se beneficia.
Antes de chegar à conclusão do texto, portanto, se ainda não assistiu vale muito a pena assistir ao documentário Hiato, abaixo reproduzido. Ele revela a gênese dos “rolezinhos”. O texto prossegue em seguida.
O que assistiu acima, leitor, foi o embrião dos “rolezinhos” que ora eclodem por São Paulo e que tendem a se espraiar pelo país, caso a sociedade saiba reagir à repressão.
A “luta de classes” por essa via – e por outras análogas a ela que venham a surgir –, portanto, não só precisa prosseguir como tem que ser intensificada. Sem violência, mas com firmeza. Há que mostrar a realidade a essa elite delirante que acredita que pode confinar uma maioria tão avassaladora nos guetos que para ela engendrou.
Os milhares que ocuparam e ocuparão shoppings e outros refúgios da elite poderão fazê-la entender que caso não aceite distribuição de renda por bem poderá ter que aceitar por mal. E não por conta de algum movimento politicamente organizado, mas pela paciência que se esvai nas massas, que, desprezando os intermediários e qualquer organização, instintivamente está a exigir igualdade.
Comecei a ler sobre política aos 14 anos. Era 1973. Minha família assinava o Estadão. Via sempre o avô, a avó e a mãe devorarem aquelas folhas brancas com letras negras e me perguntava o que continham aqueles textos enormes para lhes prender tanto a atenção. Sobretudo o primeiro caderno. Um dia, então, aventurei-me em um tipo de leitura que nunca mais abandonaria.
A primeira vez que vi a expressão “luta de classes” foi no jornal supracitado. Por terem se passado cerca de quarenta anos, desde então, não posso precisar se foi num artigo, num editorial, numa reportagem ou numa carta de leitor. Contudo, fora usada no contexto de ser indesejável – os “comunistas” eram acusados de promover conflitos entre pobres e ricos.
Parece que foi ontem…
Ao longo da vida, luta de classes sempre me foi apresentada pela imprensa e por certos grupos políticos como sendo tragédia para uma nação, ao passo que os socialistas científicos diziam o contrário.
Demorou até que aceitasse que a melhora das condições de vida dos trabalhadores só se daria através da luta de classes, pois não conseguia dissociá-la da luta armada, que repudiava. Sempre me inclinara mais pelas ideias burguesas dos socialistas utópicos, de que a transformação social aconteceria de forma pacífica.
Por conta desse pensamento, durante a ditadura me mantive distante da política. Contudo, por sempre ter me informado – mesmo quando garotas e festas eram mais importantes –, sempre soube que a forma como o país era governado estava errada. Até porque, minha família, influenciada pelo Estadão, ao longo daqueles anos tenebrosos foi mudando paulatinamente de opinião sobre o regime que um dia apoiara, assim como o jornal.
Todo esse preâmbulo foi necessário para chegar ao ponto central deste texto: a tão temida luta de classes, se um dia ajudou a aprofundar a ditadura militar, hoje pode ser travada sem luta armada, pela via da luta política desencadeada de baixo para cima, como começamos a ver ocorrer.
A revolução proletária, aliás, vai se mostrando uma questão de tempo, neste país – ainda que torça para que transcorra de forma política, sem violência, mas sabendo que ocorrerá de uma forma ou de outra.
De dezembro último para cá, inclusive, surgiram sinais de que um choque de classes está cada vez mais próximo. E o que é mais: só não aconteceu antes por conta da forte inclusão social da era Lula-Dilma. Nesse aspecto, a elite deveria ovacionar os dois presidentes trabalhistas que, com seus programas sociais, conseguiram retardar a fervura do caldeirão social.
E quando cito “sinais de um choque de classes” iminente, refiro-me ao movimento social absolutamente desorganizado e despido de ideologias conhecido como “rolezinho”.
Os milhares de adolescentes que têm ido a templos do consumismo das classes média e alta, aos ditos “shoppings”, são a expressão mais evidente do inconformismo com a desigualdade que cresce por parte de suas vítimas, desse sentimento que vai surgindo entre essas camadas sociais ora inspiradas pelos ventos da liberdade política e ideológica que mais de duas décadas de democracia fizeram soprar.
