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A jornalista Miriam Leitão publicou, em O Globo desta quinta-feira 4 de setembro, um artigo (ver abaixo) em defesa de Marina Silva.
Até aí, nada de estranho.
Estranho é o argumento: segundo Leitão, estaria havendo "intolerância religiosa" contra Marina.
O argumento recorda a defesa que Marina fez do Pastor Marco Feliciano, em 2013. Segundo Marina, Feliciano estaria sendo hostilizado por ser evangélico, não por estar atentando contra os direitos humanos e as liberdades garantidas pela Constituição brasileira.
Vamos combinar: não há nenhuma "cobrança religiosa" sobre Marina.
O que existe é a dúvida de alguns e a certeza de muitos, acerca da ameaça que paira contra o caráter laico do Estado brasileiro.
Leitão afirma que a laicidade está assegurada pela Constituição. É verdade. Mas a questão é: esta candidata defende a laicidade?
Da boca para fora, sim. Mas basta assistir a entrevista de Marina ao Jornal da Globo para perceber que ela não consegue ir além da saudação à bandeira.
Por exemplo: a postura de Marina frente a criminalização da homofobia.
Uma comparação ajuda a entender qual o problema.
O racismo é crime inafiançável. Se uma autoridade de qualquer crença promover o racismo, a liberdade religiosa não pode ser utilizada como argumento para impedir o cumprimento da legislação.
A homofobia é uma ameaça aos direitos humanos. Por isto é justo defender e será correto aprovar uma lei criminalizando a homofobia.
Pois bem: se a homofobia for criminalizada, de maneira similar ao que fizemos contra o racismo, então quem estimular o preconceito e o ódio contra os homossexuais deve ser tratado nos termos da lei.
Quando alguém diz que não pode ser assim, porque isto iria contra a liberdade religiosa de XYZ, minha conclusão é: este tipo de argumento é uma ameaça a laicidade do Estado.
Não é a crença das candidaturas que está em questão, nem tampouco as qualidades literárias da Bíblia, Torá ou Alcorão.
O que está em questão é o nível de compromisso de cada candidatura com a democracia, os direitos humanos e o caráter laico do Estado brasileiro.
Contestar o direito das pessoas questionarem este compromisso é, isto sim, intolerância religiosa. Ou, no caso de Leitão, puro e simples oportunismo eleitoral.
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Míriam Leitão
O Globo
As dissonâncias
Há fatos estranhos nesta eleição. A presidente Dilma acusa a candidata Marina de ser um novo Collor, tendo Collor na sua base de apoio. Dilma e o candidato Aécio Neves falam da falta de base política de Marina, mas o PT e o PSDB precisaram da ajuda dos outros partidos para governar. Marina diz que governará com os melhores, sabendo que se for eleita terá que formar coalizão.
No Brasil é assim: forma-se uma coligação para disputar a eleição, mas nenhum presidente da história recente conseguiu maioria no Congresso só com os partidos que o apoiaram durante a campanha. Por isso, forma-se a coalizão de governo, que só pode ser negociada depois das eleições, quando se sabe a bancada de cada partido. Qualquer um que governar terá que se unir a outros, inclusive a presidente Dilma, se o eleitor lhe der mais um mandato. Isso é verdade também para Marina, que afirma que governará com as melhores pessoas.
O que a candidata Marina está dizendo, que faz sentido, é que fará isso em torno de uma coalizão programática. É normal em vários países. O anormal é ser sempre o toma-lá-dá-cá que chegou a exageros no Brasil nos últimos anos. Mesmo que os representantes se unam em torno de ideias, é da natureza da política que coalizões diferentes se formem, dependendo do tema. Há assuntos que dividem o Congresso no eixo federativo, como a reforma tributária, por exemplo. Há outros em que as clivagens se dão no eixo partidário. Para governar, é preciso negociar sempre. E, muitas vezes, ceder.
A cobrança religiosa sobre Marina está curiosa. Tudo se passa como se a Bíblia fosse um livro que estivesse no índex brasileiro e houvesse algum artigo da Constituição estabelecendo que só católicos - ou os que se dizem - possam aspirar à Presidência do Brasil. Nas últimas décadas, o IBGE tem registrado um crescimento de outras religiões na população brasileira; o país será cada vez mais diverso também nesse ponto. O importante não é a fé - ou agnosticismo - do candidato, mas sim o caráter laico do Estado brasileiro, o que já está assegurado pela Constituição. Como a pergunta sobre religião não é feita a outros candidatos, além da Marina, isso soa como intolerância religiosa.
O Brasil está vivendo uma eleição de resultado imprevisível, as mudanças nas intenções de voto estão mostrando grande volatilidade. Ainda falta um mês para o primeiro turno e isso é muito chão. (...)
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