Mas a falta de respeito às vítimas do acidente estava só começando. As cerimônias fúnebres descambaram para um deplorável ato político, com direito a foguetório de 17 minutos, farta distribuição de bandeiras do PSB, vaias à presidenta Dilma e gritos de guerra em favor de Marina.
Tudo isso com cobertura ao vivo da Globo. Estava em curso uma operação política para transformar em "mártir da luta pela transformação do país" um político tradicional, com qualidades e defeitos como qualquer ser humano feito de carne e osso. Calhordice pura, para fazer de Marina a herdeira da comoção nacional.
Contudo, manipulações grosseiras são sempre vulneráveis à força da realidade. Não demorou para vir à tona o imbróglio do avião utilizado por Campos em sua campanha, e que caiu em Santos matando sete pessoas e deixando um rastro de destruição ao redor do local da queda.
Para início de conversa, por incrível que pareça, a aeronave não tinha seguro. Isso, provavelmente, deixará ao Deus dará, sem receber indenização, tanto os familiares dos mortos como os moradores que tiveram suas casas destruídas. Só o dono de uma academia de ginástica reclama um prejuízo de R$ 1,5 milhões.
Mas a confusão envolvendo o avião vai longe. Pertencente a uma empresa quebrada de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, foi arrendada por três empresários pernambucanos, os quais assumiram o pagamento das parcelas do leasing. Só que essa operação é ilegal, pois a empresa de Ribeirão Preto, um tal Grupo Andrade, encontra-se em processo de recuperação judicial. Nestes casos, quaisquer transações só podem ser feitas com autorização da Justiça, o que não ocorreu.
A legislação eleitoral estabelece que candidatos a cargos eletivos só podem voar em aviões registrados como táxi aéreo.A aeronave de Campos não tinha esse tipo de registro. Também é obrigatória a inclusão do valor relativo às horas de voo na prestação de contas dos candidatos. Igualmente essa providência não foi tomada pelo PSB. Como se sabe, Marina utilizou o mesmo avião incontáveis vezes em deslocamentos pelo país junto com Campos. Já imaginou se o passageiro de um avião nessas condições fosse um petista de expressão ? Com a palavra, a justiça eleitoral.
Esse episódio contribui para jogar luz sobre o legado do ex-governador de Pernambuco. Levantando-se o véu da "canonização", encontramos um político que fez um governo de grandes realizações, contando com muitas verbas federais, em Pernambuco, mas, picado pela mosca azul, aderiu à oposição neoliberal; um político que tinha tudo para aguardar sua vez, em 2018, como candidato da base aliada, mas optou pelo caminho do oportunismo oposicionista de ocasião; um político que aderiu aos ataques moralistas contra o governo, como no caso da CPI da Petrobras, mas foi protagonista do "escândalo" dos precatórios, quando era secretário de Fazenda do governo do seu avô, em Pernambuco, nos anos 90; um político que posava como o "novo", mas adotava a velha prática de nomear parentes.
Na minha visão, se solidarizar com a dor da família de Campos e de seus amigos é se indignar com o uso político do luto para consumo eleitoral, é denunciar o cinismo e a mistificação dos veículos de comunicação na megacobertura da tragédia.
Por outro lado, esse comportamento abjeto da imprensa brasileira está longe de surpreender. Ao contrário, é muito coerente para quem tem no currículo a campanha que levou Vargas ao suicídio; a tentativa de impedir a posse de Jango e o apoio ao golpe de 1964, dentre tantas outras páginas vergonhosas da nossa história.
Obs : Um dia depois que postei este artigo surge a informação de que a Polícia Federal vai investigar o suposto uso de recursos de caixa dois, por parte do PSB, para comprar o avião.
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