A reação da sociedade aos abusos das forças de repressão do Estado, que hoje já não encontram espaço para a impunidade total de outrora devido ao fenômeno da democratização da comunicação social gerado pela internet, será inevitável e benéfico conquanto a democracia se mantenha preservada.
A menos que alguém acredite em outro golpe para calar de novo o grito de inconformismo que a pobreza mantém preso na garganta há tanto tempo.
Nesse contexto, surge um dado positivo. Por mais que repudiemos o status quo, não se pode negar que a grande imprensa teve um papel fundamental na denunciação dos abusos contra os meninos e meninas dos “rolezinhos”. E não só da polícia militar, mas da Justiça, que deu uma permissão bizarra para que shoppings pudessem triar quem neles ingressava com base na cor da pele, no modo de se vestir e em outros fatores subjetivos que denotassem pobreza.
A imprensa, portanto, não deixou de ser conservadora, mas vai se vendo obrigada pela comunicação abundante e incontrolável a não se deixar ficar a reboque dos fatos.
Mais de duas décadas de democracia e o advento da internet terminaram por gerar o ambiente ideal para que, cada vez mais, as legiões de vítimas da desigualdade à brasileira possam denunciar seus algozes. E os “rolezinhos” são expressão desse fenômeno.
Claro que não poderia deixar de eclodir aqui e ali, entre advogados e juristas, entre jornalistas e tantos outros expoentes da elite branca de ascendência indo-europeia o discurso absurdo sobre o caráter “privado” que teriam os shoppings, um discurso em defesa de um direito constitucionalmente inexistente de comerciantes selecionarem clientes que possam ou não ingressar nesses locais de frequentação pública.
Estão enganados. O comércio aberto ao público funciona sob a condição de estar aberto ao público, ou seja, a todos, sem discriminação de classe social, etnia, religião, orientação sexual, política e ideológica.
Aliás, discriminar no comércio varejista é crime.
O “rolezinho”, pois, é um direito contanto que não enverede pela violência ou pela criminalidade. E impedir alguém de frequentar algum lugar sob a premissa de que sua aparência denota que poderá cometer vandalismo, roubos ou qualquer outro tipo de crime é fascismo em estado puro.
Esse movimento de imberbes, portanto, na visão deste que escreve é absolutamente legítimo. Fatos e investigações revelaram-me que não guarda relação com os protestos violentos e políticos que eclodiram pelo país a partir de junho do ano passado e que agora pretendem sabotar a Copa do Mundo.
Trata-se de um movimento espontâneo e que poderá cumprir a função cívica de expor a desigualdade hipócrita que vitima o Brasil – e, assim, a função de provocar mudanças.
Os “rolezinhos”, pois, não têm parentesco com as tais “jornadas de junho”, mas com a primeira ocupação de um shopping na história recentíssima. Em 2000, um grupo de sem-teto ocupou um desses templos de consumo e, ao fazê-lo, fincou as raízes de um processo que precisa ocorrer no Brasil, o de esfregar a desigualdade insustentável na cara da elite que dela se beneficia.
Antes de chegar à conclusão do texto, portanto, se ainda não assistiu vale muito a pena assistir ao documentário Hiato, abaixo reproduzido. Ele revela a gênese dos “rolezinhos”. O texto prossegue em seguida.
O que assistiu acima, leitor, foi o embrião dos “rolezinhos” que ora eclodem por São Paulo e que tendem a se espraiar pelo país, caso a sociedade saiba reagir à repressão.
A “luta de classes” por essa via – e por outras análogas a ela que venham a surgir –, portanto, não só precisa prosseguir como tem que ser intensificada. Sem violência, mas com firmeza. Há que mostrar a realidade a essa elite delirante que acredita que pode confinar uma maioria tão avassaladora nos guetos que para ela engendrou.
Os milhares que ocuparam e ocuparão shoppings e outros refúgios da elite poderão fazê-la entender que caso não aceite distribuição de renda por bem poderá ter que aceitar por mal. E não por conta de algum movimento politicamente organizado, mas pela paciência que se esvai nas massas, que, desprezando os intermediários e qualquer organização, instintivamente está a exigir igualdade.
