Por Beto Almeida
"A revolução bolivariana é pacífica, pero armada" - Hugo Chávez
Há 25 anos, num 27 de fevereiro de 1989, o então presidente da Venezuela, Carlos Andrés Perez, lançou um pacote neoliberal explosivo aumentando drasticamente o preço da gasolina e dos alimentos. O povo de Caracas se rebela, sai às ruas, saqueia supermercados, lojas de roupas, açougues. Perez d ordens para o exército reprimir com vigor. Centenas de cidadãos são mortos. O número exato ainda está por ser calculado, pois muitos foram enterrados em valas comuns ou atirados nos lixões da cidade.
Quando tive a oportunidade entrevistar o presidente Chávez, no Palácio de Miraflores, ele contou que está em serviço e soube quando a ordem de reprimir foi dada e as tropas lançaram-se pelos bairros pobres, esmagando sem dó nem piedade a rebelião, conhecida com o nome de Caracazzo. Chávez dizia que o Caracazzo foi o estopim, a alavanca , o encorajamento fundamental para que o movimento militar bolivariano, cuja construção liderava dentro dos quartéis de toda a nação, se decidira a agir. Aquela repressão havia provocado nas fileiras progressistas e nacionalistas militares muito mais do que uma indignação.
47 segundos versus 10 anos
Quase três anos depois, em 4 de fevereiro de 1992, Chávez comandava uma insurreição militar que pretendia colocar um fim no governo neoliberal e corrupto de Andrés Peres e , com o apoio popular, convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Do ponto de vista militar, a insurreição não foi vitoriosa. Dialeticamente, foi vitoriosa do ponto de vista político. Hugo Chávez comandou a rendição para poupar vidas, entregou -se, e foi preso. Na prisão, transforma-se no homem mais popular da Venezuela. O povo venezuelano identificou naqueles poucos segundos em que Chávez usou a cadeia de rádio e TV - exigência para a rendição - que aquele homem, meio negro e meio índio, era um dos seus, que falava sua língua, representava seus anseios largamente reprimidos. Tanto assim que longas filas, diariamente, se formaram para visitar a Chávez na prisão. Gente proletária, sofrida, humilde, que tinha tido a objetividade histórica de compreender que ali estava preso o seu líder, enquanto os intelectuais pedantes discutiam, interminavelmente, se Chávez era um populista, um golpista, um autoritário ou um militaresco fascista.
Certa vez, em debate com um dirigente do Partido Comunista Espanhol, em Madrid, escutei-o dizer que só depois do golpe de 2002, ele tivera certeza de que Chávez era de esquerda. Contra argumentando, assinalei que enquanto ele tinha levado 10 anos para entender a função história de Chávez, o povo venezuelano levara apenas 47 segundos para compreendê-lo , tempo exato daquela declaração do líder da insurreição bolivariana por cadeia para render-se, “por ahora”.
O Caracazzo pariu a Insurreição de 4 de Fevereiro de 1992. Mas, é chocante observar, ainda hoje, a infinita hipocrisia dos meios de comunicação internacionais e dos governos que os controlam ou manipulam, diante da crise atual da Venezuela. Quando o governo venezuelano de 1989 mandou reprimir e matou a rodo populares nas ruas de Caracas - Chávez insistia sempre que eram milhares os mortos - esta mídia que faz o maior estardalhaço sobre uma inexistente guerra civil na Venezuela hoje, na época, não fez nenhum escândalo diante da matança aos olhos de todos, nas ruas caraquenhas. Tampouco os governos , como o dos Estados Unidos, que lançam cínicos comunicados de “preocupação com os direitos humanos na Venezuela”, na época , foram os patrocinadores do pacote neoliberal de Carlos Andrés Perez, fizeram o mais criminoso silêncio. O silêncio da cumplicidade com aquela matança.
Maldito seja...
O Caracazzo foi uma rebelião popular que levou a uma lição fundamental para os militares revolucionários que se organizavam em torno de Chávez, entre eles o Embaixador da Venezuela no Brasil, Almirante Diego Molero. E a lição era a aplicação de uma das frases de Bolívar mais repetidas pelo próprio Chávez, linha de princípio do movimento que, depois de anos de preparação política doutrinária, preparava-se para agir: “Maldito seja o soldado que aponta seu fuzil contra seu próprio povo!”
