Para alguns, basta a confiança imposta pela presença de um novo presidente da República, que respeitará as leis do mercado e tudo estará resolvido. Para outros, é suficiente vontade de um novo gestor no Planalto, que governará sem alianças e sem coalizões com partidos, e sim com a sociedade. Para ambos, basta respeitar o tripé macroeconômico, juros, câmbio e superávit. E ter responsabilidade fiscal e conceder independência para o Banco Central (BC).
Sem entrar no mérito se acreditam mesmo no que pregam, ou se apenas repetem fórmulas surradas de seus assessores e conselheiros, cabe uma pergunta: como a responsabilidade fiscal e a independência do BC vão resolver pois só os pontos de estrangulamento de nossa economia e aumentar os investimentos privados e públicos? Como vão abrir novos mercados para o Brasil, reduzir a inflação ao centro da meta e/ou aumentar a poupança interna e a eficiência do governo?
As dificuldades que o país enfrenta não foram provocadas por ações do governo, mas é decorrente do contexto internacional, marcado pela maior crise do capitalismo em 100 anos. Essa crise global, que foi enfrentada lá fora com a fórmula proposta pelos nossos opositores (corte de salários, benefícios sociais, entre outros receituários recessivos), levou ao desemprego e ao baixo crescimento na maior parte do mundo. É, portanto, uma crise recessiva de longo prazo, iniciada desde 2008 e até agora sem solução à vista.
Caminho próprio para evitar a saída clássica dos juros altos
Foi exatamente para evitar a saída clássica de juros altos, corte de gastos sociais, redução do valor dos salários, eliminação de direitos trabalhistas históricos, desemprego, venda de patrimônio e ativos públicos que optamos, governos do PT, por reduzir impostos (desonerações), aumentar os investimentos e os gastos públicos, liberar os depósitos compulsórios e usar nossas reservas cambiais. O foco primeiro, portanto, foi manter o emprego dos brasileiros.
E o mais importante: sem que isso tenha levado o país a abandonar a responsabilidade fiscal. Pelo contrário, nossa dívida pública se mantém estável com relação ao PIB e nossas reservas externas robustas. A inflação está abaixo da média dos governos FHC e Lula, os salários crescem acima da inflação e o desemprego é o menor da história do país – vivemos uma situação de pleno emprego.
A oposição critica as desonerações, os gastos sociais e a administração do preço da gasolina e das tarifas públicas, mas não aponta alternativas. Ninguém da oposição sugere uma saída consistente frente à combinação da crise externa com a maior estiagem vivida no país nas últimas décadas, e que é a causa principal da inflação de alimentos e da disparada dos preços da energia.
Na prática, o que a oposição aponta como erros do governo é o preço que pagamos por superar a crise sem afetar as condições essenciais para o crescimento do país, a preservação dos investimentos públicos, o mercado interno, as parcerias via concessões dos serviços públicos de infraestrutura, os investimentos no pré-sal, na educação e em inovação.
Ingenuidade e ilusionismo
Sempre há a alternativa de priorizar e se apoiar no mercado externo e nas exportações como motor de nosso crescimento e competitividade, mas pode ser uma aposta de alto risco num mundo em recessão e com baixíssimo crescimento do comércio internacional, com crescente protecionismo, câmbio administrado e com alta concorrência com os EEUU, Europa e China em busca de mercado para suas indústrias, serviços e tecnologia.
Como é arriscado, da mesma forma, pedir que abramos nossos mercados industriais e de serviços, de compra governamental e tecnologia, quando os países desenvolvidos nos fecham seus mercados e buscam os nossos.
Mais rápido, crível e prático é aumentar a integração sul-americana e disputar os mercados africanos, seja dentro das práticas estabelecidas pela Organização Mundial do comércio (OMC), seja por acordos bilaterais ou de blocos como os em andamento, do MERCOSUL com a União Europeia e com a Aliança do Pacifico. Criando um aparato institucional para o comércio exterior e um banco de importação e exportação, a exemplo dos países desenvolvidos. Nesse sentido, as sólidas relações com os BRICS constituem pilar estratégico para nossos interesses e movimentos em um tabuleiro internacional no qual o papel do Brasil tornou-se relevante. Sem essas perspectivas, não romperemos o círculo dentro do qual buscam nos acomodar.
Temos, sim, a oportunidade única e histórica de contornar os pontos de estrangulamento no país com as medidas e políticas que estamos adotando para aumentar nossa competitividade e produtividade. Crescendo para dentro e, ao mesmo tempo, para fora.
Apesar das dificuldades, Brasil enfrenta seus desafios
Apesar das dificuldades históricas do país e da herança de décadas sem investimentos na infraestrutura, em energia e petróleo, em inovação e educação, o fato é que o Governo vem enfrentando esses desafios para romper os pontos de estrangulamento que encarecem o custo de nossa economia e produção e travam nossa produtividade e competitividade.