Olá Miro, fiquei curioso para saber como você imagina que vai se concluir essa luta de classes. Qual é o mecanismo para a redistribuição de renda? Temos exemplo de como isso ocorreu no mundo com sucesso? Imagino que não sejam questões simples, mas se der uma luz já ajuda para entender seu ponto de vista.
ResponderExcluirNão se pode dizer que esses jovens estejam na miséria, passando privações e desempregados.O próprio texto diz que graças às conquistas sociais a situação não está pior.
ResponderExcluirA Educação é que é terrivel.No estado mais rico da união.Mas miseráveis não são.Tem boas roupas e calçados, tem acesso a banda larga, tablets, celulares, moradia, alimentação, etc, etc.Tem coisas que seus avós e pais não tiveram. Lazer gratuito na cidade não falta.Falta é educação inclusiva e cultura de verdade.
O capitalismo fez de todos nós seres consumistas. Sua capacidade de inventar novas necessidades é absurda e, por se tratar de um ser social, todas as novas necessidades criadas, mais cedo ou mais tarde, se tornam básicas ao ser humano (somente o animal se contenta com alimento e o abrigo).
ResponderExcluirAssim, temos que superar este sistema econômico se quisermos que o consumismo desapareça, pois este não se resume em usar Nike. Apesar de essa marcar ser um ótimo ícone para batermos no capitalismo, tem consumista para qualquer hora ou ocasião: tem o das roupas, o dos tênis, o dos livros, o dos teatros, cinemas, saraus, o consumista das viagens, o que não usa nike, vai trampá de bike, mas gosta de Paris e não morre sem ir a Machu Pichu. Tem o consumista de "cultura" - na verdade de espetáculos (e este muitas vezes é sensacionalista) -, o consumista de restaurantes, de acampamentos selvagens, de música, de esporte, de tecnologia.
Algumas pessoas acreditam que o sujeito que usa Nike e frequenta shopping é pura futilidade, e o mochileiro que não bebe coca cola seria o extremo oposto (pensamento que, como muitos, promove desunião na classe trabalhadora).
Nosso inimigo pode ser a Nike e a Coca Cola, mas não pode ser o pobre que usa sapatos dessa marca e bebe refrigerante. Em termos marxistas, não podemos simplesmente considerá-lo “alienado”, pois todos somos alienados do resultado do nosso trabalho.
Então, nesse momento em que os jovens pobres brasileiros insistem em realizar os famosos ROLEZINHOS, temos de tratá-los como o que são, isto é, filhos da classe trabalhadora, filhos da classe que gera valores, que constrói o país e o carrega nas costas sem ficar com nada. Não podemos criminalizar os pobres por quererem os produtos consumidos pelas classes média e rica, pois tudo pertence à classe trabalhadora. Ou pelo menos deveria pertencer, uma vez que o resultado daquilo que produzimos nos é roubado.
É tudo nosso, podemos quebrar ou queimar, porque é tudo nosso.
Os rolezinhos nada mais são do que mais uma expressão da luta de classes. Como disse Frantz Fanon, o colonizado quer dormir na cama do colonizador. E é por isso que o rico não dorme tranquilamente, sabe que o trabalhador e a trabalhadora, cedo ou tarde vão, com bases teóricas ou não, tomar de volta aquilo que construíram, aquilo que é seu.
Acontece que quando nós, os trabalhadores e trabalhadoras, tomarmos nas mãos o destino da produção, em um sistema comunista, a Nike vai se tornar uma fábrica de calçados e estes voltarão a ter valor de uso. As coisas terão essência ao invés de aparência. Mas para isso temos que desbancar o rico do controle, e isso pode começar sim com uma ameaça espontânea, como os rolezinhos, por exemplo.
Assim, gostemos ou não, frequentemos ou não os shoppings, temos que lembrar que eles foram construídos e funcionam diariamente (inclusive sendo abastecidos) devido à exploração da classe trabalhadora. Desse modo, deveríamos poder dar ao shopping e à cidade como um todo o destino que desejarmos.
De nossa parte, o rumo que queremos é o comunista. É pra isso que trabalhamos.