Por Altamiro Borges
A Unicef, órgão da ONU para a proteção da infância, divulgou nesta terça-feira (22) um dado chocante e deprimente: desde o início da ofensiva terrorista de Israel contra o território palestino de Gaza, 121 crianças já foram assassinadas – 80 delas com menos de 12 anos. Ainda segundo o relatório, foram 84 meninos e 37 meninas, com idades entre cinco meses e 17 anos; outras 904 crianças ficaram feridas. Em apenas 15 dias deste genocídio, 593 palestinos foram mortos pelos bombardeios insanos das forças armadas de Israel. No mesmo período, 27 soldados israelenses morreram em combates, além de dois civis, que foram atingidos por foguetes lançados da Faixa de Gaza.
A própria ONU, sempre tão omissa neste conflito, descreve como “devastadora” a situação em Gaza. “Literalmente, não há um espaço que seja seguro para os civis”, afirma o porta-voz do organismo na região, Jens Laerke. Mais de 107 mil crianças necessitam de tratamento especializado para superar o trauma vivido na região bombardeada. Até agora, as equipes de emergência ajudaram apenas 900 crianças. A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) também lançou um apelo de US$ 60 milhões para atender as urgências humanitárias na região. Mais de 84 mil palestinos já abandonaram suas casas em busca de segurança; o número de refugiados deve superar 100 mil em breve.
A barbárie em Gaza é horripilante e lembra, segundo alguns analistas, o holocausto nazista contra os judeus. Apesar das críticas e dos protestos em várias partes do mundo, o Estado terrorista de Israel não dá sinais de que recuará na ação militar genocida. Ele conta, como sempre contou, com o apoio dos EUA e de poderosas corporações empresariais. Conta, ainda, com a passividade da ONU e de importantes nações, que vacilam em adotar medidas mais duras de boicote e embargo ao Estado assassino. Neste sentido, permanece atual o artigo do escritor Eduardo Galeano, publicado originalmente na revista uruguaia “Sin Permiso” e reproduzido no site Carta Maior. Reproduzo-o abaixo.
*****
Pouca Palestina resta! Pouco a pouco, Israel está apagando-a do mapa!
Por Eduardo Galeano
Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo os seus autores quer acabar com os terroristas, conseguirá multiplicá-los.
Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem sequer respirar sem autorização. Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes. Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se numa ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou legitimamente as eleições em 2006. Algo parecido tinha ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador.
Banhados em sangue, os habitantes de El Salvador expiaram a sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem. São filhos da impotência os rockets caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desleixada pontaria sobre as terras que tinham sido palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à orla da loucura suicida, é a mãe das ameaças que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está a negar, desde há muitos anos, o direito à existência da Palestina. Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa.
Os colonos invadem, e, depois deles, os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina, e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita. Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que escarnece das leis internacionais, e é também o único país que tem legalizado a tortura de prisioneiros.
Quem lhe presenteou o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está a executar a matança em Gaza? O governo espanhol não pôde bombardear impunemente o País Basco para acabar com a ETA, nem o governo britânico pôde arrasar Irlanda para liquidar a IRA. Talvez a tragédia do Holocausto implique uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde vem da potência ‘manda chuva’ que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos? O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais.
Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são meninos. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está a ensaiar com êxito nesta operação de limpeza étnica. E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelita. Gente perigosa, adverte o outro bombardeamento, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a achar que uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinianas. E esses meios também nos convidam a achar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A chamada comunidade internacional, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos assumem quando fazem teatro? Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial destaca-se uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade. Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.
A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas desde há meio século essa dívida histórica está a ser cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão a pagar, em sangue, na pele, uma conta alheia.
(*) Artigo publicado no Sin Permiso. Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net.
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Leia também:
- O massacre israelense em Gaza
- Israel, EUA e a barbárie em Gaza
- O genocídio israelense em Gaza
- Não é um conflito; é um massacre
- Ataques em Gaza são crimes de guerra
- A propaganda de guerra de Israel
- Deter a mão assassina de Israel
- EUA bancam o terrorismo de Israel
A Unicef, órgão da ONU para a proteção da infância, divulgou nesta terça-feira (22) um dado chocante e deprimente: desde o início da ofensiva terrorista de Israel contra o território palestino de Gaza, 121 crianças já foram assassinadas – 80 delas com menos de 12 anos. Ainda segundo o relatório, foram 84 meninos e 37 meninas, com idades entre cinco meses e 17 anos; outras 904 crianças ficaram feridas. Em apenas 15 dias deste genocídio, 593 palestinos foram mortos pelos bombardeios insanos das forças armadas de Israel. No mesmo período, 27 soldados israelenses morreram em combates, além de dois civis, que foram atingidos por foguetes lançados da Faixa de Gaza.
A própria ONU, sempre tão omissa neste conflito, descreve como “devastadora” a situação em Gaza. “Literalmente, não há um espaço que seja seguro para os civis”, afirma o porta-voz do organismo na região, Jens Laerke. Mais de 107 mil crianças necessitam de tratamento especializado para superar o trauma vivido na região bombardeada. Até agora, as equipes de emergência ajudaram apenas 900 crianças. A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) também lançou um apelo de US$ 60 milhões para atender as urgências humanitárias na região. Mais de 84 mil palestinos já abandonaram suas casas em busca de segurança; o número de refugiados deve superar 100 mil em breve.
A barbárie em Gaza é horripilante e lembra, segundo alguns analistas, o holocausto nazista contra os judeus. Apesar das críticas e dos protestos em várias partes do mundo, o Estado terrorista de Israel não dá sinais de que recuará na ação militar genocida. Ele conta, como sempre contou, com o apoio dos EUA e de poderosas corporações empresariais. Conta, ainda, com a passividade da ONU e de importantes nações, que vacilam em adotar medidas mais duras de boicote e embargo ao Estado assassino. Neste sentido, permanece atual o artigo do escritor Eduardo Galeano, publicado originalmente na revista uruguaia “Sin Permiso” e reproduzido no site Carta Maior. Reproduzo-o abaixo.
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Pouca Palestina resta! Pouco a pouco, Israel está apagando-a do mapa!
Por Eduardo Galeano
Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo os seus autores quer acabar com os terroristas, conseguirá multiplicá-los.
Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem sequer respirar sem autorização. Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes. Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se numa ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou legitimamente as eleições em 2006. Algo parecido tinha ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador.
Banhados em sangue, os habitantes de El Salvador expiaram a sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem. São filhos da impotência os rockets caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desleixada pontaria sobre as terras que tinham sido palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à orla da loucura suicida, é a mãe das ameaças que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está a negar, desde há muitos anos, o direito à existência da Palestina. Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa.
Os colonos invadem, e, depois deles, os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina, e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita. Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que escarnece das leis internacionais, e é também o único país que tem legalizado a tortura de prisioneiros.
Quem lhe presenteou o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está a executar a matança em Gaza? O governo espanhol não pôde bombardear impunemente o País Basco para acabar com a ETA, nem o governo britânico pôde arrasar Irlanda para liquidar a IRA. Talvez a tragédia do Holocausto implique uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde vem da potência ‘manda chuva’ que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos? O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais.
Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são meninos. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está a ensaiar com êxito nesta operação de limpeza étnica. E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelita. Gente perigosa, adverte o outro bombardeamento, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a achar que uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinianas. E esses meios também nos convidam a achar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A chamada comunidade internacional, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos assumem quando fazem teatro? Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial destaca-se uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade. Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.
A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas desde há meio século essa dívida histórica está a ser cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão a pagar, em sangue, na pele, uma conta alheia.
(*) Artigo publicado no Sin Permiso. Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net.
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