Há poupança no país. E muita, demasiada até. Basta ver a dívida pública de mais de R$ 2 trilhões. Temos a poupança propriamente dita e os fundos de pensão, o mercado de ações e os fundos de renda fixa. Temos de tudo, portanto, em matéria de poupança.
No Brasil, os lucros das empresas e dos bancos são altos para a média mundial. Então, insistimos, temos sim mais capacidade de investimentos. E eles não se realizam não por falta de demanda. Esta existe, está aí na escassez de serviços públicos e infraestrutura social e urbana, na demanda por saneamento e habitação, de mobilidade urbana, de turismo e lazer, de esporte e cultura, de educação e saúde, de rodovias, portos, ferrovias, aeroportos, hidrovias, energia, gás e petróleo. Atendê-la é suficiente para fazer o país crescer por 10 e/ou 20 anos.
Mas, no Brasil a poupança não se transforma em investimento porque, apesar das oportunidades de segurança, das garantias, da demanda ante a escassez desses serviços públicos e privados, o sistema bancário-financeiro do país não cumpre seu papel de intermediário entre a poupança e o investimento.
Temos um spread bancário de 28% a 32%. Assim, parte substancial da renda nacional e da poupança é desviada para pagar juros e o serviço da díivida interna – juros que ficam nas mãos de uma minoria de 17 mil pessoas físicas e jurídicas que concentram a renda nacional entesourada nos títulos do governo, criando um circulo vicioso responsável, inclusive, pelos altos juros que pagamos. É hora de reorganizar o sistema bancário e financeiro público e mudar nossa política monetária, fiscal e cambial para reduzir os juros reais e conduzir nossa política cambial segundo os interesses e a defesa comercial do país.
Apenas 17 mil pessoas concentram a renda nacional
Diante dessa situação a pergunta que não cala é: quem fará o pacto político ou conquistará uma maioria para romper esse dilema histórico do país? Quem abrirá essa caixa de pandora? É possível fazê-lo sem uma aliança produtiva popular como a que levou o presidente Lula ao poder?
O fato é que sem maioria política e social, não fazemos nem a reforma tributária e nem a política, nem a urbana e nem a bancária. Continuaremos pagando juros reais de 10% no serviço de nossa dívida interna, correspondentes a R$ 200 bi ao ano desviados do Orçamento Geral da União.
O Brasil não pode retroceder e não pode se submeter aos mercados financeiros internacionais e a hegemonia norte-americana na política externa. Nem renunciar a seu papel externo de liderança apoiada em seu potencial interno. Tem de continuar buscando combinar a sua reindustrialização com sua extraordinária agroindústria e mercado interno, dando sequência às transformações sociais e educacionais iniciadas pelos governos Lula, mas aprofundando esse processo, para realizar de fato a revolução educacional e social que o país precisa.
Tem, ao mesmo tempo, de buscar a integração sulamericana que nos garantirá a base para superar e suportar a atual crise internacional recessiva e o poder avassalador político, militar e financeiro que controla o mundo e busca enquadrar nosso Brasil em seus objetivos e interesses estratégicos e nacionais.
O governo Lula e as mudanças por ele iniciadas foram possíveis porque, dentro do bloco hegemônico industrial-agrícola e financeiro no Brasil, criou-se uma dissidência produtivista e nacionalista, que aceitou o desafio de se aliar – de novo, como no passado – aos trabalhadores, dirigidos pelo presidente Lula. Ele representava, naquele momento, o operariado industrial e as camadas populares, para retomar o fio da história do país.
Porque os governos Lula e Dilma foram de avanços e mudanças
As mudanças ocorreram porque aliados, governo Lula e essa dissidência conseguiram implantar um projeto de Brasil com desenvolvimento, apoiado na industrialização e distribuição de renda, no mercado interno e na reafirmação do país como nação democrática, independente e soberana em busca da justiça social contra a pobreza e a fome.
A questão agora é se o capital industrial e agrário, médio e grande, se submeterá ao canto de sereia do capital financeiro e de suas representações políticas – uma, representação tradicional, o tucanato; outra, uma miragem, Marina Silva, hoje aliada ao PSB, mas com um programa econômico assemelhado ao do PSDB.
Tão assemelhado que bebe nas mesmas fontes, tem os mesmos conselheiros e visa o mesmo objetivo: retroceder o pais à orbita norte-americana e as políticas ortodoxas que apenas atendem ao interesse dos rentistas e do próprio capital financeiro-bancário. E que é incapaz de expressar as maiorias, sejam empresariais, sejam populares do país.
O desafio da presidenta Dilma, avalizado pelo ex-presidente Lula e pelo PT, é recompor essa aliança e retomar esse projeto com coragem e mobilização social. Só assim ela poderá realizar as reformas postergadas e romper as cadeias que mantêm o Brasil submetido e preso em suas potencialidades aos interesses e desejos de uma minoria.
Minoria, insista-se, que aliada ao poder da mídia, pretende fazer um pais à sua semelhança cultural e política, sem dar às maiorias as oportunidades e as riquezas que monopolizam cada vez mais e mais.
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