terça-feira, 26 de agosto de 2014

Marina e seu encontro com os lobos

Por Renato Rovai, em seu blog:

Muita água ainda vai passar por debaixo da ponte das eleições presidenciais deste ano, mas o fato é que Marina Silva já não é mais uma surpresa eleitoral. Ela pode vir a ser eleita presidenta da República. E não seria exagero dizer que se as pesquisas que estão sendo analisadas em comitês de campanha e entre empresários vierem a ser confirmadas daqui a pouco pelo Ibope, Marina passa a ser a favorita a comandar o país a partir de janeiro próximo. O resultado do Ibope no Paraná é uma amostra do que pode vir por aí.

Evidente que a disputa entra a partir de agora numa nova fase. Como favorita, Marina passa a ser alvo. Seus adversários não a tratarão mais como café com leite, buscando agradá-la para contar com o seu apoio no segundo turno. Vão buscar contradições no seu programa de governo, irão revirar sua gestão no ministério do Meio Ambiente, vão olhar com lupa sua vida pessoal, levantar declarações sobre assuntos polêmicos e questionar posições que vêm sendo apresentadas pelos seus principais assessores.

Hoje, por exemplo, João Paulo Capobianco, que é do núcleo duro histórico de Marina, disse ao jornal Valor que não tem essa de rever o Código Florestal e que a candidata não é a “favor e nem contra os transgênicos”. Ou seja, vejam só como é a vida, quando não tinha chance de vitória o discurso era outro.

Ao mesmo tempo que Capobianco diz isso, Giannetti da Fonseca, economista neoliberal e seu principal assessor na área, é questionado por defender que a universidade pública deve ser paga por alunos que têm recursos. Sem explicar o que isso significa e dando um sinal maravilhoso para os donos do ensino privado.

Ou seja, Marina terá um encontro com os lobos a partir de agora. E vai ter de dizer coisas mais claras sobre o que pensa. As generalizações não enchem barriga de banqueiros e nem de mega-empresários. E eles não têm com ela a relação de confiança que têm com o PSDB. Marina vai ter dizer de que lado está de forma clara e pública. Não adiantarão os bate-papos de assessores em salas fechadas.

O PT já viveu esse momento quando decidiu se abrir ao deus mercado e fez a Carta ao Povo Brasileiro. Deu sinais, mas não foi tão longe prometendo a independência do Banco Central, coisa que Marina fez já na primeira curva. Pra quem não entende do riscado, independência do Banco Central é entregar toda a política de controle de juros e da economia na mão dos banqueiros.

As primeiras reações do comando da campanha de Marina após seu crescimento nas pesquisas têm sido à direita. Eles estão muito mais preocupados em dar sinais ao mercado do que ao campo popular.

Mas para quem acha que por conta de ter de sair do casulo, Marina Silva começará a perder o brilho nos próximos dias, sinto informar que pode estar equivocado. Isso já aconteceu recentemente com Ciro Gomes, Roseana Sarney ou mesmo Celso Russomanno, mas ao que parece Marina é mais resistente e hábil que eles.

Ela tem uma história de vida e uma biografia limpa a apresentar. E goza da confiança de muita gente exatamente por conta desse seu jeito pouco afirmativo de ser. Ou seja, fazendo de conta que não é nem de um lado e nem do outro. Que é alguém que olha para frente.

A imagem de Marina é de alguém em quem se pode confiar porque vai tomar a melhor decisão na hora certa. E que por isso não precisa dizer agora o que vai fazer no futuro. Sua fragilidade física e seu toque brejeiro ajudam na construção dessa narrativa.

Mas mesmo assim, Marina terá de ser mais direta do que tem sido até hoje em relação a várias questões. Vai ter que ir além das generalizações e das frases que não deixam claro qual caminho será seguido. Porque esse jogo meio embaçado tem um limite. E o limite é dado pelos que têm mais interesse nos resultados práticos e pragmáticos. Eles são os lobos.

Marina terá que dizer sem tergiversar aos grandes grupos econômicos qual o seu projeto.

Em 1994, FHC ganhou a eleição mostrando um livro em branco no seu programa de TV e dizendo que seu plano de governo iria mudar o Brasil para melhor. Marina pode tentar fazer o mesmo agora. Mas não é uma operação simples. Ela não é candidata unânime nem da mídia e nem do empresariado. E esse pessoal vai querer que ela assuma compromissos públicos.

Se piscar e eles sentirem que ela governará menos para eles quase como Dilma, a tendência é que façam de tudo nos próximos dias para recolocar Aécio no jogo. Se fizer um movimento muito generoso para esse grupo, ela pode perder votos daqueles que a viam como uma esperança de implantação de um programa sonhático. De um Brasil com poder mais descentralizado. De um país mais comprometido com a pauta da sustentabilidade e da qualidade de vida.

Começa uma nova fase para o projeto Marina Silva presidenta. Uma fase onde vai ser necessário dizer mais claramente o que se é e o que se quer. E num país com as sutilezas do Brasil, as coisas não são tão simples como parecem. Há muitos interesses em jogo. E muita contradição. Uma frase torta pode afastar grupos enormes de sua candidatura.

Na eleição de 2010, Marina fez uma campanha onde caminhou num bosque tranquilo. Cercada de ovelhas e num clima bucólico. Agora ela terá que acertar seus ponteiros com os lobos. Se fizer de conta que não existem, eles podem devorá-la. Se tentar enganá-los, eles podem devorá-la mais para frente. Se deixar claro que eles são os inimigos, eles vão fazer de tudo para devorá-la agora. O jogo é bruto. E os lobos não perdoam.

Um comentário:

  1. Muito bom! Análise muito delicada para um tema tão complexo.

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