quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A Ucrânia será anexada pela OTAN?

Por Pepe Escobar

Qualquer um que acredite em um profundo enamoramento de Washington pela “democracia” na Ucrânia deve acessar o eBay, onde as Armas de Destruição em Massa (ADM) de Saddam Hussein foram encontradas e estão à venda pela melhor oferta.

Ou prestar atenção às “non-denial denials” (afirmações suspeitas) da administração Obama, que jura diariamente não haver uma “guerra por procuração” ou uma Guerra Fria revisitada na Ucrânia.

Em breves palavras, a política ambígua de Washington em relação à Ucrânia sempre foi anti-Moscou. O que implica em mudança de regime sempre que necessário. Como a União Européia (UE), geopoliticamente, nada mais é do que um anexo da OTAN, o que importa é a expansão das fronteiras da OTAN até a Ucrânia. Ou, pelo menos, a Ucrânia Ocidental – o que seria um valioso prêmio de consolação.

Este é um jogo puramente e centralmente militar – a lógica de todo o mecanismo é decidida em última instância em Washington e não em Bruxelas. É sobre a expansão da OTAN, não sobre “democracia”. Quando a funcionária neo-conservadora do Departamento de Estado Victoria Nuland obteve seus 15 segundos de fama, recentemente, o que ela queria dizer era: “Nós somos OTAN, fod**se... os EUA”. Não é de se admirar que haverá uma reunião de emergência dos Ministros de Defesa da OTAN em Bruxelas na próxima quarta, centrada na Ucrânia.

Ninguém jamais lerá isso na mídia comercial dos EUA – ou mesmo na academia. O professor de Harvard, Francis Boyle, ao falar para o “Voice of Russia”, ou Stephen Cohen, de Princeton, em artigo recente para o “Nation”, são exceções gritantes.

Todo analista bem informado sabe que o mentor desta “política”, desde 1970, é Zbigniew “o Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski. Dr. Zbig era o mentor de Obama em Columbia e é o Talleyrand [1] da máquina de política externa da administração Obama.

Ele pode ter dado uma abrandada recentemente, com o argumento de que embora os EUA devam continuar com o poder supremo em toda a Eurasia, a Rússia e a Turquia precisam ser seduzidas pelo ocidente. No entanto, sua "russofobia" histórica nunca foi diluída.

“Santa” Yulia está de volta

Como estamos a caminho (novamente) de uma mudança de regime na Ucrânia, não parece ser um mau negócio por apenas US$ 5 bilhões – o montante oferecido pela neo-conservadora Nuland. Compare isto com outras aventuras contínuas e pródigas de Bush-Obama no exterior, do Afeganistão à Síria. E aguarde maiores solavancos à frente.

Possivelmente mais progressista, tal e qual alguns da direita raivosa, a geração Google que habita o ocidente da Ucrânia e em Kiev parece se encantar com a ideia de que o país, após a mudança do regime, será aceito como membro da UE e eles terão um passaporte europeu e encontrarão um bom emprego na Europa, assim como os encanadores poloneses e os gerentes de restaurantes romenos.

Bem, não realmente. Se apenas eles pudessem embarcar em um EasyJet e ver com seus próprios olhos o que está acontecendo com o mercado de trabalho no sul da Europa ou em Londres, em que há um verdadeiro terror com a horda de europeus orientais roubando seus empregos ingleses.

Quanto aos ultra-nacionalistas e os francamente neo-fascistas – totalmente anti-UE - a única coisa com a qual se preocupam é ficarem livres do abraço de urso dos Russos. E depois?

No ardor ocidental por “democracia” é tão fácil esquecer que os fascistas da Ucrânia ocidental foram aliados de Hitler contra URSS. São seus descendentes que estiveram na linha de frente da violência incondicional da semana passada. E setores da direita ainda insistem que vão continuar a “protestar”. Neste sentido, eles podem não ser os fantoches preferidos de Washington, mas são bodes expiatórios úteis momentaneamente.

Quanto à Ex-Primeira Ministra da Ucrânia Yulia Tymoshenko – agora elevada pelo ocidente ao status de Madre Teresa loira – ela proclamou os manifestantes da Praça Maidan (Independência) de “libertadores”. Eles devem rapidamente libertarem a si mesmos dela – após a altamente corrupta “Santa” Yulia concorrer à presidência no próximo mês de maio.

A Ucrânia que trabalha – no leste e no sul – é composta de históricas províncias Russas, pense em Kharkov, Mar Negro, Criméia. O PIB é de aproximadamente US$ 157 bilhões. Isso é um quinto da Turquia (que pode se transformar no novo Paquistão). Deste modo, a Ucrânia não guarda muito valor para o ocidente (menos ainda ao se transformar em uma nova Síria). O único aspecto “positivo” seria o avanço estratégico deturpado da OTAN.

Qualquer um que acredite que uma UE atolada em crise irá comprar a Ucrânia, para além de sua confusão econômica, poderia, uma vez mais, dar um lance pelas ADM de Saddam no eBay. Ou, ainda, imaginar o Congresso Americano entregando US$ 15 bilhões pela Ucrânia para suavizar sua dívida externa, sem mencionar a redução do preço do gás importado – assim como Moscou fez em dezembro passado.

Diga olá para o meu Iskander [2]

A questão que vale muitos bilhões de dólares é: o que o Presidente da Rússia, Vladimir Putin irá fazer? Alguém pode se sentir tentado a detectar ruídos de gargalhadas nos corredores do Kremlin.

Para os iniciantes, Putin irá decidir quando Moscou irá, ou não, comprar US$ 2 bilhões em eurobônus ucranianos após o estabelecimento de um novo governo em Kiev, assim como a Gazeta.ru reportou. Kiev não terá absolutamente nada de Moscou até que esteja claro que o novo regime irá jogar no interesse de manter o país unido.

“Santa” Yulia, a propósito, foi originalmente colocada na prisão por conta de uma negociação de gás dentro de uma política de altos preços estabelecida por Moscou. De volta aos fatos concretos: a Ucrânia não pode sobreviver sem o gás Russo, e a indústria ucraniana não pode sobreviver sem o mercado Russo. Pode-se misturar todas os tons de revolução Laranja, Tangerina, Campari ou Tequila Sunrise e as atirar nas correções do “ajuste estrutural” requisitado pelo FMI – os fatos não irão mudar. E esqueça a “compra de ucranianos” pela UE.

A gangue da Laranjada Ocidental – dos mestres aos serviçais – ainda podem apostar na guerra civil, no estilo Sírio. No aumento da anarquia – provocada pelos neo-fascistas. Está nas mãos dos ucranianos rejeitá-lo. Uma boa solução seria um referendo. Deixar as pessoas escolherem por uma confederação, uma divisão (haverá sangue) ou manter o status quo.

Aqui está um cenário possível. Ucrânia do leste e do sul tornam-se parte da Rússia novamente; Moscou aceitaria indiscutivelmente. A Ucrânia ocidental é saqueada, no estilo do desastre capitalista, pela máfia empresarial-financeira ocidental – enquanto ninguém consegue obter um único passaporte europeu. Quanto à OTAN, eles conseguem suas bases, “anexando” a Ucrânia, mas também recebendo um incontável número de mísseis de alta-precisão russos Iskander, agora trancados em sua nova morada. Bastante para um “avanço estratégico” de Washington.

Notas:

1- Charles Maurice de Talleyrand-Périgord – diplomata francês.

2- Míssil de alta precisão de fabricação Russa.

* Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Livros:

- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.


* Fonte: http://williambowles.info/2014/02/24/will-nato-annex-ukraine-by-pepe-escobar/

* Tradução de Ana Prestes

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