Porém, a linha doutrinária, programática, ia muito mais além. Recuperava e atualizava o Simon Bolívar integracionista, reformador social, criando outra concepção para o papel dos militares: a integração latino-americana, a unidade cívico-militar e a sustentação pela via democrática, porém de armas nas mãos, do processo de mudanças em busca de justiça social. Afinal, a Venezuela, um país tão rico, possuía 85 por cento de pobres e miseráveis, uma maioria de analfabetos, favelas desumanas por todos os lados, enquanto sua burguesia era conhecida por ser uma das maiores consumidoras de caviar e champanhe do mundo, perdendo apenas para burguesia francesa.
Hoje, 25 anos depois do Caracazzo, já podemos contabilizar os frutos na Revolução Bolivariana, mesmo assediada, atacada, sabotada, golpeada por mais de 15 anos. O país de Bolívar não tem mais analfabetos, diz a Unesco. Diz a FAO que houve redução drástica da desnutrição e da fome no país. Os trabalhadores já possuem uma lei trabalhista moderna e foram universalizados os direitos previdenciários. Lá se paga um dos maiores salários mínimos da América Latina, comparativamente falando. E, pela primeira vez na história do país, o petróleo, que enriqueceu por décadas uma camarilha insensível e corrupta, agora tem a sua receita aplicada na construção de moradias, de universidades bolivarianas, na sustentação do ensino público gratuito, na instalação de milhares de postos de saúde, com presença de mais 23 mil médicos cubanos, o que reduziu tremendamente a mortalidade infantil.
Claro que a Venezuela tem muitos outros desafios a superar, a começar pela economia rentista do petróleo, como disse hoje, em Brasília, o Chanceler Bolivariano, Elias Jaua, bem como enfrentar a criminalidade, que, aliás, não é problema exclusivo venezuelano. Ele informou sobre os focos de violência orquestrados por pequenos grupos de agentes provocadores , com apoio do exterior. Enquanto a Venezuela possui 325 municípios, as ações violentas registraram-se em apenas 18 localidades de todo o país. Reveladora é a informação de que os atos violentos ocorrem centralmente nos bairros mais ricos. Mais reveladora ainda, da condição de classe desses jovens de famílias ricas que agem violentamente , é que optaram por queimar um caminhão do sistema Mercal, um sistema estatal de distribuição de alimentos a baixo custo. Queimaram, mas não saquearam os alimentos. Ou seja, o motivo não era a fome, mas apenas queimar, destruir.
Militares progressistas
As manifestações pacíficas são permitidas e a oposição, caso queira, pode recorrer ao instrumento da revogabilidade de mandatos, contido na Constituição Bolivariana, uma das mais avançadas do mundo, para tentar retirar Maduro pela vida legal. Mas, se o objetivo é exigir, sem base nem fundamento, a renúncia do Presidente Nicolás Maduro, e por meio de incêndios, instalação de linhas de nylon cortantes nas ruas dos bairros mais chiques, o que já provocou a degola de motociclistas, evidentemente, estes grupos vão se defrontar com aquilo que talvez seja uma das mais importantes obras de Chávez: a unidade cívico-militar.
Os militares bolivarianos possuem outra consciência, enriquecida e temperada na experiência da Revolução dos Cravos, de Portugal, no governo antiimperailista de Velasco Alvarado, no Peru, no exemplo do governo socialista do capitão Thomas Sankara, o Che Guevara africano, de Burkina Fasso, experiências em que os militares atuaram sempre ao lado do povo, sustentando um processo revolucionário, transformador, como ferramenta estratégica.
Este é o eixo que dá suporte e mantém de pé a Revolução Bolivariana até hoje, enfrentando todas as ações de desestabilização emanadas pela Casa Branca, ecoadas pela mídia internacional. Assim, é muito explicativo observar que a mídia brasileira, especialmente aquela que apoiou o golpe militar de 64 no Brasil, e, também, o golpe derrotado contra Chávez, em 2002, esteja agora tentando fazer crer que exista uma convulsão social na Venezuela. E que ontem, data dos 25 anos do Caracazzo que pariu a Revolução Bolivariana, nada tenha dito daquela rebelião, quando, apoiou não apenas o pacote de amargas medidas neoliberais, mas, também, a sangrenta matança que hoje está sendo apurada por uma espécie de comissão da verdade de lá.
* Beto Almeida é membro do diretório da Telesur
"A revolução bolivariana é pacífica, pero armada" - Hugo Chávez
Há 25 anos, num 27 de fevereiro de 1989, o então presidente da Venezuela, Carlos Andrés Perez, lançou um pacote neoliberal explosivo aumentando drasticamente o preço da gasolina e dos alimentos. O povo de Caracas se rebela, sai às ruas, saqueia supermercados, lojas de roupas, açougues. Perez d ordens para o exército reprimir com vigor. Centenas de cidadãos são mortos. O número exato ainda está por ser calculado, pois muitos foram enterrados em valas comuns ou atirados nos lixões da cidade.
Quando tive a oportunidade entrevistar o presidente Chávez, no Palácio de Miraflores, ele contou que está em serviço e soube quando a ordem de reprimir foi dada e as tropas lançaram-se pelos bairros pobres, esmagando sem dó nem piedade a rebelião, conhecida com o nome de Caracazzo. Chávez dizia que o Caracazzo foi o estopim, a alavanca , o encorajamento fundamental para que o movimento militar bolivariano, cuja construção liderava dentro dos quartéis de toda a nação, se decidira a agir. Aquela repressão havia provocado nas fileiras progressistas e nacionalistas militares muito mais do que uma indignação.
47 segundos versus 10 anos
Quase três anos depois, em 4 de fevereiro de 1992, Chávez comandava uma insurreição militar que pretendia colocar um fim no governo neoliberal e corrupto de Andrés Peres e , com o apoio popular, convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Do ponto de vista militar, a insurreição não foi vitoriosa. Dialeticamente, foi vitoriosa do ponto de vista político. Hugo Chávez comandou a rendição para poupar vidas, entregou -se, e foi preso. Na prisão, transforma-se no homem mais popular da Venezuela. O povo venezuelano identificou naqueles poucos segundos em que Chávez usou a cadeia de rádio e TV - exigência para a rendição - que aquele homem, meio negro e meio índio, era um dos seus, que falava sua língua, representava seus anseios largamente reprimidos. Tanto assim que longas filas, diariamente, se formaram para visitar a Chávez na prisão. Gente proletária, sofrida, humilde, que tinha tido a objetividade histórica de compreender que ali estava preso o seu líder, enquanto os intelectuais pedantes discutiam, interminavelmente, se Chávez era um populista, um golpista, um autoritário ou um militaresco fascista.
Certa vez, em debate com um dirigente do Partido Comunista Espanhol, em Madrid, escutei-o dizer que só depois do golpe de 2002, ele tivera certeza de que Chávez era de esquerda. Contra argumentando, assinalei que enquanto ele tinha levado 10 anos para entender a função história de Chávez, o povo venezuelano levara apenas 47 segundos para compreendê-lo , tempo exato daquela declaração do líder da insurreição bolivariana por cadeia para render-se, “por ahora”.
O Caracazzo pariu a Insurreição de 4 de Fevereiro de 1992. Mas, é chocante observar, ainda hoje, a infinita hipocrisia dos meios de comunicação internacionais e dos governos que os controlam ou manipulam, diante da crise atual da Venezuela. Quando o governo venezuelano de 1989 mandou reprimir e matou a rodo populares nas ruas de Caracas - Chávez insistia sempre que eram milhares os mortos - esta mídia que faz o maior estardalhaço sobre uma inexistente guerra civil na Venezuela hoje, na época, não fez nenhum escândalo diante da matança aos olhos de todos, nas ruas caraquenhas. Tampouco os governos , como o dos Estados Unidos, que lançam cínicos comunicados de “preocupação com os direitos humanos na Venezuela”, na época , foram os patrocinadores do pacote neoliberal de Carlos Andrés Perez, fizeram o mais criminoso silêncio. O silêncio da cumplicidade com aquela matança.
Maldito seja...
O Caracazzo foi uma rebelião popular que levou a uma lição fundamental para os militares revolucionários que se organizavam em torno de Chávez, entre eles o Embaixador da Venezuela no Brasil, Almirante Diego Molero. E a lição era a aplicação de uma das frases de Bolívar mais repetidas pelo próprio Chávez, linha de princípio do movimento que, depois de anos de preparação política doutrinária, preparava-se para agir: “Maldito seja o soldado que aponta seu fuzil contra seu próprio povo!”
Porém, a linha doutrinária, programática, ia muito mais além. Recuperava e atualizava o Simon Bolívar integracionista, reformador social, criando outra concepção para o papel dos militares: a integração latino-americana, a unidade cívico-militar e a sustentação pela via democrática, porém de armas nas mãos, do processo de mudanças em busca de justiça social. Afinal, a Venezuela, um país tão rico, possuía 85 por cento de pobres e miseráveis, uma maioria de analfabetos, favelas desumanas por todos os lados, enquanto sua burguesia era conhecida por ser uma das maiores consumidoras de caviar e champanhe do mundo, perdendo apenas para burguesia francesa.
Hoje, 25 anos depois do Caracazzo, já podemos contabilizar os frutos na Revolução Bolivariana, mesmo assediada, atacada, sabotada, golpeada por mais de 15 anos. O país de Bolívar não tem mais analfabetos, diz a Unesco. Diz a FAO que houve redução drástica da desnutrição e da fome no país. Os trabalhadores já possuem uma lei trabalhista moderna e foram universalizados os direitos previdenciários. Lá se paga um dos maiores salários mínimos da América Latina, comparativamente falando. E, pela primeira vez na história do país, o petróleo, que enriqueceu por décadas uma camarilha insensível e corrupta, agora tem a sua receita aplicada na construção de moradias, de universidades bolivarianas, na sustentação do ensino público gratuito, na instalação de milhares de postos de saúde, com presença de mais 23 mil médicos cubanos, o que reduziu tremendamente a mortalidade infantil.
Claro que a Venezuela tem muitos outros desafios a superar, a começar pela economia rentista do petróleo, como disse hoje, em Brasília, o Chanceler Bolivariano, Elias Jaua, bem como enfrentar a criminalidade, que, aliás, não é problema exclusivo venezuelano. Ele informou sobre os focos de violência orquestrados por pequenos grupos de agentes provocadores , com apoio do exterior. Enquanto a Venezuela possui 325 municípios, as ações violentas registraram-se em apenas 18 localidades de todo o país. Reveladora é a informação de que os atos violentos ocorrem centralmente nos bairros mais ricos. Mais reveladora ainda, da condição de classe desses jovens de famílias ricas que agem violentamente , é que optaram por queimar um caminhão do sistema Mercal, um sistema estatal de distribuição de alimentos a baixo custo. Queimaram, mas não saquearam os alimentos. Ou seja, o motivo não era a fome, mas apenas queimar, destruir.
Militares progressistas
As manifestações pacíficas são permitidas e a oposição, caso queira, pode recorrer ao instrumento da revogabilidade de mandatos, contido na Constituição Bolivariana, uma das mais avançadas do mundo, para tentar retirar Maduro pela vida legal. Mas, se o objetivo é exigir, sem base nem fundamento, a renúncia do Presidente Nicolás Maduro, e por meio de incêndios, instalação de linhas de nylon cortantes nas ruas dos bairros mais chiques, o que já provocou a degola de motociclistas, evidentemente, estes grupos vão se defrontar com aquilo que talvez seja uma das mais importantes obras de Chávez: a unidade cívico-militar.
Os militares bolivarianos possuem outra consciência, enriquecida e temperada na experiência da Revolução dos Cravos, de Portugal, no governo antiimperailista de Velasco Alvarado, no Peru, no exemplo do governo socialista do capitão Thomas Sankara, o Che Guevara africano, de Burkina Fasso, experiências em que os militares atuaram sempre ao lado do povo, sustentando um processo revolucionário, transformador, como ferramenta estratégica.
Este é o eixo que dá suporte e mantém de pé a Revolução Bolivariana até hoje, enfrentando todas as ações de desestabilização emanadas pela Casa Branca, ecoadas pela mídia internacional. Assim, é muito explicativo observar que a mídia brasileira, especialmente aquela que apoiou o golpe militar de 64 no Brasil, e, também, o golpe derrotado contra Chávez, em 2002, esteja agora tentando fazer crer que exista uma convulsão social na Venezuela. E que ontem, data dos 25 anos do Caracazzo que pariu a Revolução Bolivariana, nada tenha dito daquela rebelião, quando, apoiou não apenas o pacote de amargas medidas neoliberais, mas, também, a sangrenta matança que hoje está sendo apurada por uma espécie de comissão da verdade de lá.
* Beto Almeida é membro do diretório da Telesur